Projeto “Produzindo História” 2019 – Por Matheus Sibioni Berti Bastos

A Notícia da Abolição na Cidade de Guarapuava

Para iniciarmos esse novo projeto do Grupo PET História – Unicentro chamado “Produzindo História” não teria data mais apropriada. Hoje faz 131 anos que a Lei Áurea foi assinada, lei essa que libertou os escravos no Brasil. Este pequeno ensaio busca mostrar como essa lei foi recebida no Paraná, e também na cidade de Guarapuava.

No dia 13 de maio de 1888 foi assinada a chamada Lei Áurea pelas mãos da princesa Isabel, filha do Imperador D. Pedro II, último imperador do Brasil. Isabel ganhou, a partir daí, uma fama de pessoa bondosa, por ter “presenteado” os escravos com a liberdade, o que não é verdade, pois se deve ter em mente que a abolição contou com o papel dos abolicionistas e dos próprios escravos, que depois de tanto lutarem e criarem estratégias para a abolição, conseguiram conquistar o almejado, após o imperador ter feito de tudo para atrasar a libertação. Agora a abolição estava instaurada, não havia exigência de idade ou sexo para conseguir sua liberdade, porém, depois de livres, o que tinham os escravos além de sua força de trabalho?

A notícia falando sobre a abolição da escravidão no Brasil é passada através de telégrafo para as cidades. Então, ainda no dia 13 de maio a notícia chega em Guarapuava e é recebida com grande festa como descrita em uma carta enviada ao jornal Gazeta Paranaense e publicada entre os dias 2 de junho e 8 de junho de 1888. A correspondência foi enviada no dia 17 do mesmo mês e não consta quem a escreveu. Nela podemos observar alguns aspectos da festa feita pelo acontecimento “Durante esse dia, centenares de foguetes que partiam de todos os pontos da cidade fendiam os ares e annunciavam ao pobre captivo que lhe havia raiado o sol da liberdade” (GAZETA PARANAENSE, p. 2, 1888) A recepção da festa aconteceu no Hotel Redempção, que era de posse de Belmiro Sebastião de Miranda, agora ex-escravizado e conhecido abolicionista da cidade, a quem o autor da correspondência faz muitos elogios ao final da mesma.

A festa continuou pelos dias seguintes até a escrita da carta, sendo somente interrompida pela chuva que caía na cidade. Apesar de o autor fazer parecer que todos acataram a decisão, ele também mostra um caso de um dono de escravo que não libertou seus escravos:

As pessoas que possuiam escravos, n’esta cidade, teem largado mão d’elles; só um teimoso escravagista ainda segura 3 d’esses infelizes que tiveram a dupla desgraça de serem escravos e escravos d’esse abutre, que, graças a Deus, não é Brazileiro. Mas nós não o perderemos de vista e sem receio de duas ameaças, com as quaes já estamos habituados, lhe mostraremos se largará ou não a parte dessa torpe herança que nos foi deixada pela velha metrópole. (GAZETA PARANAENSE, p. 1, 1888)

Esse ponto nos mostra como a questão da nacionalidade ficou muito aparente nesse momento. Dava-se graças pelo fato de o cidadão não ser brasileiro, porém, adiante na mesma carta se agradecia à comunidade italiana da cidade pelo apoio à causa abolicionista, evidenciando o paradoxo das “nacionalidades” em função das posturas à questão da libertação dos escravos e considerava agora o Brasil um país civilizado pelo fato de ter libertado seus escravos, nos colocando em sintonia com os países considerados evoluídos.

A correspondência oficial sobre a abolição foi enviada no dia 22 de maio de 1888 pelo presidente da província, Sr. José Cesário de Miranda Ribeiro. Cada cidade da província recebeu uma correspondência dessas, que continha muito mais informação do que os simples dois parágrafos da lei assinada no dia 13:

Transmitindo a V. Sª Lei nº3353 de 13 do corrente, que declara extinta a escravidão no Brazil, bem como o aviso circular do ministério da agricultura da mesma data, recomendando a sua pronta execução, convém que vossa senhoria conforme consta do citado artigo, faça sentir a população que, pelo uso útil da liberdade espera o Governo que os recém libertos se mostrem dignos da condição de cidadãos a que acabam de ser chamados, e que a liberdade, a troca dos direitos que confere, impõe deveres necessários a boa ordem social que a melhor de todas as aplicações que os novos cidadãos podem fazer a sua atual condição e o emprego da sua atividade, legitimamente retribuída, ou diretamente pelo trabalho em si mesmo ou por meio de acordos livremente celebrados. (MIRANDA, p. 1. 1888)

Esse documento que hoje está no Centro de Documentação Histórica em Guarapuava mostra-nos que mesmo o escravo trabalhando toda a sua vida de forma forçada, agora só seriam “dignos da condição de cidadão”, através do trabalho. Também outro ponto que pode ser questionado é sobre os acordos livremente celebrados entre patrão e empregado, algo que resultava muitas vezes em trabalhos análogos à escravidão. Esse processo não levou muito em conta o futuro desses escravizados.

Após a abolição da escravidão muitos dos agora ex-escravizados continuaram trabalhando para seus ex-donos, em um regime parecido com o anterior, ou até mesmo de maior exploração, dado ao fato que muitos deles, mesmo exercendo alguma função por toda a sua vida, após a abolição foram considerados sem profissão, algo que mostra a marginalização que essas pessoas sofreram mesmo libertas, alguns chegaram a serem presos por serem considerados vadios. Na comarca de Guarapuava encontramos dois processos crimes de mulheres que nos primeiros anos após a abolição foram presas sob acusação de vadiagem por estarem lavando roupas em um rio, algo que talvez fosse uma das poucas chance de trabalho e sobrevivência em um Brasil que legalmente não poderia mais explorar essas pessoas e que, de um jeito ou de outro, foram abandonadas. Outros foram para alguns quilombos próximos, esses quilombos, que antes foram refúgio para os escravos fugidos e que tornam-se um local de resistência de sua cultura, que neste ponto já estava muito sincretizada com a brasileira.

131 anos da escravidão abolida não são quase nada comparados aos 300 anos de escravidão que o Brasil teve. É importante sempre lembrarmos a participação negra nesse evento, que muitas vezes é só lembrada pela figura da Princesa Isabel, trazermos esses indivíduos para a história ao debatermos sobre eles.

Fonte:

MIRANDA, J. C. Carta à comarca de Guarapuava sobre a abolição da escravidão. 22 maio 1888. Guarapuava: Cetro de Documentação Histórica CEDOC/G.

Correspondência Guarapuava 17 de maio de 1888 Gazeta Paranaense: Orgam do Partido Conservador. Ano XII,° 123,p.1, 7 jun 1888. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/242896/2693>. Acesso em 17 out 2018

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