Sombras da mente

Sombras da mente

 

Autor: Roger Penrose.

Ano de publicação: 2021.

Gênero: Divulgação científica.

Resenha:

   O que torna os seres humanos especiais? Seria nossa inteligência? De fato, nossos cérebros são extraordinários — graças a eles, dominamos o fogo, inventamos a escrita e até desbravamos a Lua. Mas será que isso, por si só, nos torna realmente especiais? À medida que a tecnologia avança, vemos robôs e inteligências artificiais (IAs) dominarem áreas do conhecimento de forma sem igual; por exemplo, mesmo nossos melhores jogadores de xadrez, que utilizam seus intelectos à quase perfeição, são superados por tais máquinas. Seguindo essa tendência, não seria estranho imaginar um mundo onde as máquinas pudessem simular com perfeição o pensamento humano, não é mesmo? Se a inteligência não for mais o que nos diferencia, então o que nos torna especiais? Estaríamos fadados a ser substituídos por robôs?

   Para Roger Penrose – físico, matemático e professor emérito da Cátedra Rouse Ball de Matemática da Universidade de Oxford – não precisamos nos preocupar tanto com isso,; afinal, o nosso pensamento é, em princípio, incomputável. Ele apresentou essa ideia pela primeira vez em seu livro A Nova Mente do Imperador, onde argumenta que a consciência não pode ser reduzida a processos algorítmicos. No entanto, devido à enxurrada de críticas e questionamentos que recebeu, Penrose publicou Sombras da mente: uma busca perdida pela ciência da consciência para elucidar essas dúvidas. Apesar de ambos serem livros independentes, a leitura se torna mais rica quando lidos em sequência.  Para aqueles que se interessaram pela obra, é bom se preparar: alguns trechos são bastante complexos, chegando a incluir, por exemplo, o formalismo de Dirac da mecânica quântica. No entanto, como o próprio autor evidencia, essas tecnicidades são uma “fachada” para um tema rico e belo, e perdê-las não afeta de forma significativa o entendimento do livro.

   Mas, para os ansiosos, os argumentos de Penrose são construídos a partir do teorema de Gödel, que, resumidamente, afirma ser impossível para um sistema formal de regras garantir que todas as suas afirmações sejam verdadeiras. Embora o teorema possa parecer abstrato, pense no seguinte exemplo dado por Penrose: se um sistema de axiomas matemáticos produz um conjunto de afirmações que são necessariamente verdadeiras, o próprio sistema não pode provar que o conjunto como um todo é verdadeiro (ou seja, que todos os seus componentes são verdadeiros).

   Evidentemente, esse teorema é válido para qualquer conjunto de operações e axiomas. Portanto, podemos estendê-lo para o sistema de códigos binários que fazem os robôs e IAs funcionarem. A partir disso, Penrose elabora um experimento mental que pode ser resumido da seguinte maneira:

  • Imagine um robô cujo programa, desenvolvido por humanos, evoluiu de tal forma a sempre fornecer afirmações matemáticas obrigatoriamente.
  • Os humanos que desenvolveram o programa garantem que não há qualquer erro de programação, de tal forma que os métodos matemáticos que os robôs usam estão corretos.
  • Por ser um código computacional, o teorema de Gödel afirma que é impossível os robôs terem certeza de que todas as suas afirmações realmente são verdadeiras.
  • No entanto, como os humanos garantiram que o programa está livre de erros, eles podem afirmar que todos os teoremas são verdadeiros.
  • Portanto, existem conhecimentos que os humanos têm que as IAs nunca terão. Esses conhecimentos devem, por obrigação, ser adquiridos por fenômenos não computáveis que ocorreram no cérebro humano – caso contrário, o fenômeno e o conhecimento poderiam ser adquiridos por um computador.
  • Como o conhecimento é adquirido no cérebro, que está obrigatoriamente sujeito às leis da física, deve haver algum fenômeno da física que não é computável.

   Nas mais de 200 páginas restantes do livro, Penrose reflete sobre qual deveria ser esse fenômeno. Para chegar a um resultado, nos é mostrado parte da relatividade geral, mecânica quântica, física dos sistemas complexos e emergentes, para então concluir: parte do conhecimento humano surge de interações quânticas não computáveis. A consequência direta desse fenômeno é o surgimento da consciência e do sentimento de livre-arbítrio. Portanto, nunca veremos robôs imitando perfeitamente os seres humanos, afinal, eles nunca terão consciência. Para os curiosos que desejam compreender as nuances dessa teoria, a obra de Roger Penrose é leitura obrigatória. Afinal de contas, tal conhecimento não pode ser resumido em um simples texto como este.

Autor da resenha: Gabriel Vinicius Mufatto.

 

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