Resenha de: “Projeto A “Brasil: Nunca Mais” – Tomo V, Volume I: A Tortura”

Resenha de: “Projeto A “Brasil: Nunca Mais” – Tomo V, Volume I: A Tortura”

Título: Projeto A “Brasil: Nunca Mais” – Tomo V, Volume I: A Tortura

Idealizadores: Reverendo Jaime Wright e Dom Paulo Evaristo Arns

Ano da edição: 1985

Gênero: Depoimentos Históricos

   Em 1979, ainda durante a ditadura militar, um grupo de religiosos e advogados iniciaram um projeto, obtendo junto ao Supremo Tribunal Militar em Brasília, informações e evidencias de violações aos direitos humanos praticadas por agentes do Estado desde o Golpe em 1964 para produzir um livro-denúncia. Os advogados, aproveitando-se do prazo de 24 horas dado pelo Tribunal para a custódia provisória de processos relacionados a presos políticos, copiaram os documentos um a um em total sigilo. Estes continham denúncias feitas pelos presos detalhando as violências que tinham sofrido. Os religiosos, Reverendo Jaime Wright da Igreja Presbiteriana e Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo, conseguiram os recursos necessários com o Conselho Mundial de Igrejas, com este alugaram uma sala comercial próxima ao STM, três máquinas copiadoras e contrataram alguns estagiários.

   Foram seis anos de trabalho até reproduzirem os documentos de 707 processos judiciais. Ao todo, 1 milhão de cópias em papel e 543 rolos de microfilmes feitos depois em São Paulo. O primeiro produto foi denominado Projeto A, contém 6891 páginas divididas em 12 volumes. Neste foram analisadas e catalogadas as informações coletadas nos autos, identificados quantas pessoas passaram pelos tribunais militares, foram formalmente acusadas, presas, torturadas e quantas tinham desaparecido. Também foram catalogadas as modalidades de tortura mais praticadas, a localização dos centros de tortura e os nomes dos médicos que davam plantão junto às sessões, bem como agente identificados pelos presos políticos.

   Para tornar o conteúdo mais acessível, foi criado o Projeto B, um resumo do Projeto A em um espaço 95% menor, pelos jornalistas Ricardo Kotscho e Carlos Alberto Libânio Christo (Frei Betto), coordenados por Paulo de Tarso Vannuchi. O material acabou publicado no Brasil e nos Estados Unidos. Aqui, saiu pela Editora Vozes sob o título de Brasil: Nunca Mais. Toda a documentação do projeto, foi doada para a Universidade Estadual de Campinas, a instituição disponibilizou o material para consulta e permitiu sua reprodução. Vinte e cinco cópias do Projeto A, encadernadas em capa dura, preta com letras douradas foram entregues a universidades, bibliotecas e centros de documentação de entidades dedicadas à defesa dos direitos humanos no Brasil no exterior. No Brasil, desde 2005 o pesquisador Marcelo Zelic criou o Centro de Referência Virtual Brasil Nunca Mais, com a disponibilização na íntegra do Projeto A, totalmente digitalizado e indexado.

   Esta resenha detém-se ao Tomo V – Volume I: A Tortura, do Projeto A. Este contém 999 páginas, ele inicia respondendo as questões “Tortura, o que é, como evoluiu na história”, mostrando como ela foi encarada ao longo dos séculos, desde a servidão ao Código de Hamurabi, do Antigo Testamento aos escritos de Santo Agostinho, da Inquisição às Grandes Guerras Mundiais e ditaduras instauradas pelo mundo após elas. Depois são mostrados vinte quadros com nomes em ordem alfabética das pessoas que denunciaram torturas no período entre 1964 e 1979, as modalidades de torturas e os instrumentos utilizados, o número de denúncias por ano, caracterização dos torturados por faixa etária e gênero, os tipos de torturas utilizados por sexo e por idade, as dependências onde ocorreram e o total de denúncias em cada, as de maior incidência e o tipo de tortura ao longo do tempo, o número de denúncias por Estado e a distribuição geográfica e cronológica dos tipos de tortura. O volume contém ainda dois anexos, sendo um a Declaração do Conselho Mundial de Igrejas sobre Tortura e o outro a Convenção da ONU contra a Tortura. Por fim são listadas 600 denúncias feitas por pessoas de todo o país, sendo que na região central do Paraná foram feitas 13 denúncias, uma em Guarapuava, duas em Pato Branco e dez em Laranjeiras do Sul dentre estes os estudantes Aberto Vinícius Melo do Nascimento de Pato Branco e Antônio Rogério Garcia Silveira de Laranjeiras. Das 1370 denúncias feitas em São Paulo, encontra-se a da assistente física nuclear Amélia Império Hambubrarguer e do físico Élio Bento Miranda da Cunha. É aterrorizante notar que existam testemunhos de jovens de 17 anos até homens e mulheres de 64 anos, homens com problemas cardíacos e mulheres em fase de gravidez, várias delas chegaram a abortar durante as sessões de torturas que sofreram. Um trecho da carta do engenheiro de 55 anos, Diógenes de Arruda Câmara, escrita enquanto está preso no Recolhimento de Presos Tiradentes em São Paulo, descreve suscintamente o que se passou nesses anos de ditadura:

   “Para que se saiba até que ponto chegou o desprezo e o ódio aos direitos fundamentais do homem, à dignidade e ao valor da pessoa humana, o Brasil e o mundo inteiro devem tomar conhecimento deste diálogo entre um oficial do Exército e o advogado Claudiney Nacarato, de Ribeirão Preto, preso na OB (Operação Banteirantes) e, aí, torturado:

            Oficial do Exército: ‘qual a sua profissão? ’

            Advogado: ‘advogado’.

            Oficial do Exército: ‘Conhece a Declaração Universal dos Direitos do Homem? ’

            Advogado: ‘Conheço, capitão. ’

            Oficial do Exército: ‘Então, esqueça-a enquanto aqui estiver. ’”

   O sentimento que este livro traz àqueles que o leem é de admiração aos que de tudo sofreram e de completo desgosto pelos que infringiram esse sofrimento. Mostrando que existem muitas pessoas dispostas a machucar e aterrorizar outras só por agrado e que existem ainda mais pessoas dispostas a lutar contra estas, dispostas a lutar por liberdade.

Autora e apresentadora da resenha: Bárbara de Almeida S.

Imagem retirada de: https://www.amazon.com.br/Brasil-Dom-Paulo-Evaristo-Arns/dp/8532600301/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&keywords=brasil+nunca+mais&qid=1581581584&sr=8-1

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