“Um Ajuste Justo”: o que quer o Banco Mundial?
O recente relatório do Banco Mundial intitulado Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, no que se refere ao Ensino Superior é um trabalho mal feito, frágil, inconsistente e certamente deve envergonhar quem o produziu e quem o encomendou. Parece ter sido elaborado por pessoas que não conhecem minimamente o que são as universidades públicas brasileiras e o trabalho que elas realizam em suas três dimensões básicas: o Ensino, a Pesquisa e a Extensão.
Realizando um diagnóstico amador da realidade do Ensino Superior Público no País e comparando universidades públicas com instituições privadas sem levar em conta a essência que as diferencia, tal documento apresenta dados rasteiros que, quando confrontados, não resistem a um debate. Trata-se de um amontoado de informações e opiniões infundadas, tais como a que promove uma generalização dos professores do sistema público de ensino brasileiro, concebendo-os como de baixa qualidade (p. 121), ou a que alega que todos “os cursos de licenciatura são fracos e a formação é de baixa qualidade” (p. 127).
Há mais: segundo o texto, a “minoria de estudantes que frequentam universidades públicas no Brasil” tende a ser de “famílias mais ricas que frequentaram escolas primárias e secundárias no País” (p. 131). Quem escreveu isso (e quem chancelou, na sequência) parece mesmo não ter entrado jamais em uma universidade pública, em especial naquelas situadas no interior do Brasil, onde as instituições municipais, estaduais e federais cumprem um papel social enorme, possibilitando que alunos pobres possam trabalhar, permanecer junto de suas famílias e ter acesso uma carreira de nível superior gratuita. Adiante, o documento considera que “felizmente, o Brasil já possui o programa FIES, que oferece empréstimos estudantis para viabilizar o acesso a universidades privadas” (p. 138), as quais são taxadas como mais eficientes que a rede pública, adotando como critério para a definição de eficiência apenas a consideração de que elas formam mais alunos com menor custo.
Ora, medir a universidade pública com a régua da universidade privada no Brasil é um despropósito. Na imensa maioria das instituições privadas, a Educação é somente um negócio, uma mercadoria que precisa ser manejada para a obtenção do maior lucro: minimizar custos e maximizar resultados financeiros. Assim, remunera-se mal os docentes, não se prioriza a titulação, não se desenvolve a Pesquisa e a Extensão, ou seja, não se atua no sentido de cumprir plenamente uma função social, mas tão somente exerce-se o papel de entregador de mercadoria.
A Constituição Brasileira concebe a Educação como um bem público, direito do cidadão e dever do Estado e da Família. Mudar essa concepção e adotar a prática de alguns países, como sugere o Banco Mundial, tem um viés míope: olha apenas para uma parte da realidade mundial, ignorando que há países do “Primeiro Mundo” em que a educação superior pública é mantida pelo Estado, com altos investimentos e como estratégia da soberania nacional. Aliás, dada a vocação “colonizadora” de determinadas nações, não é de se estranhar que um organismo como o Banco Mundial acentue suas recomendações à América Latina para o fim da gratuidade do ensino superior público, com a adoção do modelo provado, sem pesquisa, pois a construção da soberania das nações deste continente não interessa aos que desejam manter a dependência tecnológica do “Terceiro Mundo” e sua vocação de exportador de commodities.
Por isso, cabe aqui uma pergunta: com qual conceito de justiça trabalha o Banco Mundial?
Aldo Nelson Bona é reitor da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e presidente da Associação Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), entidade que responde por 45% das vagas em universidades públicas do País.