Janeiro Roxo: Luta Contra a Hanseníase.

Janeiro Roxo: Luta Contra a Hanseníase.

 

   A pandemia do Covid–19 nos ensinou, dentre tantas coisas, que a ignorância pode ser tão letal quanto uma doença. Nesses infelizes anos (2020 – 2022) que a humanidade vivenciou, cerca de 17 mil mortes podem estar vinculadas aos usos indevidos de remédios, cientificamente comprovados, ineficazes contra a doença (que algumas pessoas insistiam em utilizar) [1,2]. Lamentavelmente, esse não foi o primeiro episódio em que a desinformação, o medo e os preconceitos culminaram em perdas humanas — e, provavelmente, não será o último. Para ilustrar, basta lembrar da Revolta da Vacina, em 1904, ou das atrocidades cometidas no Hospital Colônia de Barbacena, conhecido como o “Holocausto Brasileiro”.

   Não é surpreendente que estigmas sociais de milênios atrás ainda persistam na sociedade moderna. Dentre estes, há aqueles que continuam a matar seres humanos por uma doença que até mesmo já se conhece a cura: a hanseníase, popularmente conhecida como lepra. Por ser uma doença transmissível que deformava o corpo, as sociedades antigas excluíam e até mesmo desumanizavam os infectados pela doença, criando preconceitos que perduram até os dias atuais.

   Nos tempos bíblicos, por exemplo, a hanseníase não era vista apenas como uma doença, mas como um castigo divino infligido aos pecadores; um suposto flagelo da alma que se manifestava na pele. Por esses motivos, os enfermos eram forçados a morar em cabanas isoladas, cobrir quase todo o corpo, usar varetas para pedir esmola e sinos ou matracas para indicar sua chegada. Os doentes nem sequer eram tratados por médicos, mas por sacerdotes, que atribuíam a contaminação ao contato físico, muitas vezes sexual, considerado um pecado [3]. Essa crença sobre a hanseníase, como disse EIDT (2004):

 “É considerada mais do que uma doença. Por vezes representa uma humilhação extrema e uma condenação por um mal que o doente não cometeu.”

   Os séculos seguintes não trouxeram alívio ao estigma e às restrições enfrentadas pelos portadores. No século XIX, em São Paulo, os lazarentos (nome vulgar para pessoas contaminadas) eram proibidos de entrar nas cidades, batizar seus filhos ou mesmo exercer profissões que envolvessem contato direto com pessoas ou mercadorias consumidas pela população. Em muitos casos, os enfermos eram enviados a centros de isolamento, os lazaretos [4].

   Foi apenas em 1973 que o norueguês Armauer Hansen descobriu que a hanseníase não se trata de um castigo divino, mas de uma infecção bacteriana. Atualmente, sabe-se que essa infecção, de baixa contagiosidade, é transmitida por meio de muco, tosse ou espirros, sendo causada pelo Mycobacterium leprae. Essa bactéria afeta tanto a pele quanto o sistema nervoso periférico (SNP). No primeiro caso, as células de defesa isolam a bactéria, criando granulomas e inflamações, causando deformações no corpo. No segundo caso, a bactéria se aloja e danifica o SNP para se proteger das células de defesa, causando paralisias no hospedeiro [3-5].

   Felizmente, a evolução da doença é retardada pela temperatura do corpo humano, que é cerca de 7 ºC maior que a temperatura ideal para sua reprodução [5]. Dessa forma, é possível realizar em clínicas diagnósticos precoces, nos quais o maior indicador da doença são lesões cutâneas que alteram a sensibilidade térmica, dolorosa e tátil. O tratamento para curar a hanseníase consiste no uso de poliquimioterapia [5,6].

   Embora seja uma doença curável, com tratamento gratuito oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil foi responsável por 90% dos casos novos de hanseníase diagnosticados nas Américas, ocupando o segundo lugar mundial em número de enfermos desde 2019 [7-9]. Felizmente, há aqueles que lutam para acabar com os preconceitos e diminuir esses dados em nível mundial. Por exemplo, a falecida princesa Diana, da Inglaterra, chocou o mundo ao desmistificar o medo de transmissão ao tocar em enfermos [9]. 

   Para avançar ainda mais nessa luta e levar a informação a todos, criou-se a campanha “Janeiro Roxo”, comemorado no dia 26 do mesmo mês, na qual, por exemplo, palestras são realizadas por todo o Brasil. Como consequência, em 2025, houve uma redução de 68% o número de casos da doença em São Paulo [10,11]. Esses dados mostram que, pouco a pouco, os estigmas estão sendo superados, e a humanidade avança cada vez mais para um mundo sem hanseníase, uma das doenças mais antigas da humanidade [4].

Autor: Gabriel Vinicius Mufatto.

Referências:

[1] Estudo estima 17 mil mortes por tratamento de covid-19 com cloroquina. Conselho Federal de Farmácia. Disponível em: https://site.cff.org.br/noticia/Noticias-gerais/12/01/2024/estudo-estima-17-mil-mortes-por-tratamento-de-covid-19-com-cloroquina. Acesso em: 13 jan. 2025.

[2] Hidroxicloroquina não é recomendada como tratamento precoce contra Covid-19. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-com-ciencia/noticias/2024/novembro/hidroxicloroquina-nao-e-recomendada-como-tratamento-precoce-contra-covid-19. Acesso em: 13 jan. 2025.

[3] Hanseníase na História. Disponível em:https://www.invivo.fiocruz.br/historia/hanseniase-na-historia/. Acesso em: 21 jan. 2025

[4] EIDT, M. L. Breve história da hanseníase: sua expansão do mundo para as Américas, o Brasil e o Rio Grande do Sul e sua trajetória na saúde pública brasileira. Saúde e Sociedade, v. 13, n. 2, p. 76-88, 2004.

[5] Canal do Ensino: A História da Hanseníase. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=RwB0-3RqFrc. Acesso em: 22 jan. 2025.

[6] CARLOS, J; Morgado, A. M, A, M. Hanseníase: diagnóstico e tratamento. São Paulo, v. 17, n. 4, p. 173-179, 2012.

[7] Janeiro Roxo: conscientização e combate à Hanseníase. Disponível em: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sudeste/hc-ufu/comunicacao/noticias/janeiro-roxo-conscientizacao-e-combate-a-hanseniase. Acesso em: 22 jan. 2025

[8] Hanseníase: Conheça mais sobre a doença. Disponível: https://www.nhrbrasil.org.br/nhr-brasil/nossas-causas/hanseniase.html#:~:text=O%20Brasil%20%C3%A9%20o%20segundo,114%2C4%20mil%20novos%20casos. Acesso em: 22 jan. 2025
[9] Entenda como Diana ficou conhecida como “a princesa do povo”. Disponível em:https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-como-diana-ficou-conhecida-como-a-princesa-do-povo/. Acesso em: 23 jan. 2025.

[10] Janeiro Roxo: cidade de São Paulo reduz em 68% os casos de hanseníase. Disponível em: https://capital.sp.gov.br/web/saude/w/janeiro-roxo-cidade-de-s%C3%A3o-paulo-reduz-em-68-os-casos-de-hansen%C3%ADase. Acesso em: 22 jan. 2025

[11] Janeiro Roxo: conscientização e combate à Hanseníase. Disponível em:  https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sudeste/hc-ufu/comunicacao/noticias/janeiro-roxo-conscientizacao-e-combate-a-hanseniase. Acesso em: 23 jan. 2025

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