Atrás das telas: o poder dos influenciadores digitais
A influência está diretamente associada ao poder, para alguns pesquisadores como John French e Bertran Raven a influência pode ser definida como uma “mudança psicológica”, isso inclui mudanças em opiniões, atitudes, objetivos, necessidades, valores, assim como em outros aspectos do campo da psique humana. Ao pesquisar sobre influenciadores digitais, questionei-me acerca do poder que eles exercem no público ao influenciá-lo, e por quais razões estes aceitam com receptividade o conteúdo proporcionado pelos influenciadores.
Existem alguns tipos de “Influência Interpessoal”, ao analisar, conclui que os influencers se encaixam na categoria “Influência direta”, ou seja, eles declaram abertamente qual é seu estilo de vida, suas virtudes e principalmente, suas ações publicitárias, onde sugerem produtos ao público por meio de “publis” patrocinadas por marcas, lojas e afins. Já as razões para que exista esse poder de influência podem ser determinadas por algumas características como: autoridade, carisma, liderança, beleza, atração pessoal, entre outros.
Os fatores citados acima são determinantes no grau de influência, da mesma maneira que a proximidade exerce papel crucial para efetivar a influência, quanto mais próximo o indivíduo sente que está do influenciador, maior o grau de “mudança psicológica”, isto é, quando o público passa a acompanhar por completo a vida de alguém, é estabelecido um vínculo, e mesmo que este seja superficial, a tendência de aceitar e/ou consumir as indicações do influenciador se torna muito maior.
Por outro lado, o excesso de exposição causa consequências tanto para o público, quanto para o influenciador. O Discurso de Ódio, é o primeiro problema evidente, conviver com haters e ataques diariamente causa danos psicológicos aos influenciadores, podendo acarretar em quadros de depressão, ansiedade e até mesmo situações irreversíveis. Para o público, são apresentados padrões de beleza inalcançáveis, vidas supostamente perfeitas, incentivo ao consumismo, deturpação de ideais e valores, alienação, entre diversos outros fatores, tudo isso disponível na palma da mão. A influência no mundo publicitário não é algo totalmente novo, há algumas décadas já era possível encontrar exemplos de influenciadores que contribuíram para a construção da imagem de marcas e lojas que trilham diariamente o caminho até as telas de celulares.
A história da influência surge décadas atrás devido a competitividade entre as indústrias, um dos primeiros registros históricos de propagandas que usam a imagem de uma pessoa para promover seu produto é da ex-escrava Nancy Green que estampou a embalagem uma marca de ingredientes para panquecas (Aunt Jemima) lançada em 1890. Essa estratégia de divulgação não só foi um sucesso como tornou a mulher a porta-voz da empresa. A ação, exemplo de case de sucesso, abriu o caminho para que pessoas famosas e até mesmo personagens fictícios se tornassem o rosto da empresa a qual estavam vinculados. Alguns anos depois, a influência tornou-se um termo comum nos estudos sobre o mercado publicitário e o comportamento do consumidor, com a chegada da televisão os rostos atraentes de personalidades passaram a atingir um público muito maior, chegando até mesmo em níveis mundiais, algo inédito até esse momento da história.
A chegada das redes sociais impactou ainda mais esse cenário, pela primeira vez o poder de influência passa a ser “descentralizado”, ou seja, pessoas que antes eram anônimas, passam a exercer o papel de influenciadores locais, nacionais ou até mesmo internacionais. Esse fenômeno foi possível pelo alcance gerado pela internet, que atinge o público de maneira mais eficaz que a televisão. “Eu sempre trabalhei com vídeos e mídia porque escolhi cursar jornalismo, quando era adolescente eu já fazia propaganda para TV (…). Na internet começou a tomar uma proporção muito maior, eu fui ganhando mais seguidores, começou a ter mais gente que gostava de mim, é muito legal, o carinho das pessoas e também a responsabilidade que a gente tem de entender que está afetando e influenciando a vida de muitas pessoas” relata a influenciadora Kryssia Kosmos (@kryssiakosmos), de 27 anos, que possui 40,6 mil seguidores na rede social Instagram.
Os influenciadores digitais tornaram-se referência ao exercer a função de profissionais formadores de opiniões. Uma pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência apresenta dados que comprovam o poder exercido por eles: cerca de 52% dos brasileiros seguem pelo menos um digital influencer. Já quando questionados se costumam comprar produtos e serviços indicados pelos influenciadores, 50% dos internautas entrevistados responderam positivamente, os itens que foram mais citados são: roupas (26%), maquiagem (24%), comida (23%), eletrônicos (21%), perfume (19%) e sapatos (17%). Conteúdo com informação relevante, ideias e pensamentos parecidos com os meus, interagir com os seguidores e compartilhar ideias sem impor como verdade foram as razões mais relatadas com relação aos motivos para seguir os influencers. Esses dados demonstram de forma real a ação publicitária dos influenciadores dentro das casas, agora não é mais necessário ligar a televisão para receber o anúncio de uma loja ou marca, basta conectar-se às redes.
Com a chegada da pandemia e o isolamento social obrigatório, profissionais de diversas áreas passaram a interagir com seu público utilizando a internet como método de trabalho. “Na verdade, essa parte de influência caiu na minha vida meio que de uma forma 100% despretensiosa, porque nunca foi a minha intenção. Meu objetivo sempre foi trabalhar com maquiagem, e por conta disso estar muito ligado também ao mundo da internet, eu comecei a usar a ferramenta do Instagram com bastante frequência, e não necessariamente anunciar algumas marcas ou coisas que pudesse me trazer esse retorno como influenciadora. Na pandemia, foi quando eu consegui crescer bastante no Instagram, porque eu tinha mais tempo e eu comecei a trabalhar com a internet e de fato como influenciadora” conta a maquiadora e influenciadora Nátali Domingues (@natalidominguesmkp) que passou a trabalhar como digital influencer em sua cidade e possui 14,1 mil seguidores em seu Instagram.
Porém, neste mesmo cenário do início da jornada na internet, também surgem as dificuldades de trabalhar utilizando as redes sociais. “O Instagram consome uma grande parte da sua vida, mexe bastante com a tua cabeça se você não tiver bem definido o que que você espera dele, porque é uma plataforma que visa lucro, então tem as métricas de engajamento, ele entrega só o que ele quer entregar, isso é muito maluco porque você pode fazer um trabalho impecável, pode ter passado horas planejando um conteúdo para de alguma forma ajudar as pessoas, e ele não vai entregar. Um exemplo bem claro é que no meu Instagram quando eu posto sobre a minha vida pessoal, tem uma entrega absurda e quando eu posto sobre o meu trabalho a entrega reduz mais de 50%.” conta a maquiadora quando questionada sobre as principais adversidades vivenciadas ao produzir conteúdo para o mundo digital.
Já para Simone Adams (@si.joganomundo), fotógrafa, que possui uma conta dedicada a conteúdos relacionados a viagens com 11,7 mil seguidores, a exposição demasiada gerou consequências negativas em alguns aspectos de sua vida” já teve algumas vezes que eu publiquei lugares que eu estava na hora e apareceram homens puxando assunto comigo, tinham visto no Instagram, e a partir disso nunca mais publiquei algo no momento em que estava no local, eu tomo muito cuidado com isso, inclusive aconteceu em cidades que eu não conhecia.” relatou a influencer.
Além disso, ela também pontuou a questão estética da vida nas telas: “Uma consequência negativa é a questão do corpo feminino, eu parei de seguir todos os influenciadores que tem questões de estética, porque isso me influenciava muito a julgar o meu próprio corpo e então eu ficava consumindo aquilo todos os dias e me fazia muito mal.” disse a fotógrafa ao relatar uma experiência pessoal.
A responsabilidade social ao influenciar as pessoas é um fator polêmico no mundo digital, afinal, quanto mais seguidores, maior seu nível de impacto social e por consequência, maior o compromisso com a influência responsável. Quando questionada sobre esse assunto, Simone comentou sobre algumas de suas medidas para com seu público: “Como eu falo sobre conteúdo de viagem, uma coisa que chega até mim são muitas meninas querendo viajar sozinhas, e o que tento de todas as formas é explicar como é, dar dicas de segurança, incentivar a viajar para as cidades que elas já conhecem, não beber e sair sozinhas, pois infelizmente é muito perigoso no Brasil. Eu pego todas as informações que tenho e tento cuidar desse público que em geral é feminino.” Para a influenciadora, cuidar do público e alertar sobre os riscos é um fator fundamental para a segurança feminina, ela sente-se responsável por cada seguidora.
Para encaixar-se nas novas tendências, profissionais de diversos nichos estão produzindo conteúdo para as redes sociais, este é o caso de Héron Teixeira (@vida.de.maromba), Personal Trainer que possui cerca de 77,2 mil seguidores em seu Instagram, ele comentou sobre a responsabilidade de influenciar pessoas quando a temática é saúde: “A minha área é relacionada com a parte da alimentação, emagrecimento, e outros objetivos da parte estética, principalmente a parte do emagrecimento que é perigoso, porque as pessoas tentam fazer qualquer coisa para emagrecer rápido, às vezes veem dietas malucas que não tem nenhum conceito, não tem estudo (…) as pessoas fazem algo que viram na internet, algo que às vezes foi um influenciador passou, e para você poder passar esse conteúdo com mais propriedade é necessário ter uma formação adequada”. O profissional alertou sobre a consciência do público ao consumir conteúdo relacionado a saúde nas redes sociais.
Para Maicon Ferreira de Souza, professor de Comunicação Social, Jornalismo e Publicidade e Propaganda, os digitais influencers desempenham um papel semelhante ao que é tradicionalmente realizado na publicidade: “Na publicidade em geral se mostra um mundo dos sonhos, então quando os influenciadores divulgam algo, eles vão criar um mundo perfeito e que esse mundo só é assim porque tem aquele produto, naquele momento e daquela forma”.
Ele também alerta que o público que consome conteúdo dos digitais influencers deve ter consciência com relação aos produtos, marcas e lojas expostos nas famosas “#publis”: “É importante que quem está do outro lado da tela saiba que trata-se de uma publicidade, o consumidor deve ter o discernimento para ver se aquilo é importante para ele”. Vale ressaltar que o CONAR (Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária) possui regras específicas para a sinalização de conteúdos comerciais que os influenciadores postam em suas redes.
A maquiadora Maria Fernanda Sebrenski, 19 anos, acompanha influenciadores nas redes sociais e contou sua experiência sobre o tema: “Eu sigo alguns influenciadores, os principais motivos que me fazem seguir pessoas famosas é quando algo viraliza sobre a vida delas. Porém, quem nunca se decepcionou com uma figura pública, não é? A grande maioria veste uma “máscara” para aparecer em seus stories, e nós seguidores acreditamos. Mas ninguém segura uma máscara por tanto tempo”.
Além disso, ela comentou sobre a representatividade nas redes e sobre as publicações comerciais: “Eu raramente me sinto representada pelos influencers que acompanho, é uma realidade muito diferente, já comprei alguns produtos que vi em publicações, eles eram bons, mas há outros melhores no mercado ou que fazem a mesma função e saem muito mais em conta”. Para ela, um influenciador deve ser sincero nas suas ações publicitárias ao mostrar a eficácia de determinado produto que está sendo utilizado.
É evidente que a chegada das redes sociais acentuou o potencial dos influenciadores digitais e com isso milhares de pessoas passaram a ser impactadas e levadas a consumir diariamente diversos produtos e propagandas que recebem por meio desses profissionais nas redes sociais. A pandemia acentuou esse processo e promoveu pessoas, que antes eram anônimas, em símbolos de poder e influência. A exposição gerada nesses meios acaba sendo cruel para ambas as partes e não há controle bem definido sobre as relações de consumo fomentadas neste ambiente.
A influência é perigosa, e se não for usada adequadamente, pode gerar transtornos inimagináveis. A tendência é que esse movimento de influência permaneça consolidado na sociedade nos próximos anos, nesse cenário, a importância da responsabilidade social dos influenciadores é necessária não apenas com relação a questões comerciais e econômicas, mas também sobre o poder exercido nas diversas faces da influência interpessoal.
Texto: Chelsea Brito
Edição: Anelize Pina Marques