Unicentro forma primeira turma do curso de Pedagogia Indígena
Uma conquista para entrar para a história dos povos indígenas do Paraná. 22 estudantes das etnias kaingang, guarani, guarani mbya e xetá colaram grau na primeiro formatura do curso de Pedagogia Indígena da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). A diplomação foi, também, a primeira de um curso de graduação desenvolvido em uma terra demarcada na história do estado. Por isso, a colação de grau também foi realizada na comunidade de Rio das Cobras, no interior do município de Nova Laranjeiras.
Há cinco anos, os integrantes da comunidade demonstraram o desejo de se capacitar ao cacique Ângelo Kavigtanh Rufin, principal liderança do local. Para atender a essa demanda, o cacique – juntamente com uma comissão composta por moradores da terra indígena e por representantes do Departamento de Pedagogia da Unicentro – entrou em contato com a reitoria da Unicentro. Na época, quem ocupava o cargo de reitor era o professor Aldo Nelson Bona, que hoje é superintendente de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná. “Quando nós batemos a porta do professor Aldo, eu fiquei em dúvida se daria certo. E ele foi firme, disse que o curso iria acontecer”, recorda o cacique.
A partir daquele momento, segundo o professor Aldo, todos os envolvidos se empenharam na missão de tornar o curso realidade. “Estar hoje nesta cerimônia nos faz ver que, de fato, foi um ato grandioso. É a primeira vez que uma universidade pública do estado realiza uma solenidade de formatura na terra indígena, de um curso que aconteceu na terra indígena. Sem dúvida, é um marco para a história do Paraná”, avalia o superintendente.
O atual reitor da Unicentro, professor Fábio Hernandes, parabenizou as lideranças pela iniciativa. De acordo com ele, atender a reivindicação feita pelos indígenas é obrigação da universidade pela sua função social, que é transformar a realidade a partir das demanda da população. “Trazendo o curso aqui para dentro, a graduação vai além de passar a formação, ela trabalha para manter a cultura e preservar os costumes destes povos”.
Para a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Unicentro cumpriu com êxito este objetivo. Adir Carlos Velozo é morador do local e esteve representando a instituição na cerimônia. Ele fala que poder ofertar ensino superior na terra é produto de sucessivas lutas indígenas que iniciaram com a solicitação dos níveis básico e médio. “A educação sempre foi a principal bandeira da nossa coordenação. Por isso, assistindo a essa formatura, se eu partisse hoje deste mundo, eu partiria com o dever cumprido”. Mas a ambição de Adir é ainda maior: “agora nós vamos lutar por mestrado e doutorado”.
Mariulce da Silva Lima Leineker, professora e coordenadora do curso de Pedagogia Indígena, acompanhou toda a trajetória acadêmica dos estudantes e, por isso, se emociona com a conquista. “A palavra que define é gratidão, por poder participar deste momento, por poder fazer parte desta história, parte da vida destes indígenas. E a alegria de vê-los hoje pedagogos, colegas de trabalho”, afirma a docente.
A felicidade descrita pela professora é compartilhada pela formanda Vanderleia Vygra Felipe. A indígena conta que os obstáculos até a formatura foram muitos. “Para mim foi difícil porque eu tenho duas crianças e eu tive que deixar a mais nova com a minha mãe, mesmo ainda amamentando”, relata. Além disso, a fome afligiu Vanderleia nos primeiros anos de faculdade. “A gente colhia algumas verduras da aldeia e levava para os cozinheiros prepararem, muitas vezes nós comíamos só isso e farinha, foi muito difícil”. Apesar de tudo, Vanderleia afirma com certeza que tudo valeu a pena.
“Eu sou um dos primeiros indígenas da minha região formado, mesmo sendo de uma terra não demarcada. Então, é uma vitória para todos nós da minha comunidade”, comemora Iumar Martins Rodrigues. Ele reside em Guaíra e precisava vir até Nova Laranjeiras para assistir às aulas. Por ser o único de sua cidade que estudava em Rio das Cobras, sua jornada foi construída sob a base da saudade de casa. E, assim como em toda a sua trajetória, Iumar ergueu o canudo sozinho. Mais uma vez, a distância não permitiu que a presença física dos familiares fosse possível. Apesar disso, nestes quatro anos, o conceito de família recebeu novo significado para Iumar. “Esses professores são a família que eu construí aqui na universidade, que me acolheram nos momentos de choro, me aconselharam e me fizeram ficar até o fim. São mais do que professores”.
Ilda Cornélio também passou por situações que a fizeram cogitar desistir do sonho de se tornar pedagoga. Ela, que já é formada em Serviço Social, conta que teve dificuldade em conciliar o trabalho com os estudos. “Mas valeu muito a pena! Se surgir alguma oportunidade de trabalhar na área, eu pretendo aceitar, porque é por isso que a gente se esforçou, trabalhou, persistiu, e estamos aqui”.
Durante a entrada dos formandos na cerimônia, Adriellen Mugtan Fernandes chamou atenção do público por carregar uma bandeira da comunidade LGBTQIA+. “Eu quis utilizar esse símbolo para fortalecer e dar visibilidade para os indígenas LGBT’s, já que nós somos muito discriminados inclusive dentro das aldeias”.
Ver os 22 formandos alegra, em especial, a Danusa Korig Bernardo, que é professora indígena contratada pela Unicentro para atuar em Rio das Cobras. Ela acompanhou os quatro anos de capacitação dos estudantes e, por isso, a emoção é grande. “Eu fiquei muito ansiosa para ver eles se formando, chegando aqui neste pódio. Eu sinto muito orgulho deles”.
Em 2022, por estar no quarto ano de realização, o curso de Pedagogia Indígena passou pelo processo de reconhecimento, realizado pelo Governo do Estado. A formação recebeu a nota 4.7, sendo a máxima 5, levando em conta os seguintes critérios: metodologia pedagógica, corpo docente e estrutura. A avaliação também recomendou que a universidade trabalhe para que a Pedagogia Indígena se torne permanente pois, a princípio, o curso teria apenas três ofertas.
Reportagem e fotos: Amanda Borges (estudante Jornalismo Unicentro)