Com a Proclamação da República em 1889, o Brasil passou por mudanças profundas na estrutura política e econômica. No campo monetário, o novo regime buscou se distanciar do modelo imperial e promover a modernização do sistema financeiro. Entre as medidas adotadas, destacou-se a tentativa de implementação do padrão-ouro e a centralização da política monetária, que passou a ser conduzida pelo Banco do Brasil (Gambi, 2010). O período inicial da República, no entanto, foi marcado por instabilidade. A crise conhecida como Encilhamento, ocorrida nos primeiros anos do regime, teve como principal articulador o então ministro da Fazenda Rui Barbosa. Com o objetivo de estimular a industrialização, Rui autorizou uma política de crédito fácil e aumentou a emissão de moeda. A ausência de mecanismos de controle, somada à especulação financeira, gerou inflação, bolhas econômicas e perda de confiança no sistema bancário (Martins, 2020). O nome “encilhamento” remete à preparação de cavalos para uma corrida, numa metáfora ao entusiasmo exagerado que precedeu a crise. Diante do colapso econômico, o governo adotou medidas de austeridade. Em 1898, o ministro Joaquim Murtinho assumiu a pasta da Fazenda e conduziu um ajuste fiscal severo, conhecido como Funding Loan, que reestruturou a dívida externa e buscou restaurar a credibilidade do país frente aos credores internacionais (Szmrecsányi, 2000). As medidas incluíram contenção de gastos públicos, redução da base monetária e valorização do câmbio. Embora tenham estabilizado temporariamente a situação financeira, os efeitos sociais foram negativos: a economia entrou em recessão e o desemprego aumentou.
Quer conhecer mais sobre o encilhamento?
Durante a Primeira República, o Brasil manteve um regime de câmbio fixo vinculado ao ouro, embora frequentemente suspenso em momentos de crise. A política monetária do período era fortemente influenciada pelas exportações, especialmente do café. A quebra da Bolsa de Nova York em 1929 teve efeitos diretos sobre a economia brasileira e marcou o fim da adesão oficial ao padrão-ouro. Nesse contexto, o mil-réis permaneceu como moeda de curso forçado. Herdado do Império, ele foi mantido ao longo de todo o período republicano até 1942 (Brito, 2010).
Impacto da crise de 1929 na exportações brasileiras

A moeda passou por diversas mudanças institucionais e enfrentou flutuações constantes em relação a moedas estrangeiras, como a libra esterlina e o dólar. Essas oscilações estavam relacionadas a déficits fiscais, desequilíbrios no comércio exterior e choques externos. Buscando conter a instabilidade cambial, o governo criou em 1906 a Caixa de Conversão, uma instituição que visava manter a paridade do mil-réis com o ouro e dar previsibilidade ao sistema. No entanto, o mecanismo teve vida curta: a Primeira Guerra Mundial comprometeu o padrão-ouro global e expôs a fragilidade da moeda brasileira (Ribeiro; Falcão, 2012).
A substituição do Mil-Réis pelo Cruzeiro em 1942 e suas implicações econômicas
Durante o governo de Getúlio Vargas, em meio à Segunda Guerra Mundial, o Mil-Réis, moeda que circulava no Brasil desde o período imperial, iniciou um processo de esgotamento devido à inflação e à necessidade de modernização econômica (Sandoval, 2015). As circunstâncias impostas pela guerra exigiam que o Brasil desenvolvesse ajustes econômicos e estratégias financeiras robustas para estabilizar a economia nacional.esgotamento dos mil-réis durante a segunda guerra mundial
Esgotamento dos mil-réis durante a segunda guerra mundial

Formação do pensamento brasileiro moderno sobre a inflação: da Segunda Guerra Mundial à crise cambial (1939-1947)
Com o passar dos anos, a moeda passou por um processo de desvalorização, e sua perda de valor dificultava as transações cotidianas, pois eram necessárias quantias muito altas para compras comuns, o que tornava o sistema monetário muito complexo. Diante disso, em 1942, o Cruzeiro foi introduzido como uma medida estratégica para modernizar o sistema monetário, alinhar o país às práticas internacionais e facilitar as relações comerciais com outras nações. A decisão de substituir o Mil Réis pelo Cruzeiro não foi apenas uma questão técnica de mudança de cédulas e moedas; ela trouxe profundas implicações econômicas. O Cruzeiro foi introduzido com o objetivo de unificar e simplificar o sistema monetário, reduzir os índices inflacionários e dar ao Brasil uma moeda que refletisse a nova era de modernização e desenvolvimento econômico. Esse movimento também buscava integrar melhor a economia brasileira ao mercado internacional, que estava cada vez mais dinâmico. Por um momento, a nova moeda contribuiu para estabilizar a economia, servindo como uma base para políticas econômicas mais eficientes. No entanto, a transição trouxe desafios, como a necessidade de adaptação da população e do mercado à mudança. Além disso, questões como ajustes de preços e a atualização das contas financeiras precisaram ser resolvidas rapidamente para que a moeda pudesse cumprir seu propósito. A transição de moedas teve impacto não apenas na economia, mas também nas áreas sociais e políticas. O Cruzeiro tornou-se um símbolo do avanço rumo à modernização nacional, representando uma nova imagem do Brasil no cenário internacional. Essa mudança refletia o desejo do governo Vargas em promover o crescimento econômico e fortalecer a identidade de um país modernizado e industrializado, preparado para participar ativamente das trocas comerciais globais (Schmidtke, 2017).
Cruzeiro na Era Vargas (1942):


De um sistema monetário lastreado para um sistema fiduciário
A transição do sistema monetário brasileiro de um modelo lastreado para um sistema fiduciário foi um processo que não só redefiniu a estabilidade econômica do país, mas também mudou completamente a maneira como as pessoas enxergam o dinheiro.
O grande ponto de ruptura aconteceu em 1933, quando o governo instituiu o Decreto nº 23.501, eliminando a conversibilidade do papel-moeda em ouro e estabelecendo o curso forçado da moeda. Até então, o Brasil operava sob um sistema lastreado, onde cada unidade monetária emitida tinha um correspondente físico — tradicionalmente o ouro. Isso servia como um mecanismo de segurança, limitando a impressão desenfreada de dinheiro e garantindo que seu valor fosse estável. No entanto, o cenário global instável e os impactos da Crise de 1929 exigiam mudanças urgentes na estrutura econômica, e a rigidez do lastro passou a ser um obstáculo (Franco, 2017).
Em outro trecho de sua obra, Franco (2017) menciona que com essa mudança, o dinheiro passou a ser, essencialmente, uma criação estatal, sem vínculo direto com metais preciosos. O governo deixou de ser obrigado a converter suas notas em ouro e, inicialmente, também não se responsabilizou por proteger o poder de compra dessas cédulas — algo que só viria com o tempo, à medida que protocolos mais sólidos de política monetária e atuação do Banco Central fossem se desenvolvendo. A aceitação do dinheiro passou a ser imposta por lei, um conceito chamado de curso legal ou compulsório. O valor das cédulas deixou de ter qualquer relação direta com peso, medida ou outro ativo tangível e passou a ser influenciado por fatores como taxa cambial e inflação, sendo regulado muito mais por dinâmicas de mercado do que por alguma regra fixa.
Nos anos 40, o Brasil continuava sua transição para um sistema fiduciário. O Cruzeiro, introduzido nesse período, ainda era oficialmente lastreado em ouro, mas a rigidez dessa paridade cambial era cada vez mais incompatível com a realidade de uma economia emergente que buscava expansão e desenvolvimento. Além disso, os impactos da Segunda Guerra Mundial agravaram a necessidade de ajustes, e o país enfrentava uma realidade de inflação crescente e escassez de recursos (Serra, 1982). O lastro, que antes oferecia segurança, começou a ser visto como um entrave à capacidade de adaptação monetária.
A extinção da conversibilidade teve impactos diretos sobre credores e devedores, gerando perdas inesperadas para aqueles que mantinham contratos atrelados ao ouro. Além disso, três medidas fundamentais marcaram essa fase de transformação monetária: o curso compulsório, o regulamento de câmbio e a limitação das taxas de juros. Essas ações foram determinantes para moldar o sistema monetário brasileiro nos anos seguintes.
Mas os efeitos dessa transição não pararam por aí. Segundo Franco (2017), três grandes tendências começaram a se consolidar no novo modelo fiduciário:
- Inflacionismo: Com o fim do lastro, o governo passou a ter maior liberdade para imprimir dinheiro, criando o chamado imposto inflacionário, onde a perda de poder de compra da população virou uma forma indireta de tributação.
- Isolacionismo: A moeda nacional passou a ser utilizada de forma menos dependente de padrões globais, refletindo o contexto de desagregação e conflitos da época.
- “SeletivismoO termo “Seletivismo” aparece entre aspas para preservar a grafia original empregada pelo autor na obra de referência. Em sua obra, Franco (2017, p. 29) diz que o seletivismo se refere ao viés de seletividade no crédito e nos efeitos da inflação. Isso significa que, após 1933, a política monetária começou a ser usada não apenas para controlar a economia de forma ampla, mas também para direcionar seus efeitos conforme imperativos sociais e morais.”: A política monetária ganhou viés social, sendo usada para organizar os impactos econômicos da nova ordem.
Esses três pilares — inflação, isolamento e “seletivismo” — direcionaram a evolução das instituições monetárias e de crédito do país pelas décadas seguintes, moldando a maneira como o Brasil gerenciaria sua economia. A adoção do sistema fiduciário permitiu maior flexibilidade fiscal e ampliou o papel do Banco Central na regulação da oferta monetária, ajudando a estruturar políticas que, no futuro, resultaram em reformas como o Plano Real (Franco, 2017).
No fim das contas, o abandono do lastro foi uma resposta à necessidade de modernização. A migração para um sistema fiduciário representou uma aposta na credibilidade do Estado e na disciplina fiscal como fatores determinantes para a estabilidade monetária. Essa decisão definiu os rumos da economia brasileira e ajudou a criar a base do sistema financeiro que sustenta o país até hoje.
As sucessivas reformas monetárias ocorridas nesse período
O Brasil passou por seis reformas monetárias, conforme destacado pela CNN Brasil (2022) e pelo Banco Central do Brasil (2007):
Cruzeiro na Era Vargas (1942):


1967 – Cruzeiro Novo (Governo Castelo Branco – Regime Militar)


1970 – Cruzeiro (Governo Médici – Milagre Econômico)


1986 – Cruzado (Plano Cruzado – Governo Sarney)


1989 – Cruzado Novo (Plano Verão – Governo Sarney)


1990 – Cruzeiro (Plano Collor I – Governo Collor)
O nome Cruzeiro foi reintroduzido, acompanhado do confisco de poupanças e depósitos para reduzir a quantidade de moeda em circulação. Também houve congelamento de preços e salários e abertura econômica. A medida gerou pânico financeiro, recessão e aumento do desemprego. Apesar das intenções, a inflação permaneceu alta.
1991 – Cruzeiro (Plano Collor II – Governo Collor)
Houve nova tentativa de estabilização com um novo congelamento de preços, corte de gastos e ajustes fiscais. A inflação persistiu e a desconfiança popular agravou a crise política.


1993 – Cruzeiro Real (Plano de Transição – Governo Itamar Franco)
Criado para preparar o terreno para o Plano Real, o Cruzeiro Real foi acompanhado pela introdução da Unidade Real de Valor (URV), uma moeda virtual indexada ao dólar. A URV permitiu a correção de preços e contratos, ajudando na transição para o Real, que foi adotado em 1994 e estabilizou a economia brasileira.


A hiperinflação foi um desafio econômico na vida dos brasileiros entre 1980 e 1990. De acordo com Varaschin (2023), a inflação brasileira não se caracterizava apenas por sua intensidade, mas também por seu caráter estrutural e crônico, profundamente enraizado nas dinâmicas econômicas e sociais do país. Desde os anos 1980, observou-se uma aceleração persistente nos índices inflacionários, impactando diretamente a confiança na moeda nacional e dificultando a implementação de políticas econômicas eficazes por parte do Estado, gerando intensa instabilidade.
A alta descontrolada dos preços fazia com que os valores das mercadorias mudassem diariamente, resultando na perda do poder de compra da população e afetando tanto a economia familiar quanto a nacional. A elevada tributação e a constante desvalorização da moeda levavam os cidadãos a realizarem suas compras imediatamente após receberem seus salários, tornando inviável qualquer forma de poupança e dificultando o planejamento financeiro.
“A inflação, além de corroer o poder de compra, aumentava a desigualdade social, pois os mais pobres eram os mais afetados pela elevação contínua dos preços e tinham menos mecanismos de proteção.” (Barbosa, 2023, p. 120).
Ao analisarmos a história econômica do Brasil, nos anos antecedentes ao real é possível identificar os fatores que levaram a instabilidade financeira desse período. Desde a ditadura militar (1964-1985), o Brasil acumulou uma grande dívida externa, agravada por políticas econômicas instáveis e crises internacionais, como a do petróleo. Além disso, o governo gastava mais do que arrecadava, gerando um descontrole fiscal. Os preços e salários aumentavam automaticamente com a inflação, o que dificultava o controle e fazia tudo ficar mais caro o tempo todo.
A crise do petróleo em 1973 teve um impacto significativo na economia brasileira. O aumento dos preços do petróleo no mercado internacional teve um impacto negativo na balança comercial do Brasil, uma vez que o país era dependente da importação de petróleo. Isso resultou em problemas nas contas externas, um aumento na taxa de inflação e uma desaceleração da economia. Além disso, a crise do petróleo e a instabilidade econômica global levaram o Brasil a acumular cada vez mais dívidas. O país precisou contrair empréstimos para sustentar seu crescimento, resultando em um aumento significativo da dívida externa (Ribeiro, 2023, p. 10).
Figura 1: Impactos da crise do petróleo na economia Brasileira.

Fonte: Elaborado pelo autor com dados de MULTIVIX (2018)
Conheça a história da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), fundada em 1960: HISTÓRIA DA OPEP
Diversos planos econômicos foram implementados ao longo da história econômica do Brasil, na tentativa de conter a inflação e estabilizar a economia. No entanto, não conseguiram alcançar os resultados esperados, levando a um cenário de instabilidade financeira e busca contínua por soluções eficazes.
Com o fracasso dessas medidas, a instabilidade econômica e social retornou com mais força. O governo recorria frequentemente à emissão de moeda para financiar seus déficits, o que intensificava a inflação. “A ideia básica é que, num ambiente cronicamente inflacionário, os agentes econômicos desenvolvem um comportamento fortemente defensivo na formação de preços, o qual, em condições normais, consiste na tentativa de recompor o pico anterior de renda real no momento de cada reajuste periódico de preço.” (Varaschin, 2024, p. 5).
Essa prática aumentava a quantidade de dinheiro em circulação, sem que houvesse aumento correspondente na produção de bens e serviços, gerando um desequilíbrio na economia. O dinheiro deixou de ser considerado uma forma confiável de preservação de valor, o que impactou diretamente o poder de compra da população e ampliou a desigualdade social.

No início da década de 1990, a inflação mensal atingiu valores superiores a 80%. Na prática, isso significava que o poder de compra dos salários se reduzia quase à metade após 30 dias. Isso mesmo: o dinheiro necessário para a compra de 2 kg de carne, após 30 dias, só permitia a compra de pouco mais de 1 kg. O resultado dessa desvalorização acelerada da moeda era visto nos supermercados no começo de cada mês: famílias com carrinhos lotados e longas filas (Bacen, 2025).
A indexação da economia brasileira foi um mecanismo utilizado para reajustar automaticamente preços, salários e contratos com base na inflação passada. Inicialmente, os reajustes eram feitos com base em índices como o IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna) e o IPC (Índice de Preços ao Consumidor). Embora tenha sido criada para aumentar a capacidade financeira da população, essa prática acabou alimentando a inflação inercial. “Já durante a década de 1980, frente ao fenômeno da aceleração inflacionária, discorria-se sobre o comportamento dos preços internos, trazendo à tona um conceito central para o Plano Real, qual seja, a hipótese da inflação inercial” (Varaschin, 2024, p. 4). Esse fenômeno fazia com que os reajustes automáticos perpetuassem a alta dos preços, dificultando o controle da inflação.
As empresas foram consideravelmente impactadas pela instabilidade econômica, pois o mercado era imprevisível e o planejamento de longo prazo praticamente desapareceu. Para se protegerem do aumento da inflação, muitas organizações adotaram estratégias de curto prazo, limitando seu crescimento e contribuindo para a desaceleração econômica geral.
Para compreender em profundidade o impacto do Plano Real na economia e sociedade brasileira, assista ao documentário: “Plano Real: Muito além de uma moeda”, produzida pelo Instituto Livres: Documentário do Plano Real: Muito além de uma moeda #Real25Anos
