Mãos que curam: a fé que se conecta a natureza

Mãos que curam: a fé que se conecta a natureza

Um fotodocumentário por: Giovana Hössel

Nascida no dia sete de fevereiro de 1945, no município de Rebouças, interior do Paraná, Agda de Andrade Cavalheiro, benzedeira e cozedeira, teve contato desde pequena com a prática das benzeduras. Durante sua infância, seu pai, também benzedor, era quem recebia com todo carinho as pessoas da comunidade que iam até sua casa em busca de ajuda. Desde cedo, portanto, ela tinha um interesse particular em relação ao benzimento, diferente de suas irmãs. Sempre atenta às orações e ervas que seu pai usava para cada tipo de benzeção, logo ela aprendeu o que usar para cada tipo de problema e como preparar os medicamentos.

Apesar do contato precoce com a prática, Agda começou a benzer depois que completou 30 anos, quando permitiu outras benzedeiras mais experientes a ensinarem suas práticas de cura. Gostando cada vez mais da experiência, começou a ir em todos os benzedores que conhecia para aprender novos benzimentos.

Mais tarde, entrou para o Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA), Grupo de benzedeiras e benzedores que tem polos no Brasil inteiro e que se reúne para compartilhar suas experiências e trocar informações. No grupo, aprendeu ainda mais coisas e decidiu se dedicar totalmente a isso. Lutando contra o preconceito que as benzedeiras sofriam para realizar suas práticas, ela assumiu a coordenação do movimento e começou a lutar para que o grupo conseguisse um reconhecimento do em forma de lei, que garantisse a prática como algo real.

Ao relatar sobre os preconceitos que sofreu, conta um episódio marcante. Durante uma reunião do movimento, um padre invadiu o local onde o encontro estava sendo realizado e expulsou as pessoas presentes com insultos, argumentando que o que estavam fazendo estava em desacordo com as crenças religiosas, declarando que não era algo alinhado com os princípios divinos. “O padre queria surrar as Benzedeiras, atropelou do Pavilhão da igreja, onde era realizado os encontros”, disse .

Após o momento de incredulidade, o movimento intensificou seus esforços para buscar uma lei que os protegesse. Em 2010, o município de Rebouças reconheceu os conhecimentos tradicionais exercidos pelos Detentores dos Ofícios Tradicionais de saúde popular, os benzedores, por meio da criação da lei número 1401/2010.

Antes de começar a benzer o homem que a esperava, dona Agda foi buscar o seu principal instrumento, seu rosário. O objeto posto junto aos santos em seu altar simboliza a conexão entre ela e Deus, que é o responsável por curar as pessoas, segundo ela.

“Quem cura é Deus, a gente só faz o pedido e ele dá a graça é por isso que não podemos cobrar para fazer isso”.

Do outro lado da pequena cidade, com apenas cerca de 15 mil habitantes, Ana Maria dos Santos compartilha sua rotina cansativa, intercalando sua vida pessoal com o cargo de presidente das benzedeiras do município. Sempre viajando para palestrar e ensinar outras pessoas sobre sua experiência, seu trabalho como dona de casa é deixado de lado, pois para ela o movimento é mais importante, e somente passando essa tradição para a próxima geração será possível manter todo o conhecimento adquirido ao longo de séculos ainda vivo.

A benzedeira de 57 anos demonstra preocupação quanto ao futuro do movimento no município. A falta de interesse dos jovens em aprender as práticas causam uma desesperança na mulher, que é a mais jovem participante do grupo na cidade. Buscando entender o problema, ela cita a tecnologia como principal causa para o afastamento dos jovens. “Precisa fazer cursos pra conseguir aprender tudo que é preciso, pra que serve cada remédio, cada oração! Nós precisamos passar credibilidade pras pessoas, se não elas deixam de nos procurar. Mas os jovens não têm interesse, preferem ficar no celular”.

Além dos benzimentos que realiza e dos compromissos como presidente do movimento, Ana Maria também tem a função de protetora da natureza. Ela luta pela preservação das nascentes de água do município, principalmente os olhos D’ Água do monge São João Maria. Essas nascentes são consideradas sagradas pelas benzedeiras. Tradicionalmente, o monge que passou pela região entre os séculos XIX e XX também fazia práticas de cura e utilizava a água das nascentes para benzer. Quando ele seguia seu caminho a água desse local continuava com poder de cura e até os dias atuais as pessoas bebem dessa água que popularmente tem um poder curativo e as benzedeiras a utilizam para fazer seus benzimentos.

No ano de 2017 junto ao movimento, Ana conseguiu a criação de um parque ambiental que leva o nome do monge pela Lei nº 2042/2017 do município de Rebouças que reconhece o parque ambiental São João Maria como área de preservação. “Na natureza é onde está o maior poder de cura. Se você estiver nervoso ou ansioso, pode caminhar um pouco no mato! Abraçar uma árvore com fé e pedir a Deus por cura. Quando você sair de lá, já se sentirá melhor.” A benzedeira explica que a mata possui uma energia com um poder calmante. É de lá que vêm as ervas medicinais que ela utiliza e faz questão de passear sempre que pode no local para renovar suas energias.

Para chamar a atenção dos jovens para essa herança cultural, Ana compõe músicas que contam a história das benzedeiras e como a natureza faz parte dessa cultura, destacando a importância de preservar essa tradição. “Nós trabalhamos para resgatar a cultura de fé. Antigamente, as pessoas faziam o terno, participavam de procissões e tinham igrejas espalhadas nas comunidades, e as pessoas acreditavam. Agora, as pessoas não pedem nem a benção dos pais e avós mais”.

“A importância das benzedeiras é que a gente faz o bem pras pessoas” A frase dita pela benzedeira Glória revela um dos maiores motivos do grupo continuar com a prática: fazer o bem!

Iniciando aos 25 anos, ela carrega consigo um tesouro cultural. Retratando a prática da benzedura como algo divino em sua vida, a idosa revela que, enquanto tiver condições, continuará a ajudar as pessoas com seu dom. Praticamente todos os dias, ela recebe em sua casa pessoas de outras cidades que a procuram pelos mais diversos motivos. Ela revela que os benzimentos que mais faz são para crianças com vermes, casos de susto e costurar lacerações.

Os remédios que oferece a seus pacientes são retirados de sua própria horta e não têm custo algum. A senhora afirma que recusa qualquer pagamento em dinheiro e que a única coisa que pede em troca é que as pessoas rezem por ela, para que ela viva bastante e consiga continuar a benzer.

Apesar de todos os desafios que ainda enfrentam, essas mulheres lutam com todas as suas forças para manter suas tradições e ajudar uma comunidade onde o acesso a médicos ainda é limitado. Hoje, com todas as mudanças sociais, as benzedeiras, em sua maioria idosas, continuam a sentir medo de que suas tradições se percam em um futuro próximo. Sem incentivo por parte do governo ou da mídia, as práticas estão se tornando cada vez mais escassas, sendo quase inexistentes nas grandes cidades, enquanto em municípios como Rebouças, elas resistem ao máximo que conseguem.

A persistência delas é admirável, pois elas desempenham um papel vital na saúde e bem-estar de suas comunidades, fornecendo cuidados quando as opções médicas convencionais são limitadas ou não têm o efeito esperado. O município de Rebouças tem hoje aproximadamente 170 benzedeiras registradas, porém Ana Maria acredita que menos de 100 ainda realizam a prática, número que diminuiu muito nos últimos anos. As causas dessa diminuição foram a morte de muitas benzedeiras que já eram idosas e também o abandono da prática por causa da sua desvalorização.

Dona Glória explica a diferença dos benzedores para os curadores. “Os curadores geralmente cobram por seus serviços, pois utilizam remédios comprados, como pomadas e outros medicamentos. Além disso, utilizam a prática como profissão e não são amparados pela Lei. Já nós benzedeiras não devemos cobrar pelos benzimentos, pois quem cura não somos nós e sim Deus e por isso a lei fala que não devemos cobrar, então fazemos isso porque é um dom e gostamos”.

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