Comissão Permanente de Combate ao Assédio da Unicentro promove discussões sobre feminicídio no Câmpus Irati
A Comissão Permanente de Combate ao Assédio da Unicentro promoveu, na última semana, uma série de discussões sobre a violência contra a mulher e o feminicídio. Realizado no Câmpus Irati da universidade, o evento contou com o apoio do Núcleo Maria da Penha (Numape) e do Projeto de Prevenção à Violência Contra as Mulheres. As atividades fazem alusão ao Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, instituído pelo Governo do Paraná, e que teve 22 de julho como data escolhida em referência à morte de Tatiane Spitzner. Em 2018, a advogada foi morta pelo marido, ao ser jogada da sacada do apartamento onde o casal morava em Guarapuava. Luiz Felipe Manvailer foi condenado a mais de 30 anos de prisão pelo crime.
De acordo com dados do Ministério Público do Paraná, de 2019 a 2022, foram 314 casos de feminicídio e 911 de homicídio doloso contra mulheres no Estado. Para a professora Alexandra Lourenço, representante docente do Câmpus Irati na Comissão Permanente de Combate ao Assédio da Unicentro, esse é um problema social complexo que envolve uma série de instituições e atores sociais diferentes. “A universidade é uma dessas instituições que têm um papel a cumprir nesse processo de enfrentamento a esse fenômeno social que é tão prejudicial para a sociedade. A ideia, então, era justamente criar um espaço de reflexão, porque nós sabemos que ações como esta são importantes para movimentar ideias, trocar experiências e informações. E, ao mesmo tempo, ajudar a pensar novas políticas públicas, pensar onde elas estão falhando e o que pode ser proposto”, enfatiza.
Essa perspectiva é reforçada pela acadêmica de Psicologia, Joana Braga de Oliveira, representante discente do Câmpus Irati na Comissão. “Combater a violência é uma coisa que realmente tem que ser em rede, porque é um fenômeno diverso, multicausal. Aqui dentro do câmpus, a gente articula algumas pesquisas sobre o assunto, então acho que esses momentos de troca contribuem bastante. Estar em contato com as profissionais da rede, conversando sobre, abrindo portas para a universidade retribuir de alguma forma para a sociedade”, afirma.
Além da comunidade acadêmica, o dia teve a participação de diversos profissionais de cidades da região, que trabalham tanto no combate e na prevenção da violência de gênero quanto na assistência e na garantia de direitos das vítimas.
A subcomandante da 8ª Companhia Independente de Polícia Militar de Irati, 1ª Tenente Gisleia Aparecida Ferreira, foi uma das participantes da mesa-redonda “Violência contra as mulheres e feminicídio no sudeste do Paraná”. Para ela, um dos pontos importantes é a qualificação policial para atender incidentes envolvendo violência de gênero. “A gente sabe que a grande maioria dos policiais são masculinos. Então, precisa trabalhar isso na cabeça deles para fazer o atendimento mais efetivo, porque às vezes, dependendo da maneira que se chega na ocorrência, vai bloquear e a mulher não vai contar o que que está acontecendo de verdade, vai inventar uma história, vai contar só a metade. Nós temos que ter muita informação sobre a lei para informar, principalmente, sobre medidas protetivas, sobre os direitos que ela tem, que ela não precisa sair da casa, que quem tem que sair é o agressor, que ela não vai perder os filhos, e que se ela quiser sair da casa, ela não vai perder direito nenhum”, destaca a subcomandante.
Também integrante do painel, a psicóloga Camila Boguchewski, do Núcleo Maria da Penha no Câmpus Irati da Unicentro, conta que o trabalho do Numape envolve o acolhimento de mulheres que conseguiram sair de uma situação de violência e que estão tentando lidar com as consequências disso na vida delas e de quem não conseguem saber como escapar de um cenário de abuso. “A gente busca, então, dar suporte, pelo menos, emocional, encaminhando para a rede, para que ela tenha um suporte financeiro, a partir da Assistência Social, e também o suporte jurídico a partir das medidas protetivas”.
Thays Brito, advogada criminalista e integrante do Projeto de Prevenção à Violência Contra as Mulheres, trouxe para a discussão o relato de um assassinato que ocorreu no Parque Aquático de Irati, em 2018. Na ocasião, Ivanilda Kanarski brincava com os filhos junto com o seu irmão quando o ex-marido, João Fernando Nedopetalski, chegou de carro e começou a atirar. “Ele é um caso muito característico de feminicídio, mas que, no momento do julgamento do caso no Tribunal do Júri, essa qualificadora foi excluída. Ele não foi condenado como autor de um feminicídio, mas sim de um homicídio qualificado por motivo torpe e fútil. O que significa que se invisibilizou mais ainda o caso dessa mulher”, lamenta.
Coordenadora do Projeto de Prevenção à Violência Contra as Mulheres, a professora Katia Alexsandra dos Santos aponta que há uma dificuldade em traçar um cenário regional evidenciada pela contraposição de duas perspectivas. A primeira delas seria discursiva, repercutida pelo senso comum e pela mídia, de que são muitos casos de violência, sendo que alguns culminam no feminicídio. Enquanto a outra seria a dos dados formais, nos quais constam poucos registros disso, seja na saúde, na assistência social ou mesmo na segurança pública. “Poucos dados que geram poucas estatísticas que, por sua vez, geram pouca necessidade de políticas públicas e que, também, tornam essas políticas públicas existentes mais precárias. Acho que a universidade pode ajudar nisso, atuando, fazendo as pesquisas e por meio de projetos de extensão. Uma das coisas que nós fizemos foi isso. Ao identificar uma falta específica de notificações na área da saúde, montamos um projeto de extensão para capacitar esses profissionais para identificar e notificar esses casos, e a partir disso ter uma possibilidade de um aumento de dados e tentar ir aos poucos melhorando esse cenário”, salienta.
O evento foi encerrado com a apresentação do Coletivo Soma, que trouxe a performance intitulada “Para todas as mulheres que não sobreviveram”, e com a conferência ministrada por Ana Claudia Silva Abreu, professora do curso de Direito do Centro Universitário Campo Real. A docente propõe uma ampliação do conceito de feminicídio no Brasil, que segundo ela, fica muito limitado ao chamado feminicídio íntimo, que ocorre no ambiente doméstico e é praticado por alguém que tem uma relação com a vítima.
“A primeira proposta é abranger outros tipos de assassinatos de mulheres que envolvam menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Isso engloba a questão dos transfeminicídios e também os componentes de racismo que fazem parte de muitas dessas mortes, considerando que no Brasil 68% das mulheres que são mortas são mulheres negras. A segunda proposta é pensar em um conceito de feminicídio que vá para além do assassinato, e que considere a violência feminicida como todas as mortes de mulheres que se dão em razão de práticas patriarcais, e que inclui também aquelas mortes que decorrem da ação e da omissão do Estado. Aí, a gente pode pensar em outras formas de mortes de mulheres por razões de gênero, como as que morrem em decorrência de violência obstétrica, de abortos inseguros, que a gente chama de feminicídio reprodutivo, e também pensar em outras hipóteses que configuram feminicídio, como as mortes em cirurgias estéticas, mutilação sexual, esterilização forçada, enfim, trazer toda essa ampliação do conceito”, explica Ana Claudia.