Astronomia indígena: como os povos originários viam o céu

Astronomia indígena: como os povos originários viam o céu

   

   A astronomia indígena é considerada uma das ciências mais antigas. Ela descreve como os povos originários observavam o céu noturno e utilizavam os astros para orientar suas atividades agrícolas e religiosas. Esses povos acreditavam que a Terra era um reflexo do céu, e que tudo o que acontecia no plano terrestre também ocorria no plano celestial. Com esse conhecimento, era possível compreender melhor fenômenos naturais, como as marés, a floração das plantas e a reprodução dos animais [1].

   Diferentemente da astronomia convencional, que é predominantemente teórica, a astronomia indígena utiliza métodos empíricos. Ela relaciona os movimentos do Sol, da Lua e das estrelas com eventos meteorológicos ao longo do ano, como as chuvas e as estações. Essa função de marco temporal, que liga os corpos celestes aos ciclos, é acompanhada por narrativas mitológicas específicas de cada povo [2, 3].

   Uma das histórias mais conhecidas é a lenda do boto-cor-de-rosa, originária dos indígenas Tembés, que habitam o norte da Amazônia. A narrativa conta a história da filha de um cacique que foi seduzida por um jovem que, na verdade, era um boto travestido de homem. Apaixonada por ele, passou a encontrá-lo em todas as noites de lua cheia. Dessa relação nasceram três botos que, nas noites de lua nova e cheia, emergiam à superfície para rever a mãe, causando grandes ondas que inundavam as margens do rio. Essa lenda explica o fenômeno da pororoca, que ocorre devido ao encontro das águas oceânicas e fluviais, intensificado pela atração gravitacional da Lua durante essas fases​ [1, 3].

   Devido à intensa atração gravitacional durante as fases de lua nova e cheia, as marés avançam na foz do rio, formando ondas de até seis metros de altura. Isso evidencia que os Tupinambás possuíam conhecimentos sobre a influência da Lua nas marés, fato que foi registrado pelo missionário Claude D’Abbeville no século XVII. Em 1612, ele conviveu por quatro meses com os Tupinambás, antecessores dos Tembés, que herdaram sua linguagem. Posteriormente, D’Abbeville relatou suas observações em um livro publicado em 1614 [2, 3].

   Naquele período, esse entendimento ainda não fazia parte do conhecimento ocidental. Embora povos como os gregos já tivessem registrado a relação entre as marés e as fases da Lua, apenas em 1616 Galileu Galilei apresentou uma explicação em sua carta intitulada Discurso do Fluxo e Refluxo do Mar. Galileu acreditava que as marés eram causadas pelo movimento de rotação e pelo “balanço” da Terra em sua órbita ao redor do Sol. Quando Johannes Kepler sugeriu incluir a influência da Lua, Galileu rejeitou a ideia e a criticou duramente [3].

   Somente em 1867, o físico e matemático Isaac Newton demonstrou, com base na lei da gravitação universal, a relação gravitacional da Lua sobre as marés. Em termos simples, o movimento de translação da Lua e a rotação da Terra geram duas marés altas por dia. Durante as fases de lua nova e cheia, quando a Lua está alinhada com o Sol e a Terra, as forças gravitacionais se somam, produzindo marés ainda mais altas, especialmente em regiões próximas ao equador [3].

   Outros fenômenos celestes também foram registrados pelas culturas indígenas. No interior da Bahia, a chamada “Toca do Cosmos” apresenta pinturas rupestres que fazem referência a corpos celestes, como estrelas, cometas e eclipses. Uma das pinturas, segundo arqueoastrônomos, pode retratar a supernova de 1054, um evento documentado por árabes, chineses e outros povos. Essa supernova foi visível durante cerca de dois anos e frequentemente era descrita como um corpo celeste extremamente brilhante próximo à Lua. Contudo, a confirmação de que essas pinturas representam esse evento depende de análises mais precisas e da datação exata das obras [1, 3].

   Apesar dos esforços para promover o estudo da astronomia cultural e da arqueoastronomia no Brasil, essas áreas ainda são pouco exploradas e divulgadas. Assim como as culturas ancestrais desaparecem junto com a população indígena, locais como a Toca do Cosmos permanecem vulneráveis à ação do tempo e à depredação humana. A preservação desses patrimônios exige políticas públicas mais rigorosas que protejam a cultura dos povos originários, mas isso ainda parece distante. Dessa forma, percebe-se que, apesar do conhecimento avançado desses povos em diversos temas, por vezes antecipado em relação ao Ocidente, sua cultura segue subvalorizada e em risco de extinção [3].

Autora: Eloise Granville.

[1] ROSSINI, M. C. Astronomia indígena: como os povos originários viam (e veem) o céu. Super Interessante. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/astronomia-indigena-como-os-povos-originarios-viam-e-veem-o-ceu. Acesso em: 06/12/2024.

[2]MARIUZZO, P. O céu como guia de conhecimentos e rituais indígenas. Ciência e Cultura. vol.64 no.4 São Paulo out./dez. 2012.

[3] ROSOLEN, N. Como a astronomia indígena nos conecta com o planeta. CNU – Central de Notícias Uninter. Disponível em: https://www.uninter.com/noticias/como-a-astronomia-indigena-nos-conecta-com-o-planeta. Acesso em 06/12/202.

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