Resenha: História da sua vida e outros contos

Resenha: História da sua vida e outros contos


Autor: Ted Chiang.

Ano de publicação:  2016.

Gênero: Ficção científica.

   Nunca, como leitora ávida que sou, havia lido um livro de ficção tão bem escrito como História da sua vida e outros contos. O livro é dividido em 8 contos e cada um é independente do anterior. Darei uma pequena sinopse e contarei a minha perspectiva quanto a cada um deles.

   Já pensou como seria se o mito da torre de Babel fosse verdadeiro? O primeiro conto, chamado Torre da Babilônia, faz uma releitura deste mito e traz como personagem principal um minerador elamita chamado Hillalum que fora convocado para subir ao topo da torre para escavar através da abóbada do céu. Apesar do teor religioso, Chiang não deixa de apresentar explicações matemáticas ao desenrolar da história, confirmando esse traço em sua escrita. A descrição da Torre é impressionante e Ted não poupa detalhes ao descrever a forma como fora projetada. À medida que os mineradores sobem ao ápice, o cenário muda de forma extremamente inteligente em conformidade com o clima. A linguagem é complicada, mas a organização textual faz com que a leitura seja fluida e as palavras complexas possam ser entendidas diante do contexto. 

 “Pela primeira vez, ele (Hillalum) soube o que realmente era a noite: a sombra da própria Terra, projetada no céu.”

   Como seria formulada a superinteligência, se existisse uma? O segundo conto, Entenda, trata desta questão de forma a tratar dos limites que a mente humana possui e como Leon, protagonista da trama, os ultrapassa. Leon adquire a superinteligência após ser tratado com hormônio K, um fármaco que regenera células mortas. O autor desenvolve a história com tamanha excelência de modo que o leitor fica à espera do grande final. Ademais, a leitura deste conto se dá de maneira fluida e Chiang consegue fazer com que o leitor imagine o cenário de forma detalhada com grande facilidade. 

   Quanta certeza temos? O terceiro conto, Divisão por zero, retrata a história de Renee, uma matemática que passa por momentos de profundas indagações perante a sua área científica. Paralelamente, o conto traz no início de cada subcapítulo informações matemáticas sobre indeterminações, por exemplo a divisão por zero e a incerteza que existe na prova de que 1+1 é igual a 2. Posteriormente é abordada a perspectiva de Renee e, logo após, a de seu marido. Essa sequência de perspectiva é mantida ao longo do texto. Assim, o autor consegue abordar a Matemática de uma forma magnífica, o que encanta o leitor devido a simplicidade em suas explicitações.

“Hilbert disse certa vez: ‘Se o pensamento matemático é defectivo, onde vamos encontrar verdade e certeza?’”

   O mais famoso de seus contos, História da sua vida, inspirou o filme A Chegada (2016). A personagem principal, Louise, é uma renomada linguista, então não é surpreendente que o conto explore a linguagem e seus empecilhos. A história gira em torno da chegada de alienígenas na Terra, chamados de heptápodes, e a contratação de Louise para aprendizado da língua desconhecida. Há, no decorrer do capítulo, cenas futuras da vida da linguista, intercaladas com encontros com os alienígenas e as tentativas de comunicação. A protagonista vai, ao longo das páginas, aprendendo a língua e a escrita alienígena e o autor é capaz de explicar, de maneira simples e elegante, como a linguagem dos heptápodes funciona.

   O nome tem poderio sobre os humanos? O próximo conto, Setenta e duas letras, foi, para mim, ao mesmo tempo que estranho à primeira vista, surpreendente. A trama se dá em uma sociedade alternativa em que a nomenclatura impulsiona os avanços tecnológicos. Assim, os autômatos, quando nomeados, exercem funções básicas manuais. Straton, personagem principal da trama, é um nomenclador com grandes habilidades na área que fora convidado a se juntar a um grupo liderado por um rico cavalheiro com grandes pretensões. O conto promove no leitor diversas sensações de estranhamento por essa tão diferente realidade alternativa, assim como euforia pelos eventos que ocorrem ao decorrer da leitura.

   Humanos se tornariam obsoletos se existissem meta-humanos? O sexto e menor conto de Chiang chama-se: A evolução da ciência humana. A princípio, este conto era destinado apenas à publicação na revista Nature, mas, devido a motivações externas, fora também publicado como capítulo do livro. É um texto jornalístico que explora os efeitos gerados na humanidade pela existência de meta-humanos. Para mim, devido à escrita jornalística, a leitura se deu de maneira complicada, mas não deixou de ser magnífica. A emoção do personagem do conto pôde ser sentida de maneira agradável pelo leitor.

   E se a existência do Céu e do Inferno fosse uma verdade incontestável? A afirmativa desta questão é retratada, de maneira perspicaz, no penúltimo conto O Inferno é a ausência de Deus. Nesta realidade criada por Chiang, anjos descem ao mundo humano, eventos chamados de aparições. O mundo é dividido não em quem acredita ou não em Deus, mas em quem é devoto ou não. A trama traz como personagem principal Neil Fisk, o qual perdera sua esposa, Sarah, durante a aparição de um anjo. Sarah, morreu de forma dolorosa e fora, após isto, enviada ao Céu. Neil nunca fora devoto e a história se dá na tentativa do protagonista de amar a Deus e subir ao Céu para juntar-se a sua amada. O conto é muito bem escrito e causa, além de angústia pelas indagações que o protagonista tem, esperança para que ele consiga o que deseja. 

   Quantas vezes em nossas vidas julgamos alguém apenas pela aparência? A beleza e seu impacto social é muito bem explorado no último capítulo Gostando do que vê: um documentário. Como o próprio nome sugere, o conto possui formato de documentário e, desde o início, o gênero é facilmente observado. O conto se dá em uma sociedade utópica que produz um neurostato programável chamado de cali. O uso desse fármaco faz com que o cérebro não reconheça o conceito de beleza em rostos humanos. A trama, como qualquer documentário, traz os dois lados da história, isto é, os que apoiam a cali e os que não apoiam e seus argumentos. Foi muito interessante analisar os argumentos e pensar como realmente a aparência afeta toda uma sociedade e como as propagandas a utilizam para fins monetários.

   Posso dizer, com toda a certeza, que o livro de Ted Chiang mudou minha visão de mundo em diversos aspectos.  É um livro muito bom para se ler contemplando o pôr-do-sol e a brisa do final do dia. 

Autora da resenha: Rieli Tainá Gomes dos Santos.

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