Pela extensão, alunos da Unicentro atuam na transformação social
Construir uma sociedade com mais equidade, sem discriminação e violência contra a mulher. Auxiliar as famílias, em especial as mães, durante a permanência de bebês prematuros em UTIs neonatais. Oferecer atendimento especializado a portadores de feridas crônicas, proporcionando o fechamento e a cura dos ferimentos. Acolher e cuidar de animais silvestres e selvagens encaminhados pela Força Verde e pelo Instituto Água e Terra do Paraná. Possibilitar a venda direta de produtos orgânicos, integrando agricultores familiares e consumidores. Esses são apenas alguns exemplos dos 270 projetos de extensão desenvolvidos, em média, por ano, na Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste) por seus estudantes e professores. São mais de 1.200 alunos – desses, 230 com bolsas – envolvidos nas ações que atuam diretamente na comunidade e, dessa forma, beneficiam quase 50 mil pessoas em Guarapuava, Irati e outras cidades das regiões centro-sul e centro-oeste do Paraná.
Assim como os objetivos são amplos, as formas de atuação também variam de projeto para projeto. O Florescer, por exemplo, realiza oficinas educomunicativas nas escolas municipais de Guarapuava, com meninas e meninos de sete a nove anos, matriculados na terceira série do Ensino Fundamental. “Nós trabalhamos de maneira lúdica, através de brincadeiras, para que eles percebam como a diferenciação entre homens e mulheres se manifesta no nosso dia a dia e, também, entendam que enquanto não tivermos equidade todos nós somos privados de muitas possibilidades de ser e estar no mundo”, reflete a professora Ariane Pereira, coordenadora do projeto. No total, são cinco oficinas por turma. “Na primeira, as crianças são levadas a pensar sobre os direitos e deveres de pais e mães, filhos homens e filhas mulheres em casa, no trabalho e na escola. A partir daí, no segundo e no terceiro encontro, pensando na construção do conhecimento, trabalhamos os conceitos de equidade e igualdade e mostramos que o maior exemplo da desigualdade é a violência contra a mulher. Aí, entramos na Lei Maria da Penha, falamos sobre os tipos de violência, mostramos que é possível romper o ciclo e onde buscar ajuda. Na quarta oficina, as crianças produzem materiais comunicacionais – na maioria vídeos – contando as aspectos que aprenderam e que mais chamaram a atenção. Para encerrar, elas vão até a Unicentro, onde temos uma sala de cinema, para assistir a essas produções”, detalha Ariane.
As discussões têm como objetivo prevenir a violência contra a mulher no longo prazo, na medida em que as meninas e os meninos participantes do projeto crescem desnaturalizando os comportamentos machistas. Ao mesmo tempo, as crianças compartilham o que aprendem no projeto em casa. Com isso, muitas mães acabam buscando ajuda. Dados da Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres de Guarapuava evidenciam que quando o Florescer está nas escolas de uma determinado bairro, a procura de mulheres daquela localidade por atendimento aumenta, em média, 40%. Isso sem falar nos universitários participantes do projeto, que mudam seu modo de olhar a comunidade e, consequentemente, os modos de fazer a cobertura jornalística da violência contra a mulher.
“Participar do projeto Florescer foi uma das atividades mais marcantes para mim durante a graduação. Nele, eu pude amadurecer como profissional da área e entender a importância da comunicação na vida das pessoas. Pois se a informação correta chegar até as crianças, elas transformam não só a vida delas, mas também de outras pessoas que convivem com elas, como uma mãe que sofre violência doméstica”, defende a jornalista Mayara Maier, que foi bolsista do projeto por dois anos, durante a graduação. “Em mim, como em todos os colegas que passaram pelo projeto, a transformação também é nítida”, completa. “Passamos a ver as situações discutidas nas oficinas com mais clareza. Tenho convicção de que podemos escrever sobre violência de gênero com mais propriedade, por saber como ela atinge não só as mulheres, mas todas as pessoas ao redor delas, assim como as crianças”.
Assim como Mayara, Evelyn Neves também viu sua vida transformada pela extensão universitária – e no caso dela, duplamente. Primeiro, em 2019, foi atendida pelo projeto HumanizAção como mãe. Seu bebê nasceu prematuro e precisou ficar na UTI Neonatal da Santa Casa de Irati. Nesse período, ela recebeu acompanhamento dos estudantes e professores participantes da ação extensionista. Apoio que, ela avalia, foi fundamental para enfrentar um momento muito difícil na vida de uma mulher. “Eu fui ouvida e acolhida. Me mostraram a importância de não esquecer de mim. Como mãe, foi muito importante, porque, lá dentro, nós nos sentimos muito angustiadas por ter os filhos prematuros, estar naquela espera, expectativa de sair de lá. Nesse momento, nós só pensamos no bebê, o foco é no bebê e a gente acaba esquecendo que existe também uma mulher que acaba de sair de um pós-parto, que não foi como o esperado, que está fragilizada sem seu bebê”, diz.
Essa experiência foi tão importante que, depois da licença maternidade, ela decidiu participar do projeto como extensionista, já que é estudante da Unicentro, no curso de Fonoaudiologia. Agora, ela é uma das alunas que escutam as mães e as acompanham em atividades enquanto o bebê está internado. “Para mim, está sendo muito gratificante, muito significativo. Porque, agora, eu posso proporcionar às mães o mesmo cuidado que eu recebi e que foi tão importante para mim. Estar do lado da equipe agora, é um aprendizado. A gente tem todo um conhecimento científico por trás – desde o que falar para as mães, como podemos ajudar, como fornecer essa escuta e esse acolhimento”, avalia Evelyn.
O HumanizAção é coordenado pela professora Cristina Ide Fujinaga e, desde 2017, oferece apoio e acolhimento à famílias de bebês prematuros, a partir da oferta de atividades de lazer, artesanato e autocuidado. “As ações específicas são definidas a partir do trabalho de escuta, surgem então das demandas das próprias mães. Na primeira edição”, lembra a docente, “nós descobrimos o potencial empreendedor das mães e, também, a necessidade de uma renda por parte de algumas delas. Então, a partir dessa edição, nós estamos trabalhando para fortalecer as ações nesse sentido”.
Para Cristina, todos os envolvidos no projeto são beneficiados e transformados pelas ações. “As transformações são muitas. Na vida dos bebês que têm suas famílias mais seguras e acolhidas, com os espaços de escuta qualificada e singular. Para as famílias que participam, na grande maioria mães de bebês prematuros, a transformação é tanta que elas se sentem até mais empoderadas a partir das atividades desenvolvidas. Os estudantes têm a oportunidade de vivenciarem, na prática e próximos à comunidade, toda a aplicação das teorias construídas durante os cursos. Os professores participantes têm a oportunidade de exercerem seu papel social junto à comunidade, além de estarem lado a lado na construção do saber-fazer em suas práticas docentes”.
A mudança também é nítida para a comunidade atendida pelo Ambulatório de Feridas Crônicas, que funciona mo campus Cedeteg. Alguns pacientes chegam com lesões abertas há mais de uma década. Como os ferimentos não cicatrizam, eles convivem diariamente com a dor e, muitas vezes, precisam deixar o convívio social. O acompanhamento permite a melhora progressiva do machucado e, assim, essas pessoas vão recuperando a qualidade de vida. “O projeto”, detalha a professora Carine Sangaletti, coordenadora da ação extensionista, “existe desde 2009 e foi proposto para atender um problema social relevante, que é a a atenção qualificada aos portadores de feridas crônicas, que são lesões complexas que, por motivos também complexos, exigem muito estudo a grande expertise clínica para serem reconhecidos. Dessa forma, oferecemos atendimento especializado de Enfermagem, proporcionando atenção integral pela integração de outros atendimentos, como serviço social e fisioterapia. Com tudo isso, possibilitamos reabilitação física e social – as pessoas voltam a frequentar festas, jantares, andar de ônibus sem sentir vergonha”.
O Ambulatório de Feridas, o HumanizAção, o Florescer e tantos outros projetos desenvolvidos pela Unicentro junto à comunidade são evidências da importância do ensino superior público, gratuito e de qualidade. Um processo constante que, dia a dia, vai transformando vidas – de estudantes, de professores, e de cada integrante da sociedade que, de formas variadas, são beneficiados pelas ações. “A Universidade tem como funções indissociáveis a formação profissional dos discentes (por meio do ensino), a geração de novos conhecimentos (por meio da pesquisa) e a disseminação e aplicação destes para usufruto da sociedade, contribuindo para enriquecer a formação dos estudantes (por meio da extensão)”, explica a pró-reitora de Extensão e Cultura da Unicentro, professora Lucélia Souza. “Com isso, as ações extensionistas possibilitam a formação de um profissional cidadão e credenciam a universidade, cada vez mais, junto à sociedade, como espaço privilegiado de produção de conhecimento para a superação das desigualdades sociais existentes”.
Perspectiva compartilhada pela diretora de Extensão, professora Vânia Griczak. “A extensão é uma via de mão dupla, em que a universidade leva conhecimentos e/ou assistência à comunidade e, também, aprende com o saber dessas comunidades. Por um lado, tem-se o impacto na formação dos estudantes, o qual fica evidenciado nos alunos participantes de projetos e programas de extensão pela oportunidade de troca de conhecimentos indissociáveis do ensino e da pesquisa com as comunidades e pela vivência de situações cotidianas da sociedade. E, por outro lado, as comunidades atingidas se beneficiam das ações extensionistas realizadas com o intuito de promover transformações sociais, contribuindo inclusive para a geração de políticas públicas que visam melhorar a qualidade de vida da população, cumprindo o papel da universidade com a sociedade. Assim, a universidade, por meio da extensão, influencia e também é influenciada pela comunidade, ou seja, possibilita uma troca de valores entre a universidade e o meio”.
Transformação. Essa é a palavra-chave quando falamos em extensão universitária. Mudança que atinge a todos os envolvidos, sem exceção e que é definidora na formação dos estudantes. E isso segundo os próprios alunos e egressos que estão ou passaram pela extensão e pela universidade pública. “A extensão e a universidade podem, sim, transformar a sociedade, justamente através desse trabalho em equipe, no qual a gente reconhece o valor que as pessoas têm, as diferenças da sociedade”, avalia Evelyn.
“Posso dizer hoje que a minha formação na Unicentro mudou a minha perspectiva de mundo e me fez ver além do que eu estava acostumada. E, nessa transformação, os projetos de extensão foram essenciais. Por meio deles tive contato com a comunidade e pude auxiliar de alguma forma na transformação dos espaços em que eu estava inserida. O que me preparou para tratar com mais respeito e empatia os temas que trato hoje no jornalismo. No Florescer, principalmente, eu sentia que estava cumprindo uma missão, retribuindo para a sociedade o que eu estava recebendo em uma universidade pública”, finaliza Mayara.