Janeiro Branco: Saúde Mental

Janeiro Branco: Saúde Mental

   

   Os avanços na medicina têm transformado a forma como lidamos com doenças que, até pouco tempo, eram consideradas incuráveis. No passado, infecções eram vistas como sentenças de morte e, muitas vezes, interpretadas como punições divinas – como a hanseníase, conhecida vulgarmente por lepra. Nos dias atuais, muitas dessas doenças são tratadas em meses ou até dias.  No entanto, apesar dessas conquistas, a humanidade agora enfrenta outro desafio: cuidar da saúde mental. Em um mundo saturado pelo bombardeio constante de informações e pela pressão das redes sociais, a população enfrenta níveis alarmantes de estresse, ansiedade e outros transtornos. Mas o que os dados realmente mostram sobre essa crescente preocupação?

  Infelizmente, os dados não são nada animadores. Segundo o Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo [2], houve um aumento de 90% nos casos de depressão entre março e abril de 2023; no mesmo período, os registros de crises de ansiedade e estresse agudo quase dobraram. O que está havendo? Onde estão as pessoas que cultivam sua saúde mental? Talvez a resposta esteja mais próxima do que imaginamos.

   Para Byung-Chul Han, autor da obra A Sociedade do Cansaço, o mundo capitalista moderno é a causa primária da proliferação dos casos de doenças mentais. Esse mundo criou a “sociedade do desempenho”, onde, para progredir na vida, é necessário desenvolver inúmeras habilidades e lapidá-las até a excelência. No entanto, para suprir essas exigências, –que até mesmo os familiares impõem, –o preço que as pessoas pagam é dantesco [3]. Veja o caso do Exame de Admissão Universitária da China, o Gaokao, onde alguns estudantes optam por tirar as próprias vidas para não precisarem mais suportar a pressão de passar no exame [4,5]. 

   Não há dúvidas que as plataformas midiáticas também corroboram para o atrofiamento da saúde mental. Pense, por exemplo, em todas as pessoas que cederam à tristeza, que foram capturadas pela ansiedade simplesmente por compararem suas vidas, suas conquistas com a de influenciadores digitais. Também podemos lembrar daqueles que venderam a tranquilidade simplesmente por buscarem mais curtidas nas redes sociais, por buscarem viver uma vida perfeita em meio ao inevitável caos da existência.

   Felizmente, há quem resista a esse sistema, esforçando-se para romper as amarras mentais impostas pela sociedade do desempenho. Entre esses indivíduos, há aqueles que inspiram não apenas a si mesmos, mas também uma nação inteira, como o psicólogo Leonardo Abrahão. Incrédulo com o rumo que a qualidade de vida da população vinha tomando, Abrahão idealizou, em 2024, a campanha “Janeiro Branco”, que busca disseminar em âmbito nacional o conhecimento sobre saúde mental e promover reflexões sobre a importância do cuidado emocional [6].

   Como um bom psicólogo, Abrahão conhecia as vantagens que janeiro traria à sua campanha. Após a festa de Ano Novo, as pessoas refletem sobre como viveram e como pretendem viver no ano que se inicia. Naturalmente, elas fazem metas para melhorar vários aspectos de suas vidas, incluindo a qualidade de vida. Segundo Dai (2014) [7], o Ano Novo é o momento ideal para se construir e seguir metas, devido a efeitos psicológicos que contribuem para que as metas sejam seguidas. Não é à toa que foi escolhido a cor branca para representar essa mudança, tal como uma folha nunca usada, ou seja, uma nova página na vida.

   Devido ao impacto de campanhas de conscientização, como o “Janeiro Branco”, cada vez mais pessoas buscam cuidar de sua saúde psíquica. Por exemplo, de 2019 a 2024 houve um crescimento de 45,5% nas consultas psiquiátricas no Brasil. Em 2024, iniciou-se a luta marcante pelo fim da escala 6×1, que podia forçar os cidadãos a trabalharem 6 dias por semana. Esses marcos mostram a luta crescente em prol da qualidade de vida dos seres humanos [2,8].

   No entanto, mesmo com todos esses incentivos que buscam promover a discussão sobre saúde mental, é relevante nos questionarmos: do que se trata, de fato, a saúde mental?  O que é qualidade de vida de que tanto falamos?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) [9]:

    “Estar mentalmente saudável é o estado de bem-estar mental que permite que as pessoas lidem com o estresse da vida, percebam suas habilidades, aprendam bem e trabalhem bem e contribuam para sua comunidade.”

   Portanto, estar mentalmente saudável não se trata apenas de dar risadas, ter uma vida social ativa, ou até mesmo encontrar o amor de sua vida. Trata-se, sobretudo, de lidar com as intempéries da existência da melhor forma possível.

Autor: Gabriel Vinicius Mufatto.

Referências:

[1] Como a expectativa de vida global se transformou? Disponível em: https://academiamedica.com.br/blog/longevidade-como-a-expectativa-de-vida-global-se-transformou-desde. Acesso em: 7 jan. 2025.

[2] Saúde mental no Brasil: dados e panorama. Disponível em: https://ipqhc.org.br/2024/04/15/saude-mental-no-brasil-dados-e-panorama/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 7 jan. 2025.

[3] HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Editora Vozes Limitada. 2015.

[4] Gaokao: conheça o vestibular chinês que já levou vários alunos ao suicídio. Disponível em: https://www.blogdobg.com.br/gaokao-conheca-o-vestibular-chines-que-ja-levou-varios-alunos-ao-suicidio/.  Acesso em: 8 jan. 2025.

[5] Gaokao: o teste de admissão à universidade que define o destino. Disponível em: https://blogs.unib.org/pt/professores/2024/07/10/gaokao-o-teste-de-admissao-a-universidade-que-define-o-destino/. Acesso em 8 jan. 2025.

[6] Janeiro Branco – A primeira meta é cuidar da gente mesmo!. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/informacoes/programas-projetos-e-acoes/pro-vida/dicas-de-saude/pilulas-de-saude/janeiro-branco-2013-a-primeira-meta-e-cuidar-da-gente-mesmo. Acesso em 10 jan. 2025.

[7] Dai, H., Milkman, K. L., & Riis, J. The fresh start effect: Temporal landmarks motivate aspirational behavior. Management Science. 2014.

[8] Fim da escala 6×1: o que diz a proposta que reduz jornada de trabalho para 36 horas semanais. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy5lqdv1q35o. Acesso em: 10 jan. 2025.

[9] Mental health. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-strengthening-our-response. Acesso em: 10 jan. 2025.

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