Reflexão sobre desigualdades cotidianas é central no Dia Internacional de Luta das Mulheres
Letícias, Andreias, Júlias, Patrícias… a participação das mulheres no ambiente acadêmico, ano após ano, vem crescendo no Brasil e mostrando que a universidade, efetivamente, é mais que um substantivo feminino, é lugar de mulher (como qualquer outro espaço onde elas desejam estar).
Mulheres que fazem – com olhar singular e muita competência – ensino, pesquisa e extensão. Na Unicentro, dos 1.249 servidores – somados professores efetivos e colaboradores; agentes concursados e temporários; e assessores -, 659 são mulheres. Isso significa que elas são quase 53% do total. Das 467 pesquisas em andamento nesse ano de 2023, 239 – ou 51% – são propostas por mulheres. Na extensão, dos 322 projetos em desenvolvimento, 215 – isto é, 67% – são liderados por elas.
Professoras que, entre outros assuntos, pesquisam as relações de gênero. Algumas delas, neste 08 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, foram convidadas a refletir sobre a data, os avanços, retrocessos e desafios impostos, pela sociedade do tempo presente, à mulher.
Alexandra Lourenço é graduada em Ciências Sociais e doutora em Ciências Políticas. Atua como docente do Departamento de História do câmpus Irati desde 2014.
Katia Alexsandra dos Santos é egressa dos cursos de Letras e de Psicologia da Unicentro. Doutora em Ciências, é professora do Departamento de Psicologia desde 2005.
Luciana Rosar Fornazari Klanovicz, docente do Departamento de História do câmpus Santa Cruz da Unicentro desde 2011, é graduada e doutora em História.
Marion Regina Stremel é graduada em História e doutora em Ciências Sociais Aplicadas. Na Unicentro desde 2003, é docente do Departamento de História do câmpus Santa Cruz.
Nádia Maria Guariza é graduada e doutora em História. Na Unicentro atua como professora do Departamento de História do câmpus Irati desde 2014.
Nayara Cristina Bueno concluiu a graduação em Serviço Social, na Unicentro, em 2010. Oito anos depois, retornou a universidade onde atua, desde 2018, como docente do Departamento de Serviço Social. Ela é doutoranda em Ciências Sociais Aplicadas.
Níncia Cecília Borges Teixeira é graduada e doutora em Letras. Ela é professora do Departamento de Letras da Unicentro desde 2012.
Roseméri Moreira é graduada e doutora em História. Formada pela Unicentro, ela é professora do Departamento de História do câmpus Santa Cruz desde 2006.
Elas são parte de um todo e, aqui, representam o universo feminino que ajuda a fazer, dia a dia, a Unicentro e a ciência paranaense.
Uma data não para comemorar, mas para refletir
O Dia da Mulher, por anos, foi enunciado como uma data comemorativa que, por isso, foi ganhando conotação comercial. Mas, nos últimos anos, essa apropriação passou a ser questionada e, hoje, a data, pouco a pouco, readquire seu sentido original: o de luta por uma sociedade sem diferenciação entre homens e mulheres.
“Não é um dia de comemoração, mas é um dia de colocar as nossas pautas. É um dia de olhar para tudo aquilo que já foi conquistado, mas também de olhar tudo aquilo que ainda é necessário”
Kátia
“O dia da mulher é importante como um marco, um referencial para nos fazer lembrar o processo histórico de luta das mulheres para a conquista de alguns direitos na contemporaneidade – um conjunto de direitos que se alterou, inclusive nas relações civis, familiares e também na possibilidade das mulheres poderem trabalhar em diversos espaços e praticar esportes, por exemplo. O dia das mulheres também é importante porque é um dia que nos leva a refletir que a luta não terminou, que as mulheres ainda precisam estar atentas e lutando por pautas que lhes são importantes, seja, por exemplo, a questão que envolve violência, a questão de direitos trabalhistas igualitários”
Alexandra
“Muitas vezes, a gente esquece esse significado original. Mas, mesmo assim, é importante questionar como o capitalismo se apropriou desse Dia Internacional da Mulher e pensar a condição feminina no Brasil e no mundo – situação de violência, de desigualdade de gênero, desigualdade salarial”
Nádia
“A data de 08 de março, Dia Internacional da Mulher, é importante devido ao seu significado histórico de lutas e conquistas sociais, políticas e culturais das mulheres. É um dia muito mais de reflexão do que de comemoração. É um dia para a mobilização e discussão sobre as condições da mulher na sociedade. É momento de reivindicar e reafirmar direitos e impedir o retrocesso destes”.
Marion
“O dia 08 de março representa o processo de luta das mulheres por direitos e, historicamente, tem sido marcado por manifestações das mulheres nas ruas, muito integrado com o momento presente, com a conjuntura econômica, política, social. Então, pautas como racismo, combate ao sexismo, combate à fome, à violência. Nós precisamos ter, pelo menos, um dia de grande visibilidade para as pautas das mulheres, para que a gente consiga buscar mudanças estruturais e, também, culturais em relação às desigualdades de gênero”
Nayara
“Um dia voltado para as mulheres é importante à medida que ainda há muitos direitos que precisam ser conquistados”
Níncia
“É preciso ter visibilidade na mídia, é preciso falar sobre isso. Ainda é importante fazer essa parada para aqueles que, nem todos os dias, estão voltados para essa questão de que, sim, nós ainda temos uma sociedade que tem desigualdade de gênero”
Roseméri
“Nós precisamos de um dia das mulheres, ainda, tanto para marcar a luta das mulheres e tudo aquilo que já foi conquistado, quanto para marcar que ainda temos uma desigualdade muito grande e as pautas pelas quais nós continuamos a lutar”
Kátia
“É um dia que possibilita uma reflexão maior de toda a sociedade para todas as questões que atravessam a vida cotidiana das mulheres, seus impedimentos, seus desencorajamentos, as faltas de oportunidades e as desigualdades que nos atingem. É um dia que possibilita que a sociedade olhe com mais atenção para as questões que atravessam a nossa existência”
Luciana
Mulheres como protagonistas
Uma das frases mais utilizadas pelos movimentos sociais é “lugar de mulher é onde ela quiser”. Mas é inegável que, ainda hoje, alguns papéis sociais, representações e profissões são considerados mais femininos e outros mais masculinos. Nesse sentido, uma das lutas das mulheres segue sendo reafirmar qual é o seu lugar na sociedade do tempo presente.
“O papel das mulheres, atualmente, é justamente não esquecer a importância da luta pelos direitos femininos. Nós, nesses últimos anos, assistimos a um retrocesso em vários direitos femininos. Então. isso demonstra que nós, mulheres, atualmente, devemos estar sempre vigilantes no sentido de manutenção e expansão dos nossos direitos na sociedade mundial e brasileira”
Nádia
“Uma das grandes questões dos movimentos feministas, hoje, é justamente desconstruir essa ideia de que existe um papel específico para mulheres ou um papel específico para mulheres”
Roseméri
“Atualmente, o papel da mulher na sociedade do tempo presente é estar até chamando a atenção da sociedade, na verdade, para questões que nos afligem, que nos oprimem, que nos limitam. Questões que busquem uma mudança efetiva na sociedade. Nós já chegamos a vários patamares, mas – ainda – mulheres morrem, mulheres são limitadas por uma percepção de gênero, d euma desigualdade de gênero”
Luciana
“Uma sociedade em que o gênero da pessoa não seja um obstáculo de participação social, política, educacional”
Roseméri
“O papel das mulheres na sociedade do tempo presente é de protagonista, e não de coadjuvante. Elas vem assumindo lugares que antes não lhes eram, permitidos, ocupando postos no mercado de trabalho em empresas, cargos de lideranças políticas, estão nas universidades, como gestoras de cidades e na frente decisória de muitos países”
Marion
“A gente percebe que é um processo diferente quando as mulheres estão a frente, desenvolvendo um papel bem ativo socialmente. Quando as mulheres assumem esse movimento de atuar para além do âmbito privado, eu acredito que elas modificam essas relações e acabam exercendo um papel importante em fortalecer outras mulheres, para construir uma sociedade diferente”
Nayara
“Eu acredito que o papel das mulheres na contemporaneidade não é apenas contribuir em todas as áreas possíveis para uma sociedade mais igualitária e mais justa, mas – acima de tudo – ter um olhar mais aguçado para questões que envolvem relações de gênero, outras mulheres – inclusive, pensando no plural, segundo a questão de raça e etnia, pensando a questão etária, pensando na questão de classe”
Alexandra
“Eu entendo que o papel das mulheres na sociedade, hoje, ainda é materializar aquilo que é da ordem da diferença. Ela traz essa marcação e, com isso, acho que a gente tem um olhar um pouco mais plural em relação às pessoas, em relação ao mundo, em relação a como as coisas de colocam”
Kátia
“O papel da mulher na sociedade é dinâmico. Elas ocupam todos os espaços, mas nem sempre conseguem ser ouvidas nesse processo. Só ocupar já não é mais suficiente”
Luciana
As mulheres e o desenvolvimento sócio-cultural
Exigir visibilidade e voz é prerrogativa primeira dos movimentos de mulheres. Afinal, já não basta mais apenas desempenhar papéis diversos na sociedade, é preciso que essa atuação seja reconhecida como fundamental para a transformação cultural, para um tempo em que o machismo e o patriarcado ficarão para trás. Assim, de luta em luta, as mulheres vão atuando para o desenvolvimento social.
“Nós conseguimos produzir, ocupar, problematizar, instigar em todas as esferas – algumas com mais interdição, outras menos. Mas nem sempre o trabalho feminino foi visto, foi identificado e foi valorizado”
Luciana
“Um exemplo disso é a questão do trabalho doméstico e de cuidados. Se, esse trabalho ser realizado, principalmente pelas mulheres, é impossível de se viver. É claro que uma das pautas do movimento é compartilhar isso com os homens, para que a gente – nós, mulheres – também consiga desenvolver nossas habilidades no âmbito público, no âmbito produtivo. E a gente for pensar, hoje, as mulheres estão inseridas em todos esses lugares – a gente está realizando um trabalho que é essencial para a vida; nós estamos inseridas no movimento público. Então, estamos contribuindo, o tempo todo, para a manutenção e reprodução da sociedade”
Nayara
“As mulheres colaboram para o desenvolvimento da sociedade em todos os aspectos – a começar pela primeira célula, que é a família, orientando, cuidando. A questão do trabalho também. Na universidade com pesquisas avançadas, com criação de patentes, com formação de futuros professores para que esses professores, ao chegarem nas escolas, transmitam e disseminem ideias de valorização da equidade de gênero”
Níncia
“As mulheres têm ocupado espaços diversos; têm olhado, produzido e visto questões diferentes daquelas que são levantadas pelos homens. A gente tem na ciência, na tecnologia um papel fundamental das mulheres. Justamente porque elas levantam questões distintas. A gente tem, nesse sentido, contribuído para a pluralidade da produção do conhecimento e para o surgimento/desenvolvimento de várias áreas, de temáticas e questões que, talvez, não existiriam se as mulheres não tivessem levantado”
Kátia
“Eu acho que depende bastante de forças políticas que possibilitem o crescimento e o desenvolvimento das mulheres e seu reconhecimento dentro da sociedade. Por isso, que políticas públicas são tão importantes. Uma política de estado forte direcionada para as mulheres, para o fim das violências, para a construção de uma sociedade mais equitativa”
Luciana
Em síntese, seguimos em busca da equidade
Diferentes números – como os índices de violência contra a mulher, de feminicídio e as diferenças salariais – evidenciam que, ainda hoje, a sociedade brasileira não trata homens e mulheres como iguais. Se não existe igualdade, é preciso criar condições para que as mulheres também conquistem lugares, posições e, sobretudo, uma vida sem medo e com dignidade. Nessa construção, as políticas públicas promotoras de equidade são fundamentais.
“Nós não somos uma sociedade equânime ainda. Prova disso são dados muito claros de desigualdade em termos de hierarquias no mundo do trabalho, salários desiguais, no acesso à oportunidades, no cuidado com os filhos e no cuidado de uma forma geral, na divisão de tarefas domésticas e na questão da violência (que é algo que sinaliza para uma estrutura muito patriarcal ainda, que traz a violência como produto”
Kátia
“As mulheres são mortas porque são mulheres.A gente tem que buscar o direito das mulheres não serem mortas. É um momento da gente discutir e promover políticas para que a gente tenha igualdade de existência, acho que essa é a grande questão”
Luciana
“Não há uma equidade de gêneros, principalmente se a gente for considerar a questão do mercado de trabalho em que, ainda, embora não pareça, o homem ganha mais do que a mulher, vagas de trabalho são destinadas à homens”
Níncia
“A sociedade brasileira não é equânime e a gente percebe em diferentes setores. Eu vou trazer aqui um exemplo mais próximo, que é o mundo da ciência. A gente tem um grande número de mulheres nos institutos, nas universidades, ,as elas não têm o mesmo acesso aos recursos, aos cargos. E se a gente pensar em igualdade, a gente tem que pensar em igualdade de acesso”
Luciana
“A sociedade não é igualitária, ela não tem equidade para o gênero. Pelo contrário. Ela tende a acirrar essas desigualdades. Primeira desigualdade é a questão do trabalho doméstico, de cuidados, que continua sendo responsabilidade principalmente das mulheres nos lares – mesmo que elas trabalhem e tenham atividades fora do âmbito doméstico. Por exemplo, a questão das mulheres trabalhadoras rurais – o trabalho que elas realizam na propriedade, muitas vezes, é considerado uma ajuda ao trabalho dos homens, mesmo ela realizando as mesmas atividades. O fato das mulheres negras serem a maior parte das trabalhadoras domésticas – um trabalho que é desvalorizado, que é, muitas vezes, invisibilizado. Tudo isso demonstra o quanto há desigualdade entre homens e mulheres na sociedade capitalista. Então, não podemos dizer que somos uma sociedade igualitária. Temos muito, ainda, que construir nesse sentido”
Nayara
“As nossas relações ainda continuam bastante desiguais. Nós podemos perceber isso no nosso cotidiano – desde as relações mais simples, que ainda persistem quando uma mulher é menos valorizada, seja no seu direito de fala ou nas suas opiniões, mas também nos dados; os dados revelam que, pensando em termos de Brasil somente, as mulheres continuam a receber menos desenvolvendo as mesmas tarefas. As mulheres, também, ainda que possam participar de diversos espaços sociais na atualidade, elas ainda não ocupam ou não predominam nos cargos, no topo do pirâmide. Outro espaço é o da política. As mulheres ainda ocupam um percentual muito menor daqueles cargos que são considerados de comando ou de poder político”
Alexandra
“No Brasil, as mulheres são a maioria da população. Mas, ao mesmo tempo, são minoria, uma vez que estão em desvantagem quanto a representação política, econômica e de seus interesses. Ainda não somos uma sociedade equânime. Há muita desigualdade de poder e oportunidades entre homens e mulheres. Há que se falar ainda na violência contra a integridade física e psicológica sofrida pelas mulheres por parte dos homens. Temos um árduo caminho de lutas. Mas, acreditamos que só a partir dos debates – não só no Dia Internacional da Mulher, mas todos os dias – podemos enfrentar esses problemas, combatendo modelos sociais baseados no patriarcado”
Marion
“Há um longo caminho ainda a ser conquistado e, daí, consolidado, inclusive. Não é porque conseguimos direitos que podemos sossegar”