Pegadas nos Ervais: a luta pelo sustento nas Terras do Paraná
Um fotodocumentário por: Emily França
A colheita da erva-mate nos dias de hoje representa muito mais do que uma atividade tradicional ou uma simples atividade agrícola. O Paraná se destaca como o maior produtor de erva-mate do Brasil, com 87,4% da produção nacional, segundo dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para muitas pessoas que vivem nas regiões produtoras, essa é a principal forma de trabalho e sua subsistência, garantindo seu sustento e o de suas famílias.
No entanto, é importante ressaltar que essa realidade da dependência da erva-mate, muitas vezes se limita apenas aos dias de colheita, deixando-os dependentes da safra para sobreviver durante o resto do ano. Acontece que a safra ideal, em que é possível produzir – e consequentemente colher mais – ocorre apenas no inverno.
As condições socioeconômicas dessas regiões paranaenses são afetadas diretamente pela sazonalidade da colheita da erva-mate. Durante o período de colheita, as famílias se mobilizam para trabalhar nas plantações, realizando a colheita manual e o processamento da erva. Esse é um trabalho árduo e exaustivo, que demanda muito esforço físico e dedicação. Ao mesmo tempo, é o período em que haverá pagamento pelo serviço prestado.
Quando a safra acaba e a colheita se torna escassa, essas famílias enfrentam grandes desafios para manter o sustento. A falta de opções de emprego e a falta de investimentos em outras atividades econômicas fazem com que moradores da microrregião de Guarapuava fiquem praticamente sem trabalho e vivam de forma precária durante o restante do ano. A realidade contribui para a perpetuação da pobreza na região, colocando-a entre as mais pobres do cinturão da pobreza paranaense. Prova disso é que, de acordo com o IBGE, em 2010, 46.3% da população do município do Pinhão tem rendimento nominal mensal per capita de até 1/2 salário mínimo.
A remuneração da colheita é pouca e cada centavo que aumenta no preço da arroba é uma conquista para os trabalhadores da erva-mate. Ao ser questionado sobre quanto recebiam, o ervateiro Erizor da Silva expressou sua satisfação com o aumento recente. “Aumentou o valor do arroba essa semana! Eu até marquei: subiu 20 centavos. Foi de R$2,50 pra R$2,70”, afirma.
A renda das famílias ervateiras também sofre outros impactos. Variações climáticas e problemas agrícolas impactam diretamente no sustento das famílias. Isso porque, se houver uma redução na quantidade de chuvas, por exemplo, a produção da erva mate pode ser completamente afetada, resultando em rendimentos menores e, consequentemente, menos recursos disponíveis para essas famílias.
Em contrapartida, se houver um aumento drástico na quantidade de chuvas, o problema será na locomoção dos ervateiros das suas residências até os ervais, já que a planta fica localizada em mata fechada, com estradas de terra de difícil acesso, que pioram com a chuva. “Na chuva, por causa do barro que faz nas estradas, o caminhão do patrão não chega nos ervais, ficamos sem ter como trabalhar”, lamenta Erizor da Silva.
Como explica o técnico de segurança Leandro França, além da má-remuneração e dos desafios climáticos, outro grande problema que os ervateiros enfrentam são as condições de trabalho precárias. “As situações de trabalho dos ervateiros é algo que deve ser mudado, isso porque eles não possuem carteira assinada. Sem carteira assinada, não possuem seguro-desemprego, férias e nem tão pouco auxílio doença caso sofram algum acidente de trabalho”.
Ao ser questionada sobre os perigos da colheita, a ervateira Aline Borges afirma que já se machucou enquanto trabalhava. “Às vezes acontece da gente se cortar com o facão, mas aí não tem o que fazer, ficamos em casa sem poder trabalhar”.
Sem alternativas de trabalho e sem acesso a outras formas de renda, essas comunidades ficam presas em um ciclo vicioso de pobreza e dependência da colheita da erva-mate, e é nos ervais onde as histórias dos ervateiros se entrelaçam.
Entre elas está a de Jacira Gonçalves. Uma mulher corajosa de 45 anos, natural no município de Pinhão e que carrega consigo os laços e as lembranças da sua terra natal. Há vinte anos, Jacira decidiu buscar uma vida melhor, longe dos ervais em que trabalhava, e foi em Santa Catarina que construiu sua família.
Porém, após enfrentar dificuldades no casamento e se divorciar de seu marido, Jacira percebeu que precisava voltar para o Paraná para estar mais próxima de seus pais já idosos, que enfrentam problemas de saúde. Ao retornar, Jacira se deparou com uma realidade desafiadora que conhecia muito bem. A falta de alternativas de trabalho levou Jacira novamente aos ervais em busca de uma renda para sustentar sua família. “O dinheiro da erva-mate não é muito, mas é o trabalho que tem aqui no Pinhão. O que me motiva é que estou perto dos meus pais que estão velhinhos”,
Jacira e seu namorado que ela conheceu na colheita, fecham um bag de erva-mate que encheram juntos. Esse processo faz parte da colheita da planta, que após ser colhida é armazenada em bags para facilitar o transporte. Apesar das dificuldades e do cansativo trabalho, ela carrega um sorriso no rosto enquanto está quebrando a erva.
Além de Jacira, outra mulher que também luta por seu sustento nos campos de erva-mate é Rosa Taquara, de 40 anos. Desde criança, aprendeu os passos do trabalho com seu pai e, assim como ele, nunca trabalhou com outra coisa além da colheita. No entanto, o que realmente motiva Rosa a continuar na colheita é mudar a vida da filha de 10 anos, quebrando o ciclo de pobreza de gerações. Seu sonho é que a pequena seja veterinária.
Rosa Taquara com um facão em sua mão utilizado para quebrar a erva-mate, perto do seu corpo está um bag que ela está enchendo junto com seu marido Lauro, ele não aparece na foto mas Rosa sorri em sua direção.
Com esse objetivo em mente, Rosa dedica-se à colheita da erva-mate. Ela trabalha incansavelmente, conhecendo cada detalhe desse ofício.
Homens e mulheres dividem os espaços e funções nos ervais. Lauro Taquara, 50 anos, desempenha um papel fundamental na pesagem do bag de erva-mate. Com a ajuda de uma balança e uma alavanca de madeira, segurada pelos ervateiros homens, ele executa a tarefa de pesagem dos bags de erva. Lauro é casado com Rosa Taquara, e eles se conheceram quando ainda eram jovens, trabalhando juntos na colheita da erva-mate.
Lauro lembra-se com gratidão dos tempos em que eles receberam o trabalho dos “Libras”, a família responsável pela plantação de erva-mate. Na época, ele ficou extremamente feliz por ter sido contratado para trabalhar nas terras dos Libras. No entanto, com o passar dos anos, percebeu uma realidade amarga: enquanto os donos dos ervais prosperavam e enriqueceram, os ervateiros continuavam vivendo na pobreza. “Trabalhei a vida inteira para os Libras, mas hoje eles estão ricos e a gente continua pobre”.