A pedagogia pela construção de histórias

A pedagogia pela construção de histórias

Summary

Professores e alunos encontram no RPG uma nova forma de abordar matérias acadêmicas.

Papel, lápis, um conjunto de dados e imaginação. Essas são as únicas peças essenciais para o RPG (“Role-Playing Game”), traduzido no Brasil para “jogo de representação de papéis”. Desde a publicação de “Dungeons & Dragons” em 1974, o primeiro do gênero, o RPG ensina narrativa, solução de problemas e colaboração a pessoas de todas as idades. Claro, por estar presente em um contexto de fantasia, acompanhado de vampiros e dragões, o potencial pedagógico e educativo do jogo é por muitas vezes subestimado ou mal compreendido. Um dos estigmas remanescentes do preconceito que por décadas cercou os jogadores e a cultura nerd como um todo.

Mas o que é de fato o RPG?

É um termo usado para classificar jogos de criação de histórias e personagens. Ainda que tenham diferentes regras, a proposta se mantém a mesma: um conjunto de jogadores se reúne para encenar uma trama, utilizando de lógica e um conjunto de dados para determinar os desfechos das ações. E, assim como em uma performance teatral, há atores, que vestem as personagens, e um diretor, o mestre.

Diferente dos demais jogadores, o mestre tem a responsabilidade de criar e narrar a aventura, além de interpretar as regras. É a função mais importante e difícil, já que o mestre precisa engajar o grupo em um contexto imaginário, estimulando emoções sem a necessidade de um vencedor ou perdedor.

Os objetivos são enriquecer a história e entreter os participantes. Esse é o elemento que torna o RPG universal: é um jogo construído sob a proposta de contar histórias. Pela natureza fluida dos sistemas, um conto narrado por um mestre é mais interativo do que o escrito pelo autor. Já os jogadores possuem uma imersão maior que leitores, ao ponto que podem ativamente participar das decisões das personagens.

 

A fantasia na realidade brasileira

Recontextualizar “o faz de conta” para as salas de aula pode ser muito vantajoso tanto aos professores quanto aos alunos. Por um lado, oferece uma forma de disseminar informações de maneira leve e divertida, beneficiando o aluno pelo entendimento da matéria através do desempenho no jogo.

Por outro, é uma ferramenta social poderosa, já que a colaboração é necessária para o desenvolvimento harmonioso da narrativa. Ainda que não seja numeroso nas pesquisas pedagógicas, educadores de diversas áreas já colocaram em prática atividades envolvendo o RPG. Enquanto a interatividade é pauta na educação, a “representação de papéis” é uma metodologia atrativa para o aluno sem a necessidade de tecnologia.

O Professor Rodolfo Grande Neto, Mestre em História, é um dos adeptos à estratégia. Amante do RPG desde muito novo, o educador vê no jogo interativo uma forma de trabalhar em sala as grandes narrativas da História: As Guerras Mundiais e a formação do Brasil.

“O nosso jogo base foi relacionado ao ‘Quilombo dos Palmares’, uma história pronta popular na internet; era sobre um grupo de escravizados querendo libertar o Zumbi”, disse Grande.

A aventura explorava um período pouco conhecido na vida do mártir. “Nosso estudo histórico era apresentar esses aspectos da escravidão: a escravocracia e o próprio Zumbi, para que as pessoas possam entender essa realidade”, continua o professor. Muitos dos colegas compartilharam do interesse.

Em 2013, formou-se um grupo entre os professores da Unicentro para o RPG educacional. Representantes de diferentes cursos se reuniram por anos para debater e estudar as aplicações do jogo, seja no ensino médio ou superior. “Nós trouxemos nossas experiências de sala para a pesquisa, conforme amadurecemos nas nossas discussões e criamos nossos próprios jogos, todo mundo ali sentiu vontade de aplicar nas aulas”, afirma Grande.

O grupo RPG na educação visitou cidades da região para apresentar a metodologia aos professores das escolas públicas, onde profissionais do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional) foram convidados a participar dos jogos e das discussões. Ainda mais importante, foi a recepção dos alunos. A interatividade torna o estudante mais presente na produção de conteúdo, uma forma melhor de estabelecer debates contemporâneos. Entre as estratégias encontradas pelo grupo foi conceber sistemas simples para que mesmo professores leigos ao RPG conseguissem guiar os alunos em tramas que aprofundassem múltiplas disciplinas acadêmicas. A metodologia também foi compartilhada em oficinas durante as Semanas Acadêmicas.

Um aspecto fundamental da utilização do RPG em sala de aula, segundo o grupo, é a visão do jogo com uma ferramenta de apoio. Conceitos como a grade proposta no Novo Ensino Médio, estabelecem a interpretação de papéis como uma disciplina. De acordo com o grupo de estudos, o RPG não é um substituto para matérias tradicionais. Em prática, pode ser um catalisador para o entendimento do aluno, mas apenas quando acompanhado de aulas e do aval do professor. A medida do Novo Ensino Médio, ameaça o potencial pedagógico do jogo e aumenta a rejeição e estigma por parte dos educadores.

Atualmente, o RPG se encontra no ápice da popularidade, por influência da cultura pop. Alunos podem hoje ter a oportunidade de trabalhar a interpretação do personagem de uma forma inédita. Vinicius Dallabona, graduado em comunicação pela Unicentro, foi um dos estudantes que usou do “faz de conta com regras” para trabalhar teses da área que estudava. Além de servir a um propósito educacional, o mais importante era contextualizar um jogador dentro da época estudada, o Brasil Imperial.

Vinicius trabalhou em um conjunto de regras para adaptar “Dungeons & Dragons”, ainda o RPG mais popular, ao período nacional. O trabalho experimental também estimula a cultura do jogo fora do cenário anglo-saxão. Por estar centrado no público norte-americano e europeu, fãs brasileiros do RPG são submetidos a uma realidade distante e estrangeira. No projeto de Dallabona, o folclore nacional e os brasileiros da época tomam o lugar das fantasias tradicionais: “eu queria criar um RPG brasileiro, que é no final do dia, uma mídia de comunicação em massa”.

Assim, o RPG pode acompanhar alunos por todo mundo, além das fronteiras das escolas e faculdades. É uma comunicação em massa que convida novos participantes a interagirem e criarem novas histórias. Não há limites ao RPG, da mesma forma que não há limites à imaginação.

 

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