
O Lado Sombrio dos Contos de Fadas: A Origem Sangrenta das Histórias Infantis
Autora: Karin Hueck
Ano de publicação: 2023
Gênero: direito, política e ciências sociais.
O Lado Sombrio dos Contos de Fadas: A Origem Sangrenta das Histórias Infantis é uma obra de Karin Hueck, que nos convida a revisitar as primeiras versões dos contos de fadas sob uma perspectiva muito mais sombria e cruel do que apresentada nas animações de Walt Disney. Ainda no prefácio da obra, a autora compartilha sua conexão pessoal com essas narrativas, lembrando-se da infância, quando herdou dos pais coleções de contos de fadas. Seu fascínio pelas histórias, somado ao privilégio de aprender alemão, levou-a a estudar os contos mais antigos e famosos dos irmãos Grimm, Charles Perrault e Hans Christian Andersen em Berlim, capital da Alemanha, nos quais se baseou para escrever boa parte dessa obra.
Os contos, segundo Karin Hueck, desafiam a visão romântica que temos das narrativas modernas, trazendo finais nem sempre felizes. Portanto, se sentir apreensão, caro leitor, ao explorar as origens mais sombrias dessas narrativas, pode interromper sua leitura neste momento. Mas para aqueles dispostos a encarar essa outra face das histórias que moldaram nossa infância, prepare-se para a primeira história: o pai pecaminoso de Cinderela.
O conto Pele de Asno, de Charles Perrault, é considerado pela autora uma das versões mais sombrias de Cinderela. Diferentemente da conhecida história da jovem maltratada pela madrasta que se torna da realeza, a protagonista já nasce como princesa. Seu pai, um rei “bondoso e justo”, enfrenta a dor de perder a esposa, que, em seu leito de morte, faz-lhe um último pedido: “Que ele não se case com ninguém que não seja tão bela quanto ela mesma”. Pouco tempo depois, o rei começa a busca por uma nova rainha, mas não encontra nenhuma que satisfaça a exigência. Até o momento em que se depara com a beleza de sua própria filha. Sim, essa é uma história de incesto.
Apaixonado, o rei olha para a menina com olhos pecaminosos e a pede em casamento. Horrorizada e sem outra saída, a jovem decide fugir do reino para evitar o casamento com seu pai. É nesse momento que a narrativa se aproxima da história que conhecemos. Em outro reino, a princesa encontra abrigo e passa a trabalhar para uma senhora que a acolhe. Vivendo em condições precárias, suja e coberta de cinzas… — (“Cinzas”, Karen afirma: daí seu nome: “Cinderela”).
Um desfecho semelhante com a história de Cinderela é o de A Bela Adormecida, a diferença é que o abuso de fato ocorre na versão mais indigesta do italiano Giambattista Basile. Sua Bela Adormecida, desde bebê, também está predestinada a espetar seu dedo numa roca de linho e adormecer em um sono profundo que duraria 100 anos, e somente um gesto de amor verdadeiro poderia quebrar o feitiço.
Em um certo dia, um príncipe a encontra e, fascinado com sua beleza… não, ele não dará um simples beijo na princesa, se é o que estão pensando. O que acontece a seguir é assustador e a autora descreve com mínimos detalhes em sua obra:
“Ao verificar que a menina dormia em um sono profundo, o rapaz viu seu sangue esquentar em suas veias, e para satisfazer tal desejo, o príncipe COLHEU OS PRIMEIROS FRUTOS DE SEU AMOR, e, deixando-a na cama, ele retorna para seu reino, sem pensar no assunto durante muito tempo […].
Você leu certo, o príncipe encantado estuprou Aurora nessa narrativa. E não para por aí. Após o estupro, a princesa fica grávida de gêmeos e, ao dar à luz, um dos bebês confunde seu seio com um de seus dedos. Ao perfurá-lo, a princesa desperta. Nesse momento, o príncipe se lembra dela e decide buscá-la. Ao chegar ao reino do príncipe, a princesa descobre que sua sogra, a rainha, é na verdade uma bruxa má, que, em um último ato de maldade, tenta devorar seus próprios netos.
Essa história é semelhante à de João e Maria, em que uma bruxa tenta comê-los após eles se perderem na floresta. Em um dos contos de Charles Perrault, o próprio pai de João e Maria, após enfrentar um ano de extrema miséria e fome, abandona-os para garantir a própria sobrevivência. A autora complementa trazendo a informação que entre os séculos XIV e XVII, a Europa enfrentou um período de grande escassez. Com a fome assolando muitas famílias, era comum os pais tentarem se livrar de seus filhos. Assim, ela afirma que não seria surpreendente que surgissem “bruxas” carnívoras nas profundezas da floresta.
Tais narrativas são apenas uma amostra do que o livro tem a oferecer. Para aqueles que, como eu, são fãs de contos de fadas, a autora ainda revela o castigo da madrasta de Branca de Neve, o trágico destino da Pequena Sereia e até a surpreendente história de um rei que, movido por uma profecia, matou cinco de suas seis esposas. Com enredos envolventes e repletos de curiosidades, a obra superou minhas expectativas. Por isso, parabenizo a autora e afirmo, sem hesitação, que este é um dos melhores livros que já li.
Autora: Cassandra Trentin