A manipulação da realidade: O poder das redes sociais em tempos de desinformação

   Enquanto testemunhamos a transformação drástica da sociedade e da política na era das redes sociais, surge uma preocupação legítima sobre os desafios que podem surgir no horizonte. À medida que a manipulação da realidade se torna mais sofisticada e disseminada, quais são os possíveis problemas que podemos enfrentar como humanidade?

   Uma das questões centrais é a perda de confiança na informação e na veracidade dos fatos. À medida que adentramos nessa era das redes sociais, testemunhamos uma transformação drástica na forma como a sociedade e a política é conduzida. Ao longo da história, táticas políticas como aquelas empregadas durante as ditaduras brasileiras, nazistas e espanholas tinham um elemento central em comum: o controle absoluto da informação. Os regimes totalitários desses períodos exerciam um domínio tirânico sobre os veículos midiáticos tradicionais, manipulando notícias e propagando sua narrativa ideológica de forma implacável.

   Entretanto, à medida que as redes sociais emergiram surgiam como um novo espaço para o compartilhamento de informações, o cenário social e político sofreu uma transformação sem precedentes. As redes sociais ofereceram uma plataforma que ampliou a diversidade e possibilitou o surgimento de vozes independentes no jornalismo. O debate de ideias e propostas de governo durante campanhas eleitorais passou a ocupar um espaço cada vez maior nas redes sociais, permitindo um engajamento massivo das pessoas na esfera política e social, da qual fomentou debates sociais e polarizou opiniões.

   No entanto, essa expansão também trouxe consigo um fenômeno preocupante: a disseminação desenfreada de notícias falsas, conhecidas como fake news. Essas falsidades deliberadas são perpetradas com o claro intuito de manipular a realidade e influenciar a opinião pública. A utilização de fake news e teorias conspiratórias como táticas políticas se tornou uma arma poderosa nas mãos de muitos agentes políticos, capazes de moldar percepções, influenciar eleições e até desestabilizar governos.

   Philip Howard, Samantha Bradshaw e Hannah Bailey (2021) afirmam que as redes sociais têm dois lados. Por um lado, a tecnologia cria oportunidades, mas, pelo outro também traz desafios. Por exemplo, esses novos cenários permitem táticas de desinformação, operações de influência, trolagens e intimidações promovidas por empresas, figuras públicas e até mesmo pelo Estado, afetando negativamente a qualidade das notícias, os direitos humanos e a legitimidade dos governos eleitos democraticamente. Há uma preocupação crescente de que essas entidades estejam usando as redes sociais para desestabilizar adversários (sejam indivíduos, empresas ou causas), as eleições e os direitos humanos.

   Um fenômeno notável tanto no âmbito social e político quanto nas redes sociais é a ressurgência do autoritarismo, do populismo e de figuras que defendem absurdos como o nazismo, que se beneficiam das técnicas de manipulação online. Esses grupos, caracterizados por atributos como racismo, xenofobia, antidemocracia, nacionalismo e defesa do estado totalitário, tem explorado as emoções negativas para impulsionar o engajamento. Assim, a propaganda disseminada por algumas entidades se apoia fortemente em fake news e teorias conspiratórias. No entanto, a preocupação vai além do meio digital e tem impactos significativos no âmbito físico da sociedade. Um exemplo alarmante é o aumento dos ataques a escolas no Brasil.

   Samantha Bradshaw e Philip Howard (2019) apresentam dados alarmantes sobre a manipulação na propaganda digital realizada por partidos políticos e governos através das redes sociais. A propaganda digital utiliza algoritmos, automação e uma quantidade massiva de dados para moldar a vida pública. Essa manipulação é realizada por meio dos chamados “Cyber troops“, atores governamentais responsáveis por manipular a opinião pública online (BRADSHAW; HOWARD, 2019). O Facebook é a plataforma com a maior concentração de “Cyber troops“, mas também foram encontradas evidências da atuação desses atores no Instagram, Youtube e WhatsApp.

   A manipulação da realidade nas redes sociais se tornou uma questão crítica, com implicações profundas para a sociedade, democracia, os direitos humanos e a legitimidade dos processos eleitorais. É fundamental compreender os mecanismos e as táticas utilizadas, bem como buscar formas de mitigar os efeitos negativos desse fenômeno. À medida que avançamos nessa era digital, é urgente promover um ambiente informado, crítico e resistente à manipulação, onde a verdade prevaleça sobre a desinformação.

                Autor: Gustavo Henrique Marques de Campos Pacheco.

Referências:

[1] Bradshaw, Samantha, Ualan Campbell-Smith, Amelie Henle, Hannah Bailey, and Philip N. Howard. 2020. Country Case Studies Industrialized Disinformation: 2020 Global Inventory of Organized Social Media Manipulation 475. Disponível: https://demtech.oii.ox.ac.uk/wp-content/uploads/sites/12/2021/03/Case-Studies_FIN AL.pdf. Acesso em 22 jun. 2023.

[2] Agência Brasil. Brasil teve 24 ataques a escolas; mais da metade nos últimos 4 anos. 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-05/brasil-teve-23-ataques-escolas-mais-da-metade-nos-ultimos-4-anos. Acesso em: 22 jun. 2023.

[3] UOL. Movimento antivacina avança na web: por que ele é ameaça à saúde pública 2020.Disponível em:https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/10/29/movimento-antivacina avanca-online-por-que-ele-e-ameaca-a-saude-publica.htm.

[4] Sanches, Jordana M. 2021. “A Política Nas Redes Sociais E A Expansão Da Extrema Direita No Século XXI: O Caso do Governo de Jair Bolsonaro no Brasil. pág. 79. Disponível em: https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/3063/1/2021.1%20-%20Jordana%20Sanches%20-%20A%20extrema%20direita%20no%20Brasil%20com %20Bolsonaro.pdf. Acesso em: 21 jun. 2023.

[5] Fantástico. “Terrorismo em Brasília: Fantástico refaz a cronologia da barbárie dos atos golpistas de domingo (8).” 2023. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2023/01/15/terrorismo-em-brasilia-fantastico-r efaz-a-cronologia-da-barbarie-dos-atos-golpistas-de-domingo-8.ghtml. Acesso em: 22 jun. 2023.

[6] Redação Tarobá News. “Uso das redes sociais pode levar a manipulação de consumo e massificação de gostos.” 2020. Tarobá News. Disponível em: https://tarobanews.com/patrocinado/comportamento/uso-das-redes-sociais-pode-lev ar-a-manipulacao-de-consumo-e-massificacao-de-gostos-6qbQ7.html. Acesso em: 22 jun. 2023.