Projeto “Produzindo História” 2019 – Por Marina Oliveira Couto
NOSSA (VELHA) CONTEMPORANEIDADE
Viver nessa modernidade líquida, expressão utilizada por Zygmunt Bauman (1999), para pensar a fluidez e a rapidez de transformação desse cenário, se faz necessário experienciar esse universo.
A esse respeito, no artigo publicado na revista Ágora, em 2016, “Velho, Idoso e Terceira Idade na contemporaneidade”,de autoria de Lizete de Souza Rodrigues e Geraldo Antonio Soares, ambos historiadores, tem-se a descrição da contemporaneidade sob a ótica da terceira idade, ou seja, como se constitui o processo de envelhecimento no interior desse cotidiano. Assim,o texto é construído a partir da perspectiva de relação de poder, concepção que Norbert Elias (1965) apresenta em Os estabelecidos e os outsiders,colocando que os idosos(outsiders) persistem num embate à sociedade juvenil (estabelecidos) e seus padrões.
Nesse contexto, na interpretação dos autores, a velhice está diretamente associada “à invalidez e à decadência dos idosos” (RODRIGUES; SOARES, 2016, p. 7), o que nos permite dizer que esses idosos constituem uma parcela inabilitada de sorte a colocá-los na categoria de improdutivos e, portanto, autorizando o seu próprio abandono por parte da parcela “produtiva”.Portanto, compreender o porquê identificamos esse grupo como “inválidos” e como isso se cristaliza no imaginário social é um dos primeiros passos para entender as necessidades desse grupo.
Então o que seriam essas representações capazes de estigmatizar um grupo de indivíduos? Os autores escolhem responder essa pergunta por dois teóricos Chartiere Bourdieu. O primeiro apresenta uma representação social construída como mecanismo de imposição criado por um grupo,com o intuito de disseminar a sua concepção específica de mundo. Essas representações são responsáveis por amparar o reconhecimento de uma identidade social. Bourdieu, no entendimento dos autores, permite uma análise na mesma linha de raciocínio, a medida que nos aponta o sistema simbólico, capaz de hierarquizar as relações humanas, respaldando representações.
Tomada consciência da organização teórica do imaginário/representação social podemos identificar as mudanças nas nomenclaturas usadas para distinguir esse grupo. Mudanças essas que ocorrem pelo imaginário – não concreto e dinâmico. Velhote, idoso eram termos pejorativos, porém com sua própria dualidade hierárquica – quando velhote designava indigentes e idoso era para aqueles com prestígio social. Transforma-se a representação, se institui um novo termo. Foi o que ocorreu na França dos anos 60, onde uma massiva introdução de políticas de integração social almejou reformas político-administrativas para esse grupo. O borbulho ocasionado por essas reivindicações políticas na esfera social fez com que as expressões velhote/idoso fossem gradativamente substituídas pela expressão Terceira Idade, caracterizada por um envelhecimento ativo e independente, autogerido e integrado à sociedade.
Entretanto, uma legislação pode ser mais facilmente mudada do que uma representação social coletiva. A tentativa de integração desse grupo via legislação é um passo importante, mas não se bastou sozinha. Isso fica claro quando analisamos o que há na legislação e o que escoa no pensamento coletivo e ao idoso.
Em nosso entendimento, a pessoa no processo de envelhecimento sofre as pressões da atual sociedade midiática. As correntes comerciais, anúncios nas ruas, jornais, bombardeiam uma imagem juvenil e junto com isso a satisfação garantida. São milhares de tratamentos que certificam o rejuvenescimento do corpo.Esse cenário é capaz de criar uma culpabilidade individual nos idosos. Guita Gin Debert (1999), chama esse processo de reprivatização da velhice, onde o papel do Estado e da sociedade ficam isentos no que se refere à velhice e sua imagem,sendo o sujeito culpabilizado pela sua própria velhice. Essa interpretação, somada à preocupação da legislação em prol da integração desses idosos, à exemplo da disponibilização de tratamentos preferenciais, demonstra a ambiguidade do “ser velho” nos dias de hoje.Percebe-se que o processo de envelhecimento leva a constatação de uma complexa rotulação – como observamos na atualidade com o termo Terceira Idade designando a independência dos idosos e a sociedade de supervalorização da juventude na contramão caracterizando uma subjetividade de culpa nessas pessoas.
Contudo, os autores mostram, ao longo do texto,que a concepção desse processo e a forma como ele é encarado depende do sujeito social e de suas próprias convicções, ou seja, há concepções distintas acerca do que ser é idoso, a exemplo do cotidiano do campo e da cidade. São formas de organização social diferentes, implicando diretamente em suas representações sociais e modificando algumas características daquelas que constroem a imagem generalizada do “velho”. Por fim, entende-se que o apresentado processo de envelhecimento – da imagem midiática depreciativa, passando do amparo legislativo ao sentimento de culpa – não pode ser considerado algo homogêneo. Portanto, trata-se de um fenômeno permeado pela complexidade, o que demanda uma análise mais apurada., levando em consideração o próprio posicionamento desses sujeitos sociais que também “(…) conseguem se fazer ouvir, provocam sua própria mudança e consequentemente, a quebra de preconceitos e mitos a seu respeito, viabilizando a abertura de caminhos para o resgate da sua cidadania e a conquista de seu espaço na família e na sociedade.” (RODRIGUES; SOARES 2016, p. 25)