Projeto “Produzindo História” Por: DEBORA ZAI POTULSKI e MARINA DE CAMPOS

Líderes religiosos de Guarapuava/PR e discursos sobre a comunidade LGBT

 

Em 2017 foram realizadas entrevistas com líderes religiosos e espirituais da cidade de Guarapuava/PR abarcando diversas questões sobre temas atuais. Para este momento foram selecionados quatro entrevistados que seguem os preceitos cristãos e as questões referentes ao público LGBT, visando analisar os discursos proferidos por tais líderes e como estes retratam a sociedade onde estamos inseridas, partindo da nossa visão enquanto autoras, entrevistadoras e moradoras da cidade onde se realizaram as perguntas.

É importe levar em consideração alguns dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) onde, segundo informações do ano de 2010, há demonstrativos de que a população do município de Guarapuava era de aproximadamente de 167.328 dos quais 131. 584 consideravam-se da religião Católica Apostólica Romana, 29.032 Evangélicos e 822 Espíritas.

As entrevistas usadas são as de dois padres da Igreja Católica, mais precisamente da matriz do município de Guarapuava/PR, sendo que suas figuras são bem atuantes na comunidade. O primeiro nasceu no próprio município, possui sessenta e quatro (64) anos e tem graduação em filosofia e teologia; o segundo possui trinta e quatro (34) anos, com graduação em jornalismo, filosofia e teologia, tendo uma grande aproximação com o público jovem devido a sua forma de abordagem do evangelho e as suas letras musicais com estilos atuais, já que também é cantor, utilizando-se também de programas de rádio. Além da igreja católica, duas entrevistas aconteceram com líderes religiosos de igrejas protestantes, sendo um reverendo da igreja Luterana mais antiga da cidade, residente em Guarapuava/PR, com trinta e cinco (35) anos e com formação em teologia; outro líder pertence a uma Igreja, que ele define como igreja protestante direcionada, que recebe muitos jovens e adolescentes, principalmente pela sua estrutura com uma pista de skate e um visual moderno com paredes grafitadas e  atividades como aulas de música e muay thai. Esse entrevistado respondeu as perguntas junto a sua esposa, que chegou logo após o início da entrevista. Ele é formado em teologia e tem quarenta e um (41) anos e sua companheira é graduada em História.

É necessário entender o que é Igreja, já que os entrevistados citados fazem parte de tal instituição. Para isso, usamos da base teórica de Durkheim, que considera Igreja não como “[…] simplesmente uma confraria sacerdotal; é a comunidade moral formada por todos os crentes de uma mesma fé, tanto os fieis como os sacerdotes.” (DURKHEIM, 1996;. p.  28-30). Então, mesmo os cultos domésticos ou privados se encaixariam nisso, pois estes fazem parte também de uma coletividade.. O mesmo autor também é usado para um embasamento sobre o significado de “religião”, tido por ele como um sistema comunitário de práticas e crenças correspondentes às coisas sagradas – estas que são selecionadas moralmente, pela Igreja e por todos à que ela aderem; assim, “as crenças propriamente ditas religiosas são sempre comuns a uma coletividade determinada, que declara aderir a elas e praticar os ritos que lhes são solidários” (DURKHEIM, 1996;. p.  28-30).

Tendo-se um discurso sobre a estruturação do pensamento e da percepção do mundo social, consideremos também a religião como um instrumento de comunicação que consegue impor normas e ditar práticas na vida de vários indivíduos, e que pode impactar na vida em sociedade. A religião se adequa ao meio social assim,  como a sociedade se adequa aos dogmas e preceitos estabelecidos pela religião regente em seu espaço. (DURKHEIM, 1996)

No que diz respeito à construção do discurso por parte dos líderes religiosos analisados, há uma leve linha de pensamento comum, o que reforçaria a ideia de que há uma base de pensamento social comum às pessoas que dessa sociedade participam. Tem-se, em muitas delas, uma oposição entre o que é verdadeiro é o que é falso, uma opinião em detrimento da outra. Segundo Foucault (1996), tal separação entre ambas não se dá de forma exclusivamente arbitrária, institucional, violenta ou modificável, mas a forma de separação dessas chegaria mais próxima a uma forma de exclusão, que tende a exercer uma pressão e uma coerção acima de outros discursos institucionalizados. Deve-se lembrar que há diferença entre os discursos cotidianos e os discursos retomados por falas ou escritas.

Podemos assim compreender que os discursos proferidos pelos entrevistados, de alguma forma, repetem-se e se remetem a um discurso anterior a eles, no qual sua fala se embasa, que neste caso é a Bíblia. Mesmo que em alguns casos as bases sejam diferentes de alguma forma – Antigo testamento e Novo Testamento -, há essa “reatualização” de algo que já fora dito de outra maneira, por outra pessoa. Essa reorganização do discurso deve levar em consideração o seu autor e a sua situação social ao momento de sua palavra – vale ressaltar as diferentes visões da própria palavra sagrada, por editoras, escritores e instituições religiosas -, pois de acordo com Foucault (1996), o autor não é apenas aquele que escreve ou pronuncia um texto, mas é um indivíduo com princípios discursivos instituídos, que possuem uma origem e um significado próprios que acabam por influenciar o pensamento do próprio autor enquanto ser humanos pensante.

Nesse sentido, podemos observar que a religião nada é sem a sociedade e, na maior parte dos casos, as sociedades também são dependentes dela. Até mesmo as que não são totalmente dependentes, sofrem com os seus preceitos cravados, que acabam por ter uma presença no imaginário até mesmo das pessoas que se consideram ateias ou agnósticas. Nas questões, abordadas no presente trabalho, poder-se-á ver que as opiniões, apesar de serem de diferentes concepções religiosas, seguem uma base comum a todas elas. Ainda há a presença forte de uma forma de legitimar uma opinião sobre a outra, mas vemos mudanças significativas se comparadas as falas tomadas a, por exemplo, dez anos atrás, ou ainda por alguns líderes religiosos no Brasil.

Isso pode ser explicado pela realidade social onde as religiões estão inseridas, tendo em vista que na cidade pesquisada (Guarapuava – PR), mais da metade dos habitantes, de acordo com dados do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) pertencem a alguma religião cristã, e como de conhecimento geral, a mesma utiliza-se da Bíblia Sagrada para proferir suas mensagens, seja pelo Antigo ou pelo Novo Testamento, ou pela utilização de ambos. A questão é: como é feita a leitura de tal livro sagrado? É possível perceber na fala de alguns entrevistados que a interpretação dos textos, em algumas situações, é permeada por concepções de mundo que legam apropriações específicas acerca do que integra a Bíblia. Por exemplo, para um dos entrevistados protestantes, “um homossexual não é mais pecador do que um pedófilo e um ladrão”, acabando por comparar a homossexualidade a doenças e crimes, sendo bem claro que é a sua própria opinião e não algo encontrado escrito na Bíblia.

Oberve-se que, em três (dois católicos e um protestante) das entrevistas concedidas, há a consciência da existência de pessoas LGBTs dentro das instituições e há também a tentativa por parte dos líderes de um auxílio a essas pessoas, seja por meio das confissões, de conversas informais ou ajuda emocional. De acordo com um deles “[…] nossa Igreja não tem nenhuma restrição de pessoas que façam parte oficialmente de uma militância ou de um movimento, não tem nenhuma resistência, ninguém vai ser barrado de participar, muito pelo contrário, serão bem acolhidos, porque a própria postura do Papa Francisco em relação ao LGBT, ou homossexualismo ou homossexualidade, é aquele que procura a Deus com sinceridade. Quem somos nós para julgar […]”. O caso citado como exemplo no início dessa discussão foi o único a pronunciar que em sua Igreja há pessoas LGBTs assumidas, sendo que, durante as questões referentes a esse grupo de pessoas, foi o único a colocá-las no patamar de “pecadores”, indicando também que os pecadores em geral – pois para ele somos todos pecadores – “[…] são perdoados se deixamos o nosso pecado para trás”, e somente por meio desse arrependimento, um homossexual seria bem-vindo na casa de seu Deus. Entende-se aqui o “arrependimento” como a negação da sexualidade e dos sentimentos.

Quando foram questionados sobre a adoção de crianças por casais homoafetivos, apenas os padres católicos se posicionaram favoráveis ao ato, os outros dois cristãos entrevistados acabaram por julgar que a criança deve ter uma referência masculina e uma feminina, já que seria este o modelo feito pelo seu Deus. Para reiterar seu posicionamento, a entrevistada protestante sublinha que,

A própria história mostra que o filho, por natureza, ele espera uma figura materna e uma paterna em casa. Então se eu pudesse orientar um casal nesse sentido eu diria “não, não faça isso”. Vamos procurar corrigir o que está errado, o que é pecado aos olhos de deus, e vamos tentar viver essa vida da forma correta. Mas a história, a sociologia, tem nos mostrado quais são as consequências disso. (entrevistada protestante)

À guisa de finalização, pontue-se que ao longo do trabalho, foi possível observar que alguns entendimentos acerca do assunto aqui sinalizado ora se aproximam ora se colocam diametralmente contrários, o que permite interpretar que se tratam de discursos elaborados a partir  de lugares sociais  distintos, corroborados  desde a maneira de se portar frente a algumas questões, seus desconfortos e contestações, sua bagagem linguística, histórica e teórica acerca das perguntas.

FONTES

As entrevistas foram concedidas com sigilo de nome dos entrevistados.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em historia oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

DURKHEIM, Émile. Definição do fenômeno religioso e da religião. In: DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades.  Disponível em:<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=410940&idtema=16&search=%7C%7Cs%EDntese-das-informa%E7%F5es>. Acesso em: 12 de ago. de 2017.

SELEAU, Mauricio da Silva. História Oral: uma metodologia para o trabalho com fontes orais. Revista Esboços, Florianópolis, nº 11, p. 217-228. Disponível em:< https://periodicos.ufsc.br/index.pp/esbocos/article/view/486/9887>. Acesso em: 14 jul. 2017.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *