Já é manhã, pode descansar

Já é manhã, pode descansar

Quando o primeiro raio de sol invadiu a janela do quarto, eu ainda estava desperta. Após incontáveis madrugadas longas, frias, de epifania e conflito, a única maneira de comprovar minha própria existência era apreciar as formas que a luz reproduzia nas paredes sem cor e ter a esperança de que, de algum jeito, ela me preenchesse também.

Verifiquei minha própria aparência no espelho e confesso que, por alguns segundos, não reconheci quem estava diante de mim. Isso não aconteceu porque os meus olhos denunciavam uma sequência de noites mal dormidas e cansaço aparente, muito menos porque meus traços tivessem mudado nos últimos meses em que permaneci aqui. A verdade é que eu já não sabia quem era e muito menos quem queria ser, se é que queria ser alguém ou algo.

Fecho os olhos e me preparo para vivenciar a mesma sequência novamente após algumas horas de sono. Em meus sonhos, ouço uma voz conhecida gritar o meu nome, levo um tempo até perceber que a voz pertence a mim, uma experiência no mínimo inusitada.

A versão de mim mesma que me chama não possui forma ou corpo, não há como descrevê-la sem parecer no mínimo louca. Eu sigo em sua direção para ouvi-la melhor, quando estou a alguns passos de finalmente compreender as palavras proferidas, desperto. Já é noite novamente, não a encontrei e ela não me encontrou. Talvez eu não seja a única versão minha presa dentro da minha própria cabeça. Mais um dia de pandemia completo, quem sabe amanhã eu possa buscá-la novamente para, que, juntas encontremos uma forma de sair da prisão, pelo menos de uma delas.

Texto: Chelsea Brito

Edição: Anelize Pina Marques

Imagem: pexels

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