Dias escuros: a relação de mães com o luto maternal
“A única certeza da vida é a morte.” Uma única frase dita e repetida tantas vezes por várias pessoas, torna-se então um bordão. Desde o momento em que a vida se inicia, a morte parece presente em todos os momentos, talvez seja de fato, a única certeza da existência. Parece ilógico pensar que apesar dessa certeza, a morte ainda assombra as pessoas, e dentre estas, as mães não estão isentas. Há quem diga que o maior amor do mundo é o de uma mãe pelo filho, seria diferente quando o assunto é o luto?
O luto maternal não pode ser descrito e condicionado a aspectos específicos. Não existe forma de mensurar a dor da perda de um filho, muito menos definir quais são os sentimentos que cada mãe sentirá após esse evento traumático. Nesse contexto, a figura maternal vive o luto dia após dia, tentando seguir em frente e encontrando escapes para suportar a perda.
Lucimara Zanin, ou Lu, para os mais próximos, é uma mulher, possui cabelo médio e castanho, seus olhos também são dessa cor, o corpo magro e as roupas neutras, com tons que variam entre cinza e preto, não permitem adivinhar que ela já é uma mulher de mais de quarenta anos. O sorriso largo esconde as cicatrizes que carrega consigo. Lu vivenciou a situação mais difícil que uma mãe poderia viver, a perda de seu filho Nicolas, que só tinha 3 anos.
Dentro da casa em que vive, simples e aconchegante, de paredes brancas e com quadros da família estão espalhados pela estante, Lucimara narra a história da morte de Nicolas. As mãos inquietas e as emoções que variam entre sorrisos nostálgicos e lágrimas de tristeza são algumas das formas de expressar os sentimentos que vivem dentro dela.
Lucimara relata que, após a confirmação da morte de Nicolas decidiu, em conjunto com o pai, que faria a doação dos órgãos, que foram destinados a três crianças. Emocionada, ela fala que o menino cumpriu sua missão nessa terra, a de trazer vida para outras crianças e alegria e luz para a família. Acreditar que essa era a missão do filho fez a dor do luto tornar-se suportável.
A saudade que sente de Nicolas é diária e ela costuma imaginar como ele estaria agora se ainda estivesse vivo, sobre as histórias que poderiam ter vivido, dos momentos juntos, aniversários, natais e fins de ano um ao lado do outro. Os olhos tomam um brilho diferente quando fala que espera um dia reencontrá-lo e viver com ele para sempre. Além disso, ela descreve os sonhos em que ele aparece. Em um deles, Lu está em um lindo campo verde com o menino, e então ele a carrega pela mão e esbanja um sorriso ao contar para a mãe que está bem.
O luto maternal nem sempre é compreendido por aqueles que não o vivenciaram, Lucimara conta que após o acontecimento conheceu grupos de mães que também perderam seus filhos, e que lá se sentiu acolhida por elas e que foram importantes para ela passar a entender melhor sua dor e resolver alguns conflitos que existiam em sua mente sobre a morte do filho.
E assim, Lucimara vai vivendo um dia de cada vez, tentando encontrar felicidade, porque é o que Nicolas gostaria que ela sentisse. O tempo acalmou seu coração ao se apegar a ideia de que o filho cumpriu o propósito, e que a dor se transformou em saudade, e essa nunca vai passar, porque as lembranças sempre vão existir, ela sempre será mãe do Nicolas.
Assim como Lu, existem outras mulheres – mães – que também convivem com essa mesma dor. Esse é o caso de Taila Schneider, uma jovem de olhos verdes, cabelo castanho e corpo magro que perdeu o filho durante a gestação. As lágrimas inundam seus olhos ao contar sobre o bebê que não teve a chance de conhecer.
A vida depois da perda é dolorida. Taila conta que, após o acontecimento, passou a ter medo de vivenciar essa mesma situação novamente em gestações futuras e que, às vezes, mesmo tendo o sonho de ser mãe, se questiona se realmente quer engravidar mais uma vez correndo o mesmo risco.
Além disso, os dias são difíceis, especialmente os simbólicos: o Dia das Mães, o mês de fevereiro – o qual seria o nascimento do bebê – e demais datas comemorativas são sempre um lembrete de algo não vivido e que machuca.
Com a voz arranhando a garganta e suprimindo o choro, conta que a culpa às vezes a preenche, ela se questiona ao sentir-se bem: se está realmente bem e até mesmo se deveria se sentir bem. Em uma tentativa de justificar o que ocorreu, ela buscou encontrar em si mesma o problema, o que poderia ter feito de diferente e quais medidas deveria ter tomado. O luto trouxe culpa, dor, dias escuros. Mas também, uma mudança pessoal, a busca por melhorar em aspectos como saúde, para estar pronta para quando – e se – engravidar novamente.
A rotina do luto maternal é assim, a dor não passa: ora saudade, ora tristeza, mas sempre ali, permanente. E dor, não se questiona, apenas se respeita e acolhe. E certamente é o que essas mulheres e tantas outras buscam, o acolhimento do luto e o respeito pelos filhos, que agora, viraram anjos.
Texto: Chelsea K. Brito
Edição: Bárbara Lopes (2022)