O dever de informar: a relevância das Universidades Estaduais durante a pandemia
No dia seis de outubro o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) publicou em seu site oficial, no setor de notícias, uma matéria intitulada “Decisão do TCE afastou risco de bloqueio de repasses de R$ 2 bilhões ao Paraná”.
O conteúdo publicado é pouco esclarecedor e leva o leitor a acreditar que as Universidades Estaduais teriam praticado atos de aumento de despesas, colocando o Estado do Paraná em risco de perder o direito de receber o auxílio do Governo Federal para o enfrentamento das consequências da pandemia.
Quanto ao Tribunal de Contas fazer seu trabalho de verificação do que lhe compete não há nada a contrapor, mas não se pode aceitar passivamente que publique “notícias” que não espelham adequadamente o trabalho feito pelo órgão.
Quem ler a notícia no site ficará com a sensação de que o TCE-PR salvou a sociedade paranaense das consequências de uma prática absurda das universidades, que teriam ampliado despesas contrariando a Lei Complementar 173/2020, lei essa que estabeleceu as condições para que Estados e Municípios pudessem se beneficiar do auxílio emergencial do Governo Federal aos entes federados.
É a lógica narrativa de preterir o dever de informar em favor do desejo de causar impacto e promover o espetáculo do herói que salva a nação das práticas corruptas dos bandidos. Isso virou moda, porque gera adesão.
É importante esclarecer os fatos. O Governo do Estado encaminhou à Assembleia Legislativa (Alep) uma proposta de lei para regularizar as estruturas administrativas das Universidades Estaduais e seus Hospitais Universitários. Tais estruturas nunca tinham sido plenamente criadas por lei, o que configurava irregularidade. Destaque-se que o próprio TCE-PR vinha apontando tal irregularidade há bastante tempo.
A Assembleia Legislativa do Paraná aprovou por unanimidade a proposta do governo. Ressalte-se: unanimidade! Daí resultou a Lei 20.225/2020.
O TCE-PR, com o intuito de avaliar adequadamente se a referida lei gera impacto ao orçamento estadual, decidiu solicitar explicações ao Governo do Estado e, cautelarmente, em face de um processo de Tomada de Contas Extraordinária, decidiu determinar que o governo e as universidades se abstivessem de implantar o que está previsto na lei, até que se compreenda adequadamente a questão.
Foi a Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) a responsável por coordenar o processo de proposição da proposta de lei, e o fez envolvendo todas as Universidades Estaduais no debate e considerando contribuições da própria Alep no processo.
Discussão extremamente difícil porque mexeu com a realidade das IEES redistribuindo cargos entre as instituições, provendo funções aos Hospitais Universitários e para as duas universidades mais novas (Uenp e Unespar), uniformizando valores pagos por funções e, ainda assim, promovendo uma diminuição de 480 cargos em relação ao quantitativo anteriormente existente; gerando assim uma economia superior a R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), em comparação com o orçamento de 2019.
Na construção da proposta conseguimos estabelecer uma equidade entre as instituições, uniformizando padrões de cargos e remunerações, além de regularizar a atribuição do Regime de Dedicação Exclusiva para servidores que ocupam funções estratégicas. O próprio Tribunal de Contas, num acórdão de 2019, recomendou ao Governo que resolvesse definitivamente, por lei, a questão dos cargos nas universidades. É o que fizemos.
Nossas universidades desempenham um importante papel para o desenvolvimento social e econômico do Estado e, em especial no período de pandemia. Estão realizando relevante trabalho em favor da população, de modo que não é justo produzir conteúdos que induzem o cidadão a pensar que as universidades estão alheias aos problemas da pandemia e, ainda, qualificar esses conteúdos como notícias.
Quero destacar as palavras do professor Júlio Damasceno, magnífico reitor da Universidade Estadual de Maringá, ao tomar conhecimento da matéria divulgada no site do TCE-PR. “A única relação das universidades com a pandemia é de muito trabalho e compromisso com a população. Situar as universidades como instituições que colocaram em risco o repasse de recursos federais para o Paraná é um despropósito”.
Desde o mês de março, imediatamente após o Governo do Estado do Paraná anunciar as medidas para o enfrentamento da pandemia, as Universidades Estaduais do Paraná passaram a construir diversas soluções para enfrentar as dificuldades na área da saúde e da economia.
Desenvolveram planos de contingência e controle da propagação do vírus; produziram, em seus laboratórios, grandes quantidades de álcool em gel, máscaras escudo de proteção e outros equipamentos que foram disponibilizados gratuitamente; buscaram e receberam habilitação do Laboratório Central do Paraná para aplicar testes moleculares da Covid-19; estabeleceram parceria com a Secretaria da Saúde para ampliar, consideravelmente, o número de leitos de enfermaria e UTI nos Hospitais Universitários de Maringá, Londrina, Ponta Grossa e do Oeste do Estado; empreenderam atividades remotas em seus cursos de graduação para minimizar o prejuízo acadêmico, em consequência da suspensão das aulas presenciais; elaboraram planos de auxílio econômico e tecnológico para atender aos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica; desenvolveram inúmeras pesquisas na busca da compreensão da pandemia e do seu enfrentamento; entre tantas outras ações que poderiam ser destacadas.
A mais visível das ações é, sem dúvida, o programa extensionista desenvolvido em parceria entre a Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti), a Secretaria da Saúde, a Fundação Araucária e a Itaipu Binacional que oportuniza a atuação de mais de 1.000 pessoas, entre profissionais e estudantes da área da saúde, coordenados por professores das universidades, em diferentes municípios do Paraná para enfrentar a Covid-19.
Trata-se de uma ação pioneira e referência no Brasil, pois resultou na instalação de call centers e plataformas de telesaúde e telepsicologia; desenvolveu o monitoramento da entrada e saída de pessoas em barreiras sanitárias nas divisas do Estado (observe-se que mesmo situado entre São Paulo e Santa Catarina, o Paraná tem índices de incidência da Covid-19 muito inferiores aos estados vizinhos); reforçou as ações de monitoramento, prevenção e tratamento da Covid-19 com pessoas privadas de liberdade no Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR); colaborou na coleta e manuseio das amostras de exames no Laboratório Central do Estado (Lacen); apoiou o trabalho do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs); apoiou o trabalho da Polícia Científica e o atendimento ao público em diversas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e no Complexo Hospital do Trabalhador (CHT).
Para além do trabalho diretamente com a pandemia, os pesquisadores das Universidades Estaduais desenvolveram estudos identificando aspectos estratégicos para estimular a recuperação econômica em todo o território paranaense. Tais pesquisas serviram de base para a construção da estratégia de integração Universidade/Empresa como um dos itens da Política Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, proposta pela Seti.
Muito se poderia dizer a respeito do papel importante e da atuação positiva da comunidade acadêmica do Paraná no contexto da pandemia. O que destacamos aqui foi apenas para fazer frente à desinformação causada com o ímpeto de gerar ‘notícias’ que privilegiam o espetáculo em detrimento do dever de informar. A atuação cuidadosa dos órgãos de controle, como o TCE-PR, é de fundamental importância para a sociedade e deve sempre ser respeitada. Os pontos de vista divergentes devem ser apresentados com o devido respeito e a adoção de verdades absolutas, deve ser sempre relativizada, por quem tem o dever de informar.
Professor Aldo Nelson Bona
Superintendente Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado do Paraná.