Múon g-2: na direção de uma nova Física

Múon g-2: na direção de uma nova Física


 

   Em um artigo publicado em 7 de abril de 2021, foram anunciados os resultados do experimento chamado múon g-2, executado no laboratório estadunidense de física de partículas Fermilab. Aquele visava medir as propriedades magnéticas do múon1, e tal experimento só foi possível graças à colaboração de mais de 200 cientistas de 35 instituições em 7 países [1-3]. O experimento, resumidamente, constitui-se de um anel com cerca de 15 metros de diâmetro, composto por ímãs que formam um campo magnético uniforme ao longo da circunferência. O principal objetivo do experimento era medir a razão giromagnética, denominada “g”, que é um valor adimensional e mensura a razão entre o momento de dipolo magnético e o momento angular de uma partícula, nesse caso o múon [1, 4]. 

   O valor previsto pela teoria quântica até 1935 era exatamente 2, porém uma medida muito precisa (em elétrons), realizada em 1948, resultou em 2,00238, contrariando a teoria significativamente. Pouco tempo depois desse resultado, foi desenvolvida a Eletrodinâmica Quântica (QED)², cuja previsão teórica casou com as medidas da época [1]. 

   A antes inesperada “intensidade extra” do dipolo magnético do múon vem da interação deste com partículas virtuais3, resultado de flutuações quânticas nos campos, em razão da intensidade do campo elétrico perto do múon [1]. Cada uma dessas interações é representada por um diagrama de Feynman4. A cada diagrama de Feynman considerado, o valor teórico muda [1, 4]. Mas se propriedades magnéticas e elétricas dos múons são as mesmas que as dos elétrons, por que não usar elétrons para medir g? Bem, devido à maior massa dos múons, eles interagem mais frequentemente com outras partículas. Dessa forma, o fator g medido na verdade é resultado não somente das propriedades do múon, mas da interação com a espuma quântica5 (cheque o glossário abaixo) em seu entorno [4, 5]. Para melhores análises, os pesquisadores usam a fração entre o valor medido devido apenas à nuvem de partículas virtuais e o valor previsto pela teoria quântica de 1935 (g=2), o que resulta na expressão “(g-2)/2”, daí o nome do experimento [1]. 

   Os esforços para medir o fator g de múons vêm sendo cada vez maiores. Resultados experimentais do Laboratório Nacional de Bookhaven, publicados em 2006, chegam no valor de g igual a 2,00233184160±0,00000000063, enquanto que a QED prevê 2,00233183608±0,00000000108 (é, o negócio é bem preciso) [1]. Resumindo, considerando os erros6 atrelados a cada valor, os mesmos não concordam bem. Os resultados mais recentes no laboratório Fermilab estão próximos dos resultados de Bookhaven, sendo que a precisão das medidas foi 4 vezes maior [1, 2, 4, 6]. A precisão do experimento é semelhante a medir um campo de futebol com uma incerteza menor que o tamanho de um fio de cabelo [3]. 

   No experimento, resumidamente, múons são acelerados e inseridos num loop de trajetória dentro do anel de ímãs. O que de fato é medido é a energia das partículas emitidas nos decaimentos dos múons. E como isso se relaciona ao fator g? Bem, semelhante a como um peão que está girando girando precessa7 quando está prestes a tombar, os múons também o fazem devido à interação com o campo magnético no qual estão imersos; esse fenômeno é conhecido como Precessão de Larmor. A frequência desta depende do fator g e dita a energia das partículas emitidas nos decaimentos (a maior parte são pósitrons), portanto, ao medir a energia destas mede-se indiretamente g [4]. 

   Basicamente, existem duas possibilidades a partir dos dois últimos resultados do g-2. A primeira é que as previsões teóricas estão erradas e/ou houve um erro experimental. A segunda, e mais animadora (e talvez um pouco assustadora), é que está sendo observado um fenômeno não previsto pela teoria atual, podendo ser a interação com novas partículas, forças e/ou campos ou algo completamente inesperado, o que seria mais uma evidência de que estamos muito longe de alcançar o “fim da Física” [1]. Apesar de que pode parecer que as evidências atuais sejam suficientes para dizer que foi feita uma nova descoberta, ainda é preciso obter dados mais precisos. Atualmente, existe uma chance de 1/40.000 (um quarenta mil avos) de que o resultado do laboratório Fermilab seja consequência de uma flutuação nas medidas, e o padrão para considerar um resultado definitivo é que a chance seja de 1/3.500.000 (um três milhões e meio avos) [4]. 

   Existem esforços também em se fazer mais previsões teóricas por métodos diferentes. Um deles é a técnica conhecida como lattice QCD. Usando essa técnica, pesquisadores calcularam o valor teórico de g e anunciaram os resultados em um artigo publicado na revista Nature, no mesmo dia de anúncio dos resultados de Fermilab. O valor calculado concorda mais com os resultados experimentais de Bookhaven e Fermilab do que com o valor teórico anterior. Entretanto, os autores não estão tão confiantes de que fizeram tudo da maneira correta; sendo assim, deve-se considerar esse resultado com um pé atrás [1]. 

   Existem planos para novas medidas com o experimento g-2, a fim de bater o martelo nessa questão tão decisiva para o futuro da Física como um todo. Se resultados futuros confirmarem uma descoberta, as possibilidades da “nova Física” são inimagináveis e certamente representará a próxima grande revolução científica. 

Autor: Bruno Henrique Lisenko Ribeiro

¹ Múon=Partícula fundamental de carga elétrica e spin iguais e uma massa 207 vezes maior em comparação ao elétron. Essa partícula é instável e seu tempo de vida médio é de aproximadamente 2,2 microssegundos [4]. 

2 QED=Teoria na qual consideram-se campos que permeiam todo o espaço, e as vibrações nesse campo são as partículas que detectamos. É a teoria mais bem-sucedida da Ciência [6, 5]. 

3 Partículas virtuais=Pares partícula-antipartícula que surgem no vácuo devido a uma energia (no caso, do campo elétrico), as quais aniquilam-se rapidamente. 

4 Diagrama de Feynman=Diagrama que representa as interações/comportamento de uma ou mais partículas. 

5 Espuma Quântica=Termo usado para se referir à região repleta de partículas virtuais [5]. 

Neste caso, “erro” não significa que os pesquisadores necessariamente cometeram erros; interprete como margem de erro estatística, pois muitos dados foram analisados para a medida. 

7 Precessa=Variação do eixo de rotação do corpo; a “dança” do peão antes de tombar. 

 Referências: 

[1] Fermilab. What does the Muon g-2 experiment tell us?. YouTube, 26 de maio de 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eCCGr4BqElE>. 

[2] B. Abi, T. Albahri, S. Al-Kilani et al. Measurement of the Positive Muon Anomalous Magnetic Moment to 0.46 ppm. PHYSICAL REVIEW LETTERS, n.126, p.141801, 2021.  

[3] Fermilab. Muon g-2 experiment finds strong evidence for new physics. YouTube, 7 de abril de 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZjnK5exNhZ0>. 

[4] PBS Space Time. Why the Muon g-2 Results Are So Exciting!. YouTube, 7 de abril de 2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=O4Ko7NW2yQo>. 

[5] Fermilab. Quantum Foam. YouTube, 24 de outubro de 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nYDokJ2A_vU>. 

[6] Fermilab. The physics of g-2. YouTube, 4 de maio de 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UckuqHDB08I>. 

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