1=2?

1=2?


   Tudo o que vemos ao nosso redor está repleto de Matemática em suas bases, desde o número de pétalas em uma flor até o funcionamento de um computador quântico.  Não há como negar que o ser humano conseguiu inúmeras façanhas tecnológicas quando começou a entender e manipular os números. Uma parte fundamental da Matemática, chamada por muitos estudiosos de ciência dos números, é a aritmética, ramo que estuda os algarismos e as possíveis operações entre eles.

   Antes de adentrar no assunto propriamente dito deste blog, vamos a algumas simples definições:

   Um sistema é chamado de completo quando demonstrar ou então refutar qualquer afirmação presente nele, isto é, tudo dentro dele pode ser provado ou então refutado a partir de axiomas. Além disso, um sistema é dito consistente quando não demonstrar contradições e isso deve ser feito sob objetos finitos e concretos.  A pergunta é: a aritmética é completa e consistente? Será que todos os problemas matemáticos possuem provas concretas?

   Essa primeira pergunta foi o segundo tópico abordado pelo matemático formalista David Hilbert, em 1900, no Congresso Internacional de Matemáticos de Paris. Como formalista, ele acreditava que seria possível encontrar um conjunto de axiomas completos e consistentes que fundamentaria toda a Matemática. Assim, ele propôs, nesse evento, os 23 grandes problemas abertos em Matemática, alguns sem solução até os dias de hoje, como a famosa hipótese de Riemann e alguns deles que já foram resolvidos por grandes cientistas com uma inteligência extraordinária.

   Vamos entender as motivações históricas por trás do problema da consistência dos axiomas da aritmética proposto por Hilbert. No início do século XIX, a geometria não-euclidiana começava a ser formulada. Matemáticos estavam ultrapassando os limites da geometria euclidiana e encontrando resultados tidos como absurdos, mas que, ainda assim, eram logicamente válidos. Sabia-se que para essa ‘nova’ geometria ser consistente, ela deveria ser em relação a euclidiana. Anos se passaram e, apenas no final desse mesmo século, o mais perto da prova que chegaram desta consistência fora que, a geometria euclidiana seria consistente se a aritmética fosse também.

   No começo do século XX, dois matemáticos influentes da época, Alfred Whitehead e Bertrand Russell, escreveram o livro de fundamentos matemáticos Principia Mathematica. Foram escritas centenas de páginas até que se provasse com suficiência que 1+1=2. Eles partiram de axiomas (verdades não comprovadas, mas óbvias), aplicando a lógica formal para comprovar os teoremas. Apesar dos inúmeros esforços, a consistência da aritmética ainda era um problema aberto.

   Os matemáticos dessa época, assim como Hilbert, acreditavam que com tempo e dedicação todos as questões não solucionadas em Matemática seriam resolvidas. Então, um perspicaz matemático lógico, Kurt Gödel, amigo próximo de Albert Einstein, ousou contradizer os formalistas e, em 1931, provou que a afirmação do segundo problema de Hilbert era impossível e que a aritmética é incompleta. Essa prova constitui os dois Teoremas da Incompletude de Gödel.

   Em linhas gerais, Gödel provou que se a aritmética é consistente, então ela é incompleta. Isto é, se não é possível encontrar contradições no sistema a partir de seus axiomas (consistência), então não é possível demonstrar todas as afirmações contidas nesse sistema (incompletude). Assim, existem verdades matemáticas que não podem ser demonstradas.

   Isso, com toda certeza, revolucionou a Matemática, a qual, na época, era majoritariamente composta por formalistas. Dessa forma, as certezas que os matemáticos acreditavam ter foram derrubadas por apenas dois teoremas. Até os dias atuais os Teoremas da Incompletude impactam a sociedade.

   Sabe aquelas contas em que, no final, encontramos um resultado como 1=2, por exemplo? No desenvolvimento da equação sempre tem alguma indeterminação que invalida o sistema. Mas é comprovadamente impossível que a aritmética, como sistema formal, gere resultados tais quais 1=2? De acordo com Gödel, não é impossível.

Texto por: Rieli Tainá Gomes dos Santos

Referências: 

Batistela, R., Bicudo, M., Lazari, H. Cenário do Surgimento e o Impacto do Teorema da Incompletude de Gödel na Matemática. Jornal Internacional de Estudos em Educação Matemática, 2018. 

Netto, F. Os Teoremas de Gödel. Cadernos do IME- Serie Matemática, vol.23, 2011.

D’Alkaine, C.V. Os trabalhos de Gödel e as denominadas ciências exatas: em homenagem ao centenário do nascimento de Kurt Gödel. Revista Bras. Ensino Física, São Paulo, vol.28, n.4, p. 525-530, 2006.

Gaspar, Jaime. Primeiro Teorema da Incompletude de Gödel. Revista Matemática Universitária, n.54, 2018.

Piñeiro, G. Gödel, o matemático que ousou levantar o braço quando todos se calaram. National Geographic Portugal. Disponível em: https://nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/1304-ed-especial-godel-mai2017.

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