
Pedra, Papel, Tesoura
Autora: Alice Feeney. Ano de Publicação: 2024. Gênero: Terror. Pedra, Papel, Tesoura é um thriller psicológico intrincado e atmosférico que demonstra, mais uma vez, a habilidade de Alice Feeney de manipular a percepção do leitor. A autora nos conduz por uma história de casamento, segredos e autoengano, tudo envolto em uma ambientação inquietante que transforma o comum em algo potencialmente perigoso. A trama gira em torno de Adam e Amelia Wright, um casal em crise que decide fazer uma viagem a uma antiga capela isolada nas Terras Altas da Escócia. O que deveria ser um retiro romântico voltado a salvar o relacionamento acaba se tornando uma experiência claustrofóbica, marcada por acontecimentos estranhos e pela constante sensação de que há algo — ou alguém — observando. A escolha do cenário é um dos grandes acertos do livro: a autora utiliza o isolamento geográfico para intensificar o isolamento emocional, criando um ambiente em que cada ruído e cada sombra carregam um peso simbólico. Feeney estrutura a narrativa com alternância de pontos de vista e o uso de cartas anuais que funcionam como peças de um quebra-cabeça emocional. Esses elementos dão profundidade à trama, revelando, aos poucos, o desgaste do casal, suas versões conflitantes da realidade e os sentimentos não ditos que permeiam o casamento. Ainda assim, tudo é apresentado sem fornecer respostas de imediato. A autora prefere construir camadas, sugerir mais do que explicar e deixar lacunas estratégicas que mantêm o leitor em alerta. A escrita é objetiva, direta e muito sensorial. Feeney tem o talento de criar tensão mesmo em ações triviais, o que faz com que a leitura avance rapidamente. Cada capítulo carrega um propósito — seja aprofundar a psicologia dos personagens, seja intensificar o clima sombrio do ambiente. A narrativa é feita para desestabilizar, e o leitor aprende, cedo ou tarde, que nada pode ser tomado como verdade absoluta. Um dos elementos mais interessantes é a utilização da prosopagnosia de Adam, condição que o impede de reconhecer rostos. Sem revelar detalhes da trama, esse aspecto funciona como uma metáfora da cegueira emocional do casal e, ao mesmo tempo, como uma ferramenta narrativa que reforça a dúvida e a desconfiança. É um recurso que enriquece a experiência e contribui para o senso de vulnerabilidade constante. O livro também explora temas como identidade, memória, relacionamentos abusivos, lealdade e como pequenas mentiras podem se tornar estruturas inteiras de uma vida. Feeney não trata esses temas de maneira óbvia; eles surgem da maneira como os personagens se comportam, do que deixam de dizer e das entrelinhas do texto. A autora cria personagens imperfeitos, mas realistas e convida o leitor a analisar não apenas o que fazem, mas o que motivou cada gesto. O ritmo é outro ponto positivo. Mesmo com o clima sombrio e introspectivo, o suspense cresce de forma constante. Há momentos de quietude que precedem tensões mais intensas, criando um ciclo de expectativa que prende até a última página. Feeney escreve como quem monta um jogo — e o leitor é convidado a participar, observando pistas, interpretando sinais e desconfiando de tudo. Sem revelar viradas específicas, é possível afirmar que Pedra, Papel, Tesoura entrega o que se espera de um bom thriller psicológico: uma história que, ao final, faz o leitor reconsiderar tudo o que acreditava saber. As peças que a autora esconde habilmente ao longo do livro se encaixam de forma coerente e surpreendente. O impacto do desfecho não vem da revelação abrupta, mas do entendimento gradual de como cada detalhe estava ali por um motivo. Em sua essência, o livro é sobre verdades e mentiras — as que contamos aos outros e, principalmente, as que contamos a nós mesmos. Feeney demonstra profundo entendimento das contradições humanas e do modo como relacionamentos podem se desgastar, se reconstruir ou se destruir por completo. Pedra, Papel, Tesoura é, portanto, uma leitura marcante e habilmente construída, ideal para quem aprecia suspense psicológico, narrativas de múltiplas camadas e atmosferas densas. É um livro que instiga, provoca e permanece com o leitor mesmo depois de fechado. Autora da resenha: Ana Julia Maximowski.