“Esse vírus é democrático e a virulência é assustadora. A cada dia que passa tenho mais medo”, relata enfermeira brasileira na Itália

“Esse vírus é democrático e a virulência é assustadora. A cada dia que passa tenho mais medo”, relata enfermeira brasileira na Itália

A brasileira Gisele Rosa da Silva mora em Bérgamo, norte italiano, um dos pontos do país mais atingidos pela covid-19. Enfermeira, ele viu crescer o número de doentes e mortos no hospital em que trabalha até ser infectada, logo no início da pandemia no país, adoecer e ser isolada. Quase recuperada, vê agora o marido doente. Para ela, a Itália é uma demonstração de que o isolamento vertical não funciona. Ele pede aos brasileiros que acreditem e sigam as recomendações dos cientistas: “o Brasil não pode andar na contra mão do mundo”, alerta.

O Brasil, nessa quinta, contabilizou 77 mortes e 2.915 casos confirmados de covid-29. Nesse momento em que a doença está numa curva ascendente, o governo federal fala em retomar atividades, “vida normal” e até prepara uma campanha publicitária nesse sentido. Sua experiência/vivência na Itália mostra que esse é um caminho coerente?

Gisele)“Não acredito em isolamento vertical. O prefeito de Milão no começo do mês lançou a campanha “Milano non si ferma” (Milão não para) e hoje temos ali mais de 4000 mortos. Existem momentos que as pessoas devem estar em casa e momentos que irão sair gradativamente. O própria China está agora fazendo uma abertura gradual. Nós, aqui na Itália, estamos obedecendo o que as autoridades de saúde estão recomendando, mas tem muita gente que não aceita”.

Itália e EUA negligenciaram o covid-19 em seu início. Primeiro Itália e agora EUA viram o número de casos aumentar exponencialmente e se tornaram epicentros da doença. Só medidas de higiene – como lavar as mãos com água e sabão e álcool-gel – são suficientes?

Gisele) “Só lavar as mãos e limpar as coisas, estar em isolamento não funciona. O isolamento tem que ser um isolamento social e o distanciamento das pessoas tem que ser, realmente, levado a sério”.

As autoridades de saúde da Itália divulgaram que acreditam que o país atingiu o pico de casos e mortes e que os número devem começar a cair. Que medidas possibilitaram essa queda?

Gisele) Os números ainda não estão em queda, eles oscilam muito. Tivemos uma queda por três dias e depois uma subida”.


Agora vamos falar da sua experiência como enfermeira num hospital público no norte da Itália. Como foi ver o número de doentes e mortos crescer e o sistema de saúde entrar em colapso?

Gisele) Na verdade, estou em casa em isolamento desde o dia 10 de março. Tive a experiência no início do caos. mas desde que estou em casa, acompanho a distância e recebo informações das minhas colegas do setor, que não estão mais suportando o número de doentes e de mortes. No meu setor de cardiologia e unidade intensiva cardiológica, tínhamos inicialmente 21 leitos de cardio e seis de UTI cardio, que agora foram transformados somente em leitos para o covid-19 e atendemos exclusivamente esses pacientes. Somos em 24 enfermeiras e 11 estão em casa com covid-19 positivo”.

O governo aqui tem argumentado que cuidar dos idosos bastaria. As outras faixas etárias sofrem menos as consequências da doença e se recuperam mais facilmente?

Gisele) Esse é o vírus mais democrático que existe. Ele não vê a conta no banco, sexo, idade, cor da pele, opinião política ou religiosa. Ele ataca qualquer um. A diferença na idade dos mortos é porque os jovens têm uma resposta muito maior que os idosos. Hoje as UTIs têm cada vez pacientes mais jovens. Depois que a geração das pessoas com mais de 90 anos foi dizimada, vemos a cada dia que a idade dos pacientes diminuiu e que, agora, esses também estão morrendo. Tenho um colega de 45 anos entubado em estado grave, e ele não tinha nenhuma comorbidade”.

Gisele e o marido foram infectados pelo covid-19 (Foto: arquivo pessoal)

Você também foi infectada pelo coronavírus. Você está bem agora? Como foi se perceber com os sintomas? Vendo tudo o que você viu, você sentiu medo?

Gisele) “Sim, enquanto estava trabalhando. Estou melhorando, ainda com tosse. Inicialmente comecei a sentir-me muito cansada e com muitas dores de cabeça, não tive febre alta, 37,7 foi a maior temperatura que tive. Muita tosse e pouca falta de ar. Com o passar dos dias tive crise de diarreia e perdi a fome, o paladar e o olfato. A tosse sempre foi seca e, agora, estou esperando que tudo passe para fazer o teste orofaringeo (o suab) para verificar se estou negativada, e poder voltar a trabalhar”.


Guarapuava confirmou o primeiro caso de covid-19 nessa quinta. Mesmo dia em que setores da sociedade começam a pressionar para o fim do isolamento social, menos de uma semana depois do fechamento das escolas e do comércio. Que recado você daria para quem pede o fim da reclusão nesse momento?

Gisele) “Eu não estou vivendo crise aí no Brasil, mas acredito que não será diferente do que aconteceu aqui e do está acontecendo no resto do mundo. Não acredito que o Brasil não passará por essa urgência sanitária. Gostaria muito que isso não acontecesse, mesmo porque minha família vive no Brasil. Meu recado é que as pessoas possam confiar nos estudos, nos profissionais e nos exemplos dos outros países afetados. o Brasil não pode andar na contra mão do mundo. Esse vírus é democrático e a virulência é assustadora. A cada dia que passa tenho mais medo de tudo que está por vir, pois ainda não descobrimos as armas que podemos exterminar nosso atual e mortal inimigo, o covid-19”.

Deixe um comentário