Não há limites para o amor

Não há limites para o amor

Summary

Fãs e ídolos estabelecem uma relação de proximidade e de identificação a distância

Dedicar tempo, dinheiro e admiração é uma rotina comum para pessoas que acompanham a vida de artistas. Para quem vê de fora, pode ser um pouco difícil de entender essa relação, mas fazer parte desse universo é uma realidade para os fãs.

“Fã” provém do termo em latim “fanaticus” e segundo o dicionário o significado é “pessoa que tem grande admiração por artistas, figuras públicas ou de quem faz parte do mundo do entretenimento.” 

O começo da relação de Júlia de Oliveira Lemes, 29 anos, com seus ídolos foi desde muito cedo. “Minha mãe me contava que, quando eu tinha 4 anos, eu era muito fã do Michael Jackson! Eu sempre fui muito intensa e em 2006 eu conheci o Linkin Park, eles se tornaram minha banda favorita até hoje.”

Conforme a psicóloga e psicanalista clínica, Ana Bela dos Santos, é durante a adolescência que o processo identificatório se intensifica, o que pode justificar o reconhecimento próprio da condição “fã” nesta fase. “Entre 9, 10 e 11 anos nós passamos a viver o luto da infância e o processo emancipatório, onde eu posso diferenciar aquilo que gosto e não gosto. Então quando o indivíduo se identifica com um ídolo, na verdade está se identificando com aquilo que ele representa, a representação psíquica pela qual o sujeito se identifica”

Embora seja comum que a relação entre fã e artista ocorra neste período de descobertas da adolescência, esse acontecimento não se restringe somente a esta fase da vida. Quem comprova isso é a gaúcha Edileusa Lima dos Santos, que aos 70 anos de idade se descobriu fã de KPOP. “Eu conheci o BTS por meio do TikTok durante a pandemia e fiquei encantada, foi amor instantâneo. Eu fui para a internet pesquisar e a cada clipe, cada música e performance, eu fui me apaixonando”.

Mas afinal, é possível definir qual é a razão da dedicação e amor existente na relação entre fã e ídolo? Para a jornalista Mariana Baciquetto, 25 anos, a relação com seu cantor favorito Louis Tomlinson, ex-integrante da banda One Direction, é muito mais que uma simples admiração. “Ele consegue me mostrar o lado bom das coisas, eu consegui aprender isso com ele. Além disso, a persistência dele e a forma como trata as pessoas sempre muito bem, é o tipo de pessoa que eu quero ser”.

Porém, a conexão dela com Tomlinson não se limitou apenas aos sentimentos e evoluiu para mudanças na própria vida. “Em 2011, eu conheci a One Direction,  me mudei para Londres por causa deles, não por querer viver na mesma cidade que eles, mas por ser fã eu acabei conhecendo muito a cultura londrina”. Já Edileusa diz que o grupo BTS “cura onde dói”. Para ela, eles significam alegria e motivação. “É muito intenso esse carinho e admiração que eu tenho por eles, eu espero nunca perder esse entusiasmo. É até estranho sentir carinho e amor por esses 7 meninos sendo que nunca os vi, mas acho que o amor é universal”

No ponto de vista profissional e psicológico de Ana Bela, o amor que os fãs sentem pelos artistas é genuíno. “Nós não podemos dizer que alguém que diz amar um ídolo não o ama, pois, ama, e ama muito! Você dá o poder ao ídolo para que seja quem você quiser, porque ele é uma representação sem defeitos”. Portanto, os indícios do amor pelos artistas são autênticos e para quem sente, esse sentimento não precisa ser compreendido pelas outras pessoas. “Se for uma fase, eu não quero passar. É muito bom você ter essa admiração por alguém, você fica trocando experiências e vai absorvendo de jeitos diferentes. Acho que serei fã por muito tempo” afirma Julia. 

 

Uma comunidade para a vida

Além do suporte que é proporcionado pelo próprio artista, outro ponto fundamental para quem é fã são as comunidades que compartilham desse mesmo amor, ou seja, os fandoms, também chamados de fã-clubes.

Dentro desses grupos, os fãs podem dividir o amor e a admiração com outros indivíduos que também sentem as mesmas coisas. Para Julia, a comunidade trouxe muitas pessoas para sua vida. “Eu participo muito da comunidade, eu crio muitas fanart e interajo com bastante gente. Aliás, eu tenho muitos amigos que eu fiz sendo fã e carrego eles para sempre”. Mariana partilha desse mesmo sentimento. “Por conta deles (artistas), eu acabei criando o Twitter e conhecendo gente que também gostava e eu conheci minhas melhores amigas por esse meio”.

Edileusa, por sua vez, afirma ser participante ativa dentro do seu fandom, as “armys”, ou seja, fãs do grupo de kpop BTS. “ Eles influenciam não só a minha vida, mas também a de milhões de pessoas. Eles são tão diferentes uns dos outros, mas possuem um posicionamento único que é sem preconceito, é amar uns aos outros e eles ensinam isso através de suas canções. Por causa das músicas deles, várias moças e senhoras declararam no Twitter que eles salvaram as vidas delas.”

Há também quem eleva a relação com a comunidade e torna o amor e a amizade em projetos que contribuem com os fandoms. Esse é o caso do “All The Love Project“, cujo objetivo é levar fãs aos shows de seus ídolos por meio da doação de ingressos. 

Conforme as informações do site oficial, o projeto nasceu em um grupo de amigas, que ao perceberem que muitos fãs não possuíam condições financeiras de ir aos shows dos ídolos, decidiram se reunir e conseguir doações para ajudar essas pessoas. Ainda segundo o site, durante a passagem de Louis Tomlinson no Brasil, a equipe doou mais de 60 ingressos para os shows e ainda distribuiu lanche para outros fãs na fila. Nas redes sociais, o projeto acumula muitos seguidores, 55,9 mil só no Twitter.

No Instagram do All The Love como é comumente chamado por quem conhece, há declarações de fãs que foram beneficiadas pelos ingressos doados. “Nada pode medir a minha gratidão por vocês, absolutamente NADA. Serei eternamente grata por vocês terem feito acontecer o melhor dia da minha vida”, escreveu uma seguidora sobre sua experiência com o projeto. Além do All The Love, existem inúmeros outros fã-clubes e projetos dos mais diversos fandoms que se espalham pelas redes sociais.

Além de projetos e amizades, a comunidade de fãs também permitem o empreendedorismo. A professora de inglês Layla Camila Silva Mendes, 22 anos, aproveitou a condição de fã e viu uma oportunidade de transformar seu amor em negócio. Em 2022, ela criou uma loja com itens de seus artistas favoritos que aos poucos também passou a oferecer produtos de outros artistas e shows. “O sentimento de poder associar minha admiração pelo artista em negócio é conseguir transformar o que eles fazem e significam para mim em arte. Porque por muito tempo meu maior apoio foi eles, então, conseguir transformar esse amor e dedicação que eu tenho como fã em algo destinado ao fã-clube e outras pessoas, que se identificam com o trabalho deles, é realmente muito gratificante”. O exemplo de Layla é semelhante a muitos outros que também abriram seus negócios baseados em produtos para artistas e fãs. “Algumas comunidades e fãs-clubes acabam criando entre si um laço muito saudável e sadio. Eles se transformam realmente em uma comunidade” comenta a psicóloga Ana Bela.

 

Loucuras e dificuldades pelo amor

 

Uma das características marcantes dos fãs e julgadas por pessoas de fora dos fandoms são as “loucuras” cometidas em nome do amor. “Eu acampei na rua em meio a uma tempestade de neve por três dias para ver o Louis, em Amsterdã” afirma Mariana sobre a maior loucura que já cometeu pelo ídolo. Além disso, ela já acampou algumas outras vezes para outros shows e afirma que todas as vezes valeram a pena, pois mesmo quando não pode chegar perto dele, fez boas amizades durante o tempo em que passou na fila.

Mariana não foi a única que já fez algo que pode ser considerado loucura pelas outras pessoas. Julia também passou por uma situação semelhante por causa de seus ídolos. “Eu moro em Mato Grosso do Sul e minha cidade não tem aeroporto, então tive que viajar 5 horas de carro até a cidade onde tinha essa possibilidade e fiz um bate e volta para Brasília para ir ao show.  Eu dormi no aeroporto e foi muito corrido. Nesta mesma viagem, eu conheci uma menina que também ia no show e ela chamou a gente para ir pra casa dela, nós fomos confiando e acabamos ficando na casa dela. Loucura! Deu tudo certo, mas hoje em dia eu não faria.”

            Para a psicóloga Ana Bela, nem todas as ações dos fãs podem ser consideradas loucuras, mas é preciso saber identificar as situações de risco. “Vai se tornar loucura quando a fã se coloca em vulnerabilidade e periculosidade, ou quando coloca o ídolo nesta condição. Outro perigo é quando você sai do real e passa a viver de fantasia”.

Com relação às dificuldades, Edileusa relata que teve problemas na aceitação da família no começo da sua jornada como fã. “Eu tenho um marido e uma filha, e ainda é complicado. Eles dizem que eu só vejo os japoneses, e eu falo: não são japoneses, são coreanos! Mas eu já tive avanços, meu marido já assistiu alguns episódios comigo de dorama. No começo eles não estavam acostumados com essa postura minha, então estranharam.”

Ela também relata que, apesar de ter sido muito bem recebida pelos fãs no Twitter, existe preconceito com pessoas que são fãs e têm uma idade mais avançada. “Eu conheço muitas senhoras que perguntam se elas não são muito velhas para gostar do BTS. Não existem padrões para o amor, as pessoas são livres para amar quem elas quiserem”. Edileusa é embaixadora em um projeto da Army Showterview Brasil (@army.stv) chamado “Army Has No Age”, em português, “Army não tem idade” em que ela posta diariamente mensagens sobre idade e posicionamento de mulheres. “Nós não temos que nos render às críticas, eu gosto e pronto!”, reitera.

 

 

Experiências reais

 

Diante de todo o sentimento de amor vivenciado pelos fãs, a conexão real e direta com o ídolo passa a ser o sonho de todos os que integram os fandoms. Julia conseguiu essa conexão por meio de seus desenhos, as “fanarts”, isto é, desenhos feitos por fãs sem fins lucrativos. Ela obteve resposta de seus artistas favoritos nas redes sociais. “A interação mais recente foi com o Isaac Anderson, foi a coisa mais incrível que aconteceu comigo como artista.” O músico e cantor respondeu os tweets que ela compartilhou as artes e enviou mensagem diretamente no chat da plataforma, pedindo para compartilhar nas redes sociais o desenho que Julia fez em sua homenagem.

Além disso, ela também teve uma fanart que apareceu na Euro Screem em 2020. Ela compartilha essas e outras conquistas no seu perfil no Twitter.

Mariana, por sua vez, já teve contato pessoalmente com seu cantor favorito. “Eu já conversei com o Louis algumas vezes, aqui tem muitos eventos de encontrar fãs. Foi muito incrível! O Louis salvou a minha vida, eu o levo como se fosse meu anjo da guarda.”

Não há formas de descrever as motivações dos sentimentos dos fãs que não seja de fato o amor, e, desde que seja saudável, não há razão para não  legitimá-lo. “Nós não devemos nada para ninguém. Amor, música, arte, tudo que faz bem ao coração, a gente tem que curtir. A idade é um número, se você tem leveza dentro de você, e encara a vida com tranquilidade, a saúde e disposição melhoram. Ninguém tem o direito de julgar alguém, no momento que eu me aceito, eu me livro do peso que é querer que você me aceite.”, conclui Edileusa.

 

Texto:  Chelsea K. Brito (2022)

Edição: Bárbara Lopes (2023)

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