Ano Novo: Como as Crenças e Rituais Formam a Celebração

Ano Novo: Como as Crenças e Rituais Formam a Celebração

   

   “Hoje é um novo dia de um novo tempo que começou […]”. Essa canção, composta por Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle e Nelson Motta, tão presente nas celebrações de fim de ano no Brasil, parece traduzir a expectativa que sentimos quando o relógio marca meia-noite no dia 1º de janeiro. Mas, afinal, qual seria a razão que nos leva a celebrar esta data, o Ano Novo? As festas, os fogos de artifício, os abraços e os votos de felicidade, o que tudo isso realmente representa?

   A resposta é mais complexa do que se imagina, podendo ser o desejo de um recomeço ou a vontade de deixar para trás o que já foi vivido. Ou, quem sabe, seja a força de uma tradição que teima em persistir. Independentemente do motivo, é inegável o poder simbólico que essa celebração carrega [1]. Um exemplo claro disso é a escolha da cor da vestimenta, que, para muitos, não se limita a um simples capricho estético, mas a um rito simbólico [1, 2]. Acredita-se que o branco, a cor mais popular, carrega consigo paz e harmonia; o vermelho, ardente e audaz, é a escolha perfeita para aqueles que buscam aspirações amorosas; o amarelo, brilhante como o ouro, desperta sonhos de prosperidade; e o verde, com sua serenidade terrosa, inspira votos de equilíbrio e saúde [1, 2]. Assim como em uma obra de arte, onde cada tonalidade carrega uma infinidade de significados e sentimentos, as vestes tornam-se uma expressão discreta dos nossos desejos mais íntimos e das intenções que, esperançosamente, aguardamos realizar no ano que se aproxima [1].

   Todavia, não são apenas as cores das roupas que participam desse espetáculo ritualístico. Na mesa de réveillon, há alimentos cuja presença vai além da mera satisfação gastronômica, em que cada iguaria carrega um conceito específico [2]. A lentilha, por exemplo, é reverenciada como símbolo de sorte financeira, enquanto a romã é considerada um convite à fertilidade e à multiplicação de bens. A carne de porco, popular na Alemanha e em algumas regiões da América Latina, é vista como um presságio de progresso, dado que o animal “fuça para frente”. Em contraste, aves são evitadas, pois seu ato de “ciscar para trás” é interpretado como um retrocesso indesejado na vida [1, 3]. E, claro, não poderiam faltar as frutas cristalizadas e secas, como uvas passas, nozes, figos e tâmaras, que conferem um toque de tradição à celebração [1, 3]. Todos esses alimentos se complementam perfeitamente com uma taça de champanhe, que sela o brinde às conquistas do ano que passou e representa os votos de renovação para o ano que está por vir [2, 3].

   E as crenças não param por aí. No Brasil, as tradições afro-brasileiras desempenham um papel central nas festividades do Ano Novo, especialmente nas praias do estado do Rio de Janeiro — região que se destaca pela homenagem a Iemanjá, a deusa das águas [3, 5]. No dia 31 de dezembro, multidões se reúnem para lançar flores ao mar, um gesto de gratidão e súplica por bênçãos e proteção. Além disso, existe o costume de pular sete ondas, visto que cada salto representa um pedido silencioso. O Candomblé, a Umbanda e a Quimbanda – principais religiões afro-brasileiras –  acreditam que a conexão com o mar é um elemento primordial para aqueles que buscam iniciar o ano renovados espiritualmente [3].

   Essa manifestação, embora única, se assemelha a outras celebrações culturais e religiosas ao redor do mundo. Na China, por exemplo, o Ano Novo é conhecido como o “Festival da Primavera” [4]. Durante a cerimônia, as famílias se reúnem para um banquete. A juventude almeja saúde aos mais velhos, que, por sua vez, presenteiam os mais novos com dinheiro, desejando-lhes um futuro próspero. A noite de Ano Novo é marcada pela devoção às práticas religiosas, nas quais os chineses fazem ofertas e queimam incensos como forma de prestar homenagens aos antepassados, buscando bênçãos para as futuras gerações [3, 4].

   Diferente da maioria dos países, cuja celebração ocorre na véspera do dia 31 de dezembro, na China o Ano Novo é comemorado entre 21 de janeiro e 20 de fevereiro, de acordo com o calendário lunissolar chinês. A data exata varia a cada ano, pois depende da segunda lua nova após o solstício de inverno. Como curiosidade, no calendário lunissolar chinês, os anos são contados desde a ascensão do lendário Imperador Huangdi, que teria iniciado seu reinado em 2697 a.C. Portanto, para descobrir o ano no calendário chinês, soma-se 2697 ao ano atual do calendário gregoriano e subtrai 1 [4].

   Embora o Ano Novo tenha diferentes significados em diversas culturas, ele sempre nos convida a refletir sobre nossas vidas [3, 4]. Para os otimistas, é “mais um ano de vida”, enquanto os melancólicos o encaram como “menos um ano de vida”. Já os poetas interpretam o “Ano Novo” como a colheita dos frutos que semeamos no “Ano Velho”. Mas, na virada, quando os fogos de artifício iluminam o céu, comemoramos não apenas a renovação do tempo, mas também a esperança de um futuro mais promissor [5].  E é nessa atmosfera que concluo minhas últimas palavras, desejando-lhe, querido e perspicaz leitor, um “Feliz Ano Novo”!

Autora: Cassandra Trentin.

Referências:

[1] AMARAL, R. Festa brasileira: significados do festejar, no país que “não é sério”. 1998. Tese (Doutorado em Antropologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.

[2] VITORIANO, K. O réveillon do terceiro-milênio: entre crenças e práticas culturais. Revista MÉTIS: história & cultura –  v. 15, n. 30, p. 211-230, jul./dez. 2016.

[3] EPELBAUM, D; JUNIOR, J. A imagem de Iemanjá no réveillon de Copacabana. 2007. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

[4] ZHAO Z; XUELU Y; JIANZHEN Q. Comparações das culturas entre o Ano Novo Chinês e o Natal ocidental. Revista Pontos de Interrogação  v. 14, n. 1, p. 139-152, jan./jun. 2024.

[5] TENCHENA S. A origem das tradições festivas religiosas em Prudentópolis – Paraná. Revista Nures – n. 22, p. 1 – 10, set./dez. 2022.

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