Ler é “coisa” de rico?

Ler é “coisa” de rico?

Summary

Estudante de jornalismo da Unicentro responde a pergunta através de crônica.

(Quizz no final do texto)

Segundo uma notícia da CNN Brasil de 2021, os livros poderiam perder isenção tributária por serem consumidos apenas pela “faixa” mais rica da população. Os dados vieram da Receita Federal, que ainda propôs a ideia de colocar um imposto sobre os livros de 12%. A ideia naquele momento era então focar em outras políticas públicas, no entanto, em 2022, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou isenção tributária para livros em vários formatos, fazendo com que os leitores pudessem ficar mais tranquilos. 

 

Mas, a frase dita anteriormente pela Receita Federal em formato de pesquisa, ainda permanece na mente de muitas pessoas. Inclusive de acordo com uma notícia da Folha de São Paulo de maio deste ano, o preço do papel aumentou 65% fazendo com que as editoras aumentassem ainda mais os preços dos livros. 

 

Então voltamos ao questionamento: ler é “coisa” de rico?

 

Bom, na verdade, não é o que mostra as pesquisas. A Editora Intrínseca em uma campanha feita na época da afirmação, a hashtag #DefendaOLivro, citou a pesquisa Retratos do Brasil que mostra que 46% das pessoas com renda familiar de menos de um salário mínimo são leitoras, o que vai contra o argumento de que somente quem tem dinheiro estaria lendo no país.

 

Mesmo com preços exorbitantes, jovens e adultos fazem o possível para comprar livros e ler, mesmo que isso signifique se endividar.

 

Pensando nisso e nos benefícios da leitura para o ser humano, é fato que o ato de ler não está somente nas faixas mais “ricas” do país, e nem deveria ser assim. Millena Ricardo, autora independente, estudante de jornalismo da Universidade Estadual do Centro-Oeste, respira livros e leitura, a mulher de 21 anos desenvolveu uma crônica em 2021 sobre o assunto, “Só os ricos lêem…” a discussão da estudante continua válida até os dias atuais.

 

E só os ricos leem… 

Millena Ricardo (Autora da crônica e do Frio da Meia Noite)

“Hoje me deparo com uma notícia bastante peculiar ao abrir os olhos e encarar as páginas do jornal. Livros apenas para ricos, diz a Receita Federal. Acordei assim, já sendo considerada da classe A, que loucura, até ontem eu espremia de um lado para sobrar de outro e hoje já acordo assim, com a surpresa de que recebo dez salários mínimos. 

Que bom seria se fosse verdade, pouparia muitas noites em claro e muitas faturas de cartão de crédito com livros que comprei durante o mês para, ao menos tentar, ler alguma coisa além de notícias trágicas e materiais didáticos ultrapassados. 

Essa foi a justificativa da Receita Federal ao comentar sobre a nova proposta de acabar com a isenção tributária dos livros. 

Não se pode mais morar, já que foi autorizado um aumento de 25% no início do ano para qualquer aluguel de imóvel. Não se pode mais comer, porque o quilo do feijão beira os 10 reais. Não se pode mais estudar porque o governo considera livros, artigos para rico. Afinal, para que mesmo estamos nos mantendo vivos então? 

Seria cômico se não fosse trágico. Dia após dia o que consideramos necessidades básicas vão ficando cada vez mais caras e o salário mínimo cada vez mais mínimo. 

Habite uma casa de três cômodos com sete pessoas, onde pelo menos quatro delas trabalham. Uma pagará o aluguel, a outra a comida, a outra as contas de luz, água e internet e se você tiver sorte o quarto salário pagará um livro ou dois e algumas peças de roupa para a família toda. Isso se ninguém precisar tomar remédio ou andar de transporte público durante o mês. Faça tudo andando, queime a energia que você nem ao menos consegue consumir, já que o arroz, o feijão e a carne estão a preço de ouro. 

Não tenha um animal de estimação pois a comida será sua ou dele. Cuide dos seus irmãos, limpe a casa, faça a comida e torça para que seus pais não percam o trabalho que já nem tem mais carteira assinada. 

O sebo do bairro está aberto, talvez esse mês dê pra comprar alguma fantasia maluca para distrair quando ninguém estiver precisando de você. Mas não esqueça! No final do dia, se tiver lhe sobrado qualquer força, abra um notebook velho que mal consegue se manter ligado e tente fazer algum trabalho da escola para não perder o ano. 

E no dia seguinte seja acordado com a notícia de que apenas os ricos leem, e o que já era caro poderá dobrar de valor. Ótimo, nem mesmo as distrações, que poderiam fazer aquela rotina perturbadora se apagarem, estão mais ao meu alcance. 

João Miguel, 13 anos, aluno do sexto ano do ensino fundamental de uma escola estadual qualquer no interior de Santa Catarina. Ele se apaixonou pela leitura na biblioteca da escola, mas lá não tem muito mais de 10 livros, alguns gibis e livros didáticos que ele até gostava, mas não o faziam viajar como as fantasias que encontrou por lá uma vez. João tem quatro irmãos, dois deles já largaram a escola para poder ajudar nas contas de casa, os outros dois são mais novos que ele e todos os dias quando chegam de suas devidas escolas é deles que ele precisa tomar conta. Sua mãe é diarista em várias casas granfinas, seu pai, pedreiro de bairro, os bicos que arruma mal pagam o aluguel. E seus irmãos tentam empregos em lojas, padarias, mercados ou qualquer lugar que ainda esteja contratando. E nem precisam pagar um salário mínimo inteiro, qualquer coisa que os forneça dinheiro é o suficiente para pagar uma despesa ou outra. 

O caminho para fazer a classe trabalhadora ler mais, e o governo lucrar ainda mais em cima de quem nem tem mais de onde tirar, é com certeza aumentar o preço dos livros em mais de 12% e falir o mercado editorial. Que ótimo plano.” 

 

As palavras de Millena continuam ainda mais cabíveis em 2022, mesmo com o cenário devidamente atualizado, a realidade brasileira continua difícil, a gasolina passando dos sete reais, o café beirando os vinte reais… Será que agora café também vai poder ser considerado “coisa” de rico? Ou isso só vale quando o assunto é a leitura? 

De qualquer forma, para descontrair o clima da reflexão acima, deixo um quizz somente para os leitores. 

https://pt.quizur.com/quiz/que-tipo-de-leitor-voce-e-PKcN 

 

Texto: João Devito

Crônica: Millena Ricardo

Edição: João Devito

 

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