Orgulho, diversidade e páginas coloridas

Orgulho, diversidade e páginas coloridas

Summary

Escritores regionais LGBTQIAP+ ocupam espaços literários e criam possibilidades de representatividade para a comunidade

É possível estabelecer uma conexão simbólica entre as variações da sigla LGBTQIAP+ e a própria minoria representada por ela e suas transformações, identificações e processos sociais.

Torna-se cada vez mais importante e pertinente abordar a temática da diversidade em todos os âmbitos da sociedade, já que essas pessoas estão em todos os lugares e ocupam vários setores, e um deles é a literatura regional.

A diversidade sexual sempre esteve presente na literatura brasileira através de seus escritores, como por exemplo, o clássico Macunaíma (1928), escrito por Mário de Andrade, pioneiro da poesia modernista no Brasil, ou com o livro de contos Morangos Mofados (1982), de Caio Fernando Abreu, que produziu também Onde Andará Dulce Veiga. Este último trata especificamente da homossexualidade e em 2008 inspirou um filme. Outras produções também criadas por escritores da comunidade LGBTQIA+ são Casa-Grande&Senzala (1933), de Gilberto Freyre, Copacabana Posto 6 – A Madrasta (1972) e Eu Sou Uma Lésbica (1979) produzidas e publicadas durante o regime militar no Brasil, pela escritora Cassandra Rios, que buscava um sentido de militância e a quebra de tabus voltados para as mulheres e comunidade LGBTQIAP+ da época.

As metáforas são presentes nas bandeiras levantadas pelo grupo que luta diariamente contra o preconceito e a lgbtfobia, usando o que há de mais rico dentro da figura de linguagem, que transfere o significado do que quer ser dito para uma comparação que seja digerida por aqueles que não estão familiarizados com a causa.

Dessa forma, a literatura serviu para Eric Abreu Rudnik, homem trans, natural de Ponta Grossa/PR, que aos 25 anos usou de uma poesia de sua autoria para se assumir transgênero publicamente em uma rede social.

As tecnologias estão muito presentes no meio literário, com diversas plataformas para que os autores possam divulgar as suas obras. No caso de Eric, o uso das redes sociais faz com que ele consiga mostrar ao público suas produções através das postagens em seu perfil do Facebook. 

Além disso, o jovem escritor relata que teve contato com uma leitura que o auxiliou neste processo de autoconhecimento e a sugere também para as pessoas que enfrentam a mesma situação que ele passou.

“O livro Algum Dia, em que o autor retrata a história de um personagem sem corpo, que a cada dia acorda em um corpo diferente, e vive diversas formas de amor, isso para mim representa essa parte LGBT, e foi um livro que me ajudou muito na minha adolescência”, conta Eric.

O autor da obra é David Levithan, escritor norte-americano de enredos infanto-juvenis, que se tornou referência de conteúdos ousados para jovens e adultos. Nesse sentido, Eric completa:

“Eu acho que é muito importante, principalmente quando você é jovem, encontrar personagens e escritores LGBT, que você se identifique para ver que não está sozinho nesse meio […] porque infelizmente a gente ainda vive em um mundo em que existe muito preconceito, exclusão, estigma. Encontrar-se na literatura é importante para a identificação do jovem e do adulto, pois muitos acabam por se descobrir na fase da maturidade”, conclui o escritor.

Shirley Vitoria Segato, 22, uma mulher cisgênero, paulista que atualmente mora na cidade de Ponta Grossa, encontrou na literatura produções que a inspirasse a se identificar como bissexual e posteriormente também a escrever textos de sua própria autoria, que reafirmassem suas posições e pensamentos ativistas, para expressar suas opiniões. 

“É super importante ter representatividade LGBTQIAP+ em livros, artigos […] para ajudar as pessoas a se sentirem bem sendo elas mesmas, para saber que não estão sozinhas, entenderem-se, identificarem-se […]”, afirma Shirley, que mantém suas produções ainda restritas, mas possui um projeto de publicá-las.

Nos corredores das universidades transitam pessoas de diferentes culturas, lugares, etnias e também de diversas identificações de gênero e orientação sexual. 

Nesse sentido, nem todos da comunidade LGBTQIAP+ transparecem fisicamente a sua personalidade, sendo corriqueiramente invisibilizados, ou ainda aqueles que de alguma forma são lidos como parte da comunidade são vítimas do preconceito. 

João Paulo Falavinha Marcon, 39, curitibano que atualmente mora em Guarapuava, é professor do curso de Direito no Centro Universitário Campo Real, onde ministra a disciplina que interpela a área do Processo Civil, onde sempre busca abordar com os seus alunos a importância de se formar advogados preocupados com os direitos humanos e que estejam também preparados para lidar com a legislação, no que tange a questão de direitos de casais homoafetivos ou situações que contornam o cenário LGBTQIAP+. 

“Busco tratar das questões que envolvem o gênero e a sexualidade de uma forma natural e tranquila, contextualizando exemplos que gerem a quebra de estereótipo, onde mostra que muita coisa é mentira, que não condiz com a realidade, é pura discriminação e puro preconceito”, relata o professor.

João Paulo contempla-se pela letra G da sigla e conta que por mais que seus alunos identifiquem sua orientação sexual isso não gera conflitos. Pelo contrário, naturaliza a orientação, criando também uma nova forma de leitura da comunidade por parte dos acadêmicos. 

“Talvez ter um professor gay na frente deles ajuda, porque vêem que sou um homem que tá ali na frente explicando um conteúdo e querendo ensinar. Qual é a ameaça que eu ofereço e qual o risco que eles sofrem comigo em sala de aula como professor? Isso faz eles repensarem algumas coisas”, conclui.

Além do trabalho que Falavinha realiza dentro da sala de aula, escreveu também um livro em 2018, que foi inspirado em sua pesquisa de mestrado, tendo como título, A África do Sul na Política Externa do Governo Lula: Qual a Sua Importância?, que está disponível para compra em um site na internet. 

Nesse sentido, as produções acadêmicas são uma grande contribuição de conhecimento para as pessoas que buscam informações, e também para os grupos que procuram identificação. Para isso, o professor tem projeto de uma nova publicação, focada em uma de suas áreas de especialização voltada para o Direito Internacional dos Direitos Humanos. 

Dessa forma, João Paulo defende a importância das produções literárias para o universo LGBTQIAP+. 

“É fundamental, essencial e necessário para mostrar a representatividade e a identificação que a pessoa vai ter com a leitura que ela está fazendo […] eu acredito no poder do conhecimento, e acho que a informação e o entendimento das coisas nos empoderam. A gente consegue ser uma pessoa mais empoderada e mais forte, quando entende o que está acontecendo e tem argumentos para se impor”, relata o professor, acrescentando que, “eu não tive isso quando era criança ou adolescente e vejo que hoje muitas pessoas têm e isso reduz o estágio de sofrimento que as pessoas da minha geração sofreram”. 

Falavinha também participa de ONGs que atuam na defesa de direitos humanos e da cidadania da comunidade LGBTQIAP+, que prestam assessoria jurídica e orientações às pessoas que necessitam de acolhimento, bem como espaço para atuação voluntária, no sentido de fortalecer o movimento que busca igualdade social e apoia aqueles que se sentem desamparados. 

“É preciso dar publicidade para todos os âmbitos desta área, pois não podemos ficar como um grupo fechado no porão. Já ficamos assim por muito tempo”, finaliza.

Escrever um livro é o sonho de muitas pessoas, seja de cunho biográfico, científico, poético ou literário. Ainda que seja um caminho de desafios, é possível encontrar escritores que resistem há esses percalços e produzem materiais de qualidade na região, como é o caso do guarapuavano Pedro Marques Pilati, 24, professor de língua portuguesa da Rede Pública de Educação do Turvo/PR. 

Ele começou sua trajetória aos 14 anos de idade, com a publicação do romance Sua Alteza, um conto que possui personagens LGBTQIAP+ baseados em conflitos no ensino médio, enfrentando o bullying e as adversidades da adolescência. Além desta sua primeira publicação, Pedro também escreveu outra obra infanto-juvenil chamada As Três Melancias e publicou também livros de horror em conjunto com outros escritores.

Pedro é cisgênero e gay, mas suas maiores dificuldades como escritor foram enfrentadas por ser do interior do estado e não por sua orientação.

“Já me senti um pouco excluído por ser um autor que mora no interior, sem muitos contatos, sem grande influência no meio literário, mas felizmente fiz vários amigos que também passaram por isso e que enfrentaram as mesmas questões por serem LGBT”, relata o professor. 

Com o passar do tempo, os debates sobre a questão da diversidade sexual foram se tornando mais presentes na sociedade e também no âmbito literário. Nesse sentido, Pedro trabalha em um novo projeto.

“Agora estou escrevendo algo com temática LGBT, colocando muitas coisas de inspirações pessoais. Esse processo de entendimento começou na minha adolescência”.

Conta Pedro, que já tem vários capítulos da produção publicados em uma plataforma Online chamada Wattpad, uma rede social de escritores e suas produções. 

“Eu quis publicar algo que tivesse um significado maior para mim, que falasse de coisas que eu sentia e pensava […] há alguns anos eu trabalho nesse livro, enfrentando bloqueios criativos e outros obstáculos. Não é biográfico, mas tem uma inspiração em minhas vivências e a necessidade de expressar isso de certa forma”, conclui.

Sobre a importância de abordar dentro da literatura as questões LGBTQIAP+, o professor de língua portuguesa acredita que a temática humaniza qualquer imagem pejorativa que as pessoas podem ter em relação à comunidade.

“Visibilidade é a palavra e a literatura tem o papel de trazer isso para a luz dos debates, das artes, da leitura e por isso é muito importante”, finaliza.

As reflexões dos entrevistados apontam que é possível valorizar cada vez mais as produções regionais e dar atenção continuada aos escritores que fazem parte da comunidade LGBTQIAP+, seja com as grandes produções que se tornam destaques brasileiros ou com aquelas que iniciam o seu processo para conquista de espaço, mas que haja um olhar diferente, pois as produções literárias educam e informam as pessoas para a construção de uma sociedade melhor e acolhem aqueles que necessitam tirar do armário o que fica guardado devido a discriminação. 

A Revista Metáphora conseguiu acesso a um drive com obras de autoria trans, sobretudo produções teóricas e literárias com personagens da comunidade LGBTQIAP+. O acesso foi cedido por Amara Moira, escritora do livro E Se Eu Fosse Puta, publicado em 2016, sobre sua trajetória de autoconhecimento como mulher transgênero. A professora de literatura e colunista da Mídia Ninja, 36, é paulista e atua fortemente no movimento literário paranaense, tornando-se uma figura de referência ativista tanto para este setor quanto para organização LGBTQIAP+.

Link de acesso: https://drive.google.com/drive/folders/0B2YsDCQBGX-ubzIyMzBFQ3A2aDA?resourcekey=0-vo0I1zjIAdSGphx9lVpzZQ

 

 

A SIGLA

Na década de 1990, o termo GLS ganhou força representando os gays, lésbicas e simpatizantes. Porém, com o tempo, a sigla evoluiu com a inclusão de pessoas de diversas orientações sexuais e identidade de gênero, atualizando o seu significado de acordo com a oficialização das nomenclaturas.

Foram diversas mudanças até que se chegasse na sigla LGBTQIAP+, frequentemente utilizada nos dias de hoje contemplando a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexo, assexual, pansexual e outras identidades e orientações que não estejam ainda nomeadas e descritas.

IDENTIDADE DE GÊNERO

A identidade de gênero é como a pessoa se identifica. Há quem se identifique como homem, como mulher, como os dois, ou ainda, como nenhum dos dois gêneros.

São os chamados não binários. Cisgênero é aquele que se percebe com o mesmo gênero que lhe foi dado no nascimento. Já transexual ou transgênero é quem se identifica com um gênero diferente daquele que nasceu.

ORIENTAÇÃO SEXUAL

O gênero pelo qual a pessoa sente atração sexual e laços românticos chama-se orientação sexual.

Heterossexual é quem tem atração por alguém de um gênero oposto ao seu. Já homossexual é quem tem atração por alguém do mesmo gênero que se identifica.

O bissexual tem atração por ambos. A assexualidade normalmente é definida como a ausência de desejo sexual por qualquer gênero, em um sentido estrito. Alguns assexuais sentem atração por um dos gêneros (ou ambos) só em circunstâncias específicas.

QUIZ

https://buzzfeed.com.br/quiz/qual-meme-lgbt-e-voce

https://pt.quizur.com/quiz/descubra-se-voce-e-lgbt-K4PR

Escrito em 2021 por Aline Koslinski para a Revista Metáphora, editado por Aline Koslinski para Colmeia.

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