Pesquisador da Unicentro fala sobre eficácia de medidas de controle e combate ao covid-19
A Reitoria da Unicentro suspendeu, ontem pela manhã, as atividades presenciais no âmbito da universidade. Com isso, a circulação de pessoas em todos os três campi – Santa Cruz, Cedeteg e Irati, nas quatro unidades avançadas – Chopinzinho, Laranjeiras do Sul, Pitanga e Prudentópolis – e na extensão de Coronel Vivida está restrita aos agentes universitários, professores e estagiários que desempenham atividades essenciais. A Reitoria alerta que, com a medida, os editais em vigor que, por exemplo, determinam a entrega de documentos nos protocolos estão sendo revisados e terão os cronogramas retificados. Também é recomendado que, antes de ir a qualquer unidade da Unicentro, os interessados entrem em contato com o setor específico – pró-reitorias, coordenadorias e diretorias – para que os casos sejam analisados individualmente. Essa é mais uma medida de prevenção e combate ao coronavírus adotada pela Unicentro. Até o final dessa crise epidemiológica, a maior parte das atividades da universidade está sendo realizada por home office.
Essas medidas, adotadas gradativamente pela Unicentro desde a segunda-feira da semana passada, são no sentido de prevenir o avanço da pandemia de coronavírus. Para entender a eficácia dessas medidas, nós conversamos, por telefone, com o professor Emerson Carraro, do Departamento de Farmácia da Unicentro. Ele desenvolve pesquisas sobre doenças respiratórias causadas por vírus e sobre a preparação de planos de enfrentamento de pandemias.
A suspensão das aulas e de outras atividades na Unicentro é eficaz? Como? Por que?
Emerson)“Todo plano de preparação para uma pandemia, a gente pode separar em duas fases principais. A primeira fase, ela diz muito respeito à vigilância de casos que são originados dos países onde começa a pandemia. Então, isso diz respeito à vigilância e ao monitoramento dos viajantes, que vem daquele país onde está tendo casos, e eles são os primeiros responsáveis pela introdução do vírus em novos países. E a medida que isso vai se disseminando ao longo do mundo, cada país vai tendo a sua onda pandêmica. Então, essa primeira etapa de vigilância e de monitoramento dos casos, principalmente vigilância através dos aeroportos que foi realizada, fazendo o pessoal ficar de quarentena em casa, foi fundamental para reduzir a chegada do vírus. Só que a grande diferença desse vírus em relação aos demais é que esse vírus é menos sintomático. Então, a viu o primeiro caso do Brasil, era uma pessoa que veio da Itália, bem de saúde, foi para uma festa e transmitiu, provavelmente naquele momento, para outras pessoas e só depois foi apresentar os sintomas. Essa é a principal característica que dificultou o sucesso dessa primeira etapa de contenção da transmissão. A gente viveu a mini-pandemia de 2003 por outro coronavírus, chamado de sars-1 coronavírus ou conhecida popularmente como pneumonia asiática, em que esse vírus era bem mais sintomático. Então, ficou bem mais fácil de conter a transmissão através desse monitoramento. Não sei se vocês vão lembrar, mas era monitorada a temperatura das pessoas quando chegavam desses países onde estavam tendo casos – as pessoas embarcavam no voo sem febre e quando desciam do voo, por exemplo chegando no Brasil, já apresentavam febre. Só que essa foi uma característica que não aconteceu com esse coronavírus. Ele parece ser muito menos sintomático. Ele parece ter uma taxa de pessoas que se infectam e não apresentam os sintomas. E isso tem facilitado muito a transmissão, sendo o principal responsável por a gente não conter a transmissão nesse momento de vigilância de viajantes. Então, agora a gente entra numa segunda etapa da transmissão, quando a gente começa a ter a transmissão dentro do país. A gente começou a viver nossa onda pandêmica inicialmente nos grandes centros, nas grandes cidades, que a gente já está vendo hoje, e essa circulação de vírus está muito ligada a aglomeração de pessoas. As pessoas não acreditam que essa pandemia é importante, os infectados não têm os sintomas para acreditarem que podem transmitir e continuam levando suas vidas normais, se aglomerando, entrando em contato próximo com as pessoas suscetíveis e desenvolvendo uma cadeia de transmissão. Por isso, nesse sentido, as melhores medidas para a gente tomar nessa fase da pandemia, na segunda fase, é justamente esse isolamento social”.
Por que, hoje, o isolamento social é visto como a medida mais eficaz de controle e prevenção do cornavírus?
Emerson) “A medida de maior eficácia para evitar a transmissão é a gente não se aproximar de outras pessoas. Porque a gente não sabe quem está infectado ou não. Não vão ser todas as pessoas infectadas que vão ter sintomas. Então, o mecanismo de transmissão desse vírus está muito ligado a contato próximo por secreção respiratória. Então é aquela questão que você espirra, gera uma gotícula e essa gotícula vai ser inalada por outra pessoa que estiver no mesmo ambiente, principalmente se o ambiente não tiver circulação adequada. Ou até mesmo aquela questão de você tocar com a sua mão o seu trato respiratório superior, principalmente nariz e boca, naquela secreção que entra em contato com a tua mão tem vírus, você vai encosta na maçaneta da porta e outra pessoa suscetível vem, toca naquela maçaneta e depois leva a mão a boca e nariz. Então, a principal forma de evitar agora a transmissão é a gente fazer com que a pessoa infectada não entre em contato com pessoa suscetível. Então, questões relacionadas à evitar aglomerações de pessoas é essencial, assim como medida de mobilização dessas pessoas, essas pessoas não saírem para rua e se aglomerarem ou mesmo através de transportes públicos facilita a transmissão. Então, tem que ser evitado no momento”.
Este é um vírus que se espalha com mais facilidade? Por que?
Emerson)“Apesar de não existirem estudos conclusivos a respeito de qual é o diferencial deste vírus, porque ele está se demonstrando mais altamente transmissível, eu acredito que se deva a combinação desses dois fatores: a questão dele causar infecção menos sintomática – então, a pessoa acha que está bem e sai tentando levar sua vida normal, e acaba transmitindo para outras pessoas -, vinculada a questão da transmissão respiratória através dessas secreções. Então, medidas de isolamento, medidas de etiqueta respiratória para conter a transmissão dessa secreção vão ser as medidas eficazes nesse momento”.
É possível prever se e em quanto tempo nossos organismos desenvolverão mecanismos próprios de imunidade?
Emerson)“Geralmente, a resposta protetora que o nosso organismo desenvolve quando entra em contato com um patógeno estranho, como é o caso desses vírus respiratórios, leva de uma três semana para controlar a multiplicação do vírus, que é geralmente o que vai durar os sintomas. Aí, a gente tem dois caminhos. Nos casos das viroses habituais em que o nosso organismo já entrou em contato, a gente tem uma memória imunológica para combater esse vírus, caso típico é a gripe norma, a gente tem sintomas que duram, no máximo, uma semana e o nosso sistema imunológico controla. Nesse caso, como a gente não tem essa memória imunológica, a gente tem que desenvolver essa resposta, a duração dos sintomas e a multiplicação do vírus dura mais tempo. E é justamente nessa situação de demorar mais tempo que o vírus pode passar replicar do trato respiratório superior para o trato respiratório inferior e resultar nessa pneumonia. Então, isso ocorre especialmente em grupos específicos, que são aqueles pacientes que têm, principalmente, idade mais avançada e alguma co-morbidade associada, uma doença crônica que dificulte essa resposta imunológica ou mesmo o funcionamento fisiológico normal do nosso organismo. Esse grupo de pacientes vai ser mais importante monitorar a evolução dos sintomas porque a primeira evidência de agravamento vai ser, justamente, uma dificuldade respiratória, uma falta de ar, indicando que o vírus, então, chegou no trato respiratório inferior e pode estar causando uma pneumonia”.
É possível fazer uma previsão de quando o vírus estará sob controle, possibilitando a normalização das atividades?
Emerson)“Eu tenho visto várias previsões de que vai explodir na semana que vem ou de que vai terminar no mês de junho. Eu acredito que é muito difícil a gente fazer essa previsão de forma assertiva, porque a gente está na iminência da chegada do inverno. Com a redução das temperaturas começam a circular os demais vírus respiratórios e a gente vai ter, na verdade, um aumento natural, que acontece todo inverno com pessoas com sintomas respiratórios. Então, o que essa covid está fazendo é iniciar nossa época de circulação de vírus respiratório antes. E realidade que a gente vê de outros anos é que esse aumento de caso de pacientes com sintomas respiratórios dura o inverno inteiro. Então, difícil saber quando vai terminar. Outra coisa que ajuda para contribuir, para a gente entrar nessa questão da incerteza da duração dessa pandemia é o fato de que o Brasil não está conseguindo dar o suporte laboratorial, fazendo teste laboratoriais em toda a população. Hoje os testes laboratoriais estão direcionados aos casos mais complicados, sendo que todo plano de preparação para enfrentamento de uma pandemia diz que a gente deveria testar toda a população, porque só assim a gente vai ter certeza de qual a taxa de pacientes que são infectados, que tem infecção assintomática, os pacientes que tiveram os sintomas e complicaram necessitando de hospitalização e mesmo aqueles dentre esses que evoluíram para o óbito. Se a gente não fizer o teste laboratorial para diferenciar essa infecção respiratória pela coronavírus pelos demais vírus, provavelmente esses casos só vão diminuir ao final do inverno, que é quando as condições climáticas começam a desfavorecer essa transmissão – gente tem menos aglomeração de pessoas, a gente tem menos viabilidade viral no ambiente para que ocorra o sucesso dessa infecção. Existem duas formas da gente monitorar esse vírus, então. Uma, que é a que mais deveria ser a mais praticada, a questão da vigilância laboratorial. Como eu comentei, toda caso de doente respiratório a gente fazer o teste e saber que vírus ele tem. Por exemplo, agora, estamos vivendo o final da época de circulação do vírus influenza no hemisfério norte, nos Estados Unidos, e o relato oficial é que a circulação do vírus influenza lá foi mais intensa do que nos anos anteriores. E esse vírus costuma deixar de circular lá e vir pra cá, quando os invernos se alteram entre o hemisfério norte e o hemisfério sul. Então aqui a gente vai começar a ter a época de circulação do vírus influenza. Então, somente fazendo o teste – senão for o teste para coronavírus, o teste para influenza – a gente saber como que está a atividade desses vírus. A outra forma de monitorar a circulação do vírus seria a vigilância clínica que é aquilo que pode ser feito em todos os locais de atendimento de saúde. Seria, basicamente, numerar a quantidade de pacientes que apresentam sintomas respiratório e que buscam o serviço. Então, a gente vai ter uma ideia de como está a atividade, principalmente do momento que começa a se reduzir essa atividade, do momento em que se começa a se atender menos casos de doentes respiratórios nos serviços de saúde”.
Quais são as medidas de controle sanitário que cada pessoa pode tomar individualmente?
Emerson)“As medidas de controle do vírus, essas são as mesmas amplamente noticiadas por aí e que envolvem, basicamente, duas ações. Etiqueta respiratória – como você doente respiratório , com sintomas trabalha essa questão de expelir o vírus através das suas secreções – e a outra questão é isolamento social, que tem sido recomendado para todo mundo ficar em casa. Culturalmente, a população brasileira não tem o hábito de medidas de etiqueta respiratória. Às vezes a gente ainda confunde a questão de quem deve usar a máscara e as pessoas saem usando máscara para não se infectar, sendo que a conduta é justamente o contrário, quem deve usar a máscara é quem tem sintomas para, justamente, não transmitir. É essa a eficácia da máscara, impedir que a secreção seja gerada, que o vírus seja expelido. E você acaba usando máscara por respeito às demais pessoas, para não infectá-las. Mais algumas confusões eu tenho visto que têm sido feitas até porque as medias que são divulgadas, amplamente divulgadas, elas estão focadas nas medidas secundárias e não nas medidas primárias. Então, acho que é importante situar isso. Como, por exemplo, a questão do álcool-gel. A gente deve usar o álcool-gel somente quando a lavagem das mãos não é possível e, assim, a gente poderia evitar a histeria que aconteceu que a gente nem acha mais esse produto no mercado. Então, assim, a primeira medida é lavar as mãos. Você só vai usar o álcool-gel quando não é possível lavar as mãos, quando você estiver em trânsito ou quando você estiver em um ambiente que não tem uma torneira com água, mas, por exemplo, em casa, você deve priorizar lavar as mãos e não ficar passando o álcool-gel. Assim a gente otimizaria os recursos como nos casos da máscara. A máscara é recomendada pra quem é sintomático e pra quem é profissional de saúde atendendo. Hoje a gente também vive a situação da falta da máscara. Por conta dessa histeria. Outro exemplo de medida que não se deu o real valor como medida primária é a questão do indivíduo que está sintomático conter o espirro. Então, é importante conter o espirro, mas a medida que deveria ser priorizada é o uso de um lenço descartável. Você vai espirrar nesse lenço e vai jogar fora o lenço. A questão de espirrar no cotovelo, ela deveria ser recomendada somente quando você não tem o lenço descartável”
Ficam as dicas: isolamento social e etiqueta respiratória são as medidas mais eficazes no combate e prevenção ao vírus. Fique em casa e lembre: máscara é para profissionais da saúde e doentes respiratórios; água e e sabão são mais eficientes e acessíveis que o álcool-gel; álcool só quando não há a possibilidade de lavar as mãos; e ao tossir use um lenço descartável, que pode ser jogado fora.