Dificuldades históricas no ensino de surdos
Não é novidade que tudo o que é diferente do que a sociedade considera normal sofre com preconceitos e discriminações, com a surdez não é diferente. Com uma educação oralista, imposta durante muito tempo, os surdos sofreram e ainda sofrem com a precariedade de práticas inclusivas relacionadas à sua comunicação com a sociedade. Ao longo do tempo, vários debates acerca do assunto buscaram melhores condições à comunidade surda, mas as mudanças nunca foram de fato efetivas, isso pode ser observado ao longo da história do ensino de surdos [1, 2]. O I Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos, realizado em Paris, França, em 1878, buscava discutir metodologias e formas de incluir a comunidade surda à sociedade. Infelizmente, muitas das ideias eram voltadas à oralização, ou seja, fazer com que os surdos desenvolvessem a fala como forma essencial de socialização. Mesmo com estas propostas se entendia a importância dos sinais como forma de desenvolvimento e comunicação dos surdos. Ao final deste congresso, alguns direitos, como assinatura de documentos, foram concedidos à comunidade surda, mas mesmo assim, muitos direitos ainda estavam pendentes [2]. O II Congresso Internacional ocorreu entre os dias 6 e 11 de setembro de 1880 em Milão, Itália. Composta por cerca de 164 membros, em sua maioria ouvintes, teve-se como pauta temas como a inserção dos surdos no mundo ouvinte, o banimento dos gestos e a rejeição de metodologias bilíngues. Percebe-se neste momento, uma grande motivação em implantar o ensino oralista e o abandono das interações gestuais nas escolas para surdos. Muitas das justificativas utilizadas pelos defensores do oralismo eram de cunho filosófico, religioso e político. Dessa forma, as perspectivas filosóficas indicavam que as metodologias gestuais seriam semelhantes à obscuridade do pensamento, sendo assim, a clareza da razão só seria possível por meio da fala. Mímicas combinadas com sons sem ligação com pronúncias, estariam relacionadas a uma comunicação precária e primitiva. As perspectivas religiosas defendiam que a não oralização ia contra à língua fundamentada pela doutrina cristã, como escritos sagrados, liturgias e relações sacramentais. Dessa forma, os surdos não estariam aptos a realizar o ato de confissão ou ter acesso à palavra de Deus. E por último, as justificativas políticas eram voltadas a acabar com os dialetos locais, os quais interferiam em uniões na região europeia, dificultando a unificação de novos Estados e nações. De maneira geral, as instâncias de defesa estavam focadas na normalização de indivíduos tidos como anormais [1,3]. As consequências então, não foram das melhores, longe disso, pois os professores surdos foram afastados da docência, a língua de sinais se tornou marginalizada e o oralismo se tornou a principal abordagem no ensino de surdos no mundo todo. Sendo assim, surdos que ousassem utilizar de gestos eram considerados preguiçosos para a fala e eram castigados quando flagrados utilizando-se de sinais, tendo suas mãos amarradas para que não retornassem ao uso dos gestos. Como se não bastasse os argumentos citados anteriormente, com o desenvolvimento de equipamentos tecnológicos como aparelhos auditivos, exigiu-se o uso em crianças e jovens surdos em quaisquer ambientes sociais [1,3]. A comunidade surda resistia à imposição da oralidade, conversando em sinais quando longe das autoridades ouvintes. Sempre escondidos, mantinham juntos gestos secretos em momentos privados. Desse modo, as comunidades surdas se fortaleceram, criando espaços próprios, onde desenvolviam e propunham lutas por direitos e reconhecimento. Tais movimentos crescem a cada ano, buscando por mudanças e evolução na inclusão social dos indivíduos surdos. Desafiando diariamente às ideologias destacadas no congresso de 1880, buscando a inserção definitiva da comunidade surda na sociedade [1]. Texto por: Luciano Cardoso Dias Referências: [1] EIJII. H. Congresso de Milão. Disponível em: <https://culturasurda.net/congresso-de-milao/> Acesso em 31 de março de 2021. [2] DE LACERDA, Cristina BF. Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos. Cadernos Cedes, v. 19, n. 46, p. 68-80, 1998. [3] Academia Libras. Congresso de Milão – Por Que Até Hoje Ele é Lembrado? Disponível em: <https://academiadelibras.com/blog/congresso-de-milao/> Acesso em 31 de março de 2021.