Mais que uma propriedade: A história de Faxinal do Céu
Summary
Conflitos de apropriação de terras marcam a trajetória da cidade.
O faxinal é uma forma de organização tradicional presente no interior do Paraná. O sistema faxinalense é caracterizado pelo uso comum das terras, sem a presença de cercas, para o plantio de subsistência exclusivo de uma família, junto a criação de seus animais. Os faxinalenses, por possuírem um estilo de vida mais tradicional no qual retiram da natureza apenas o necessário para sua sobrevivência, prezando pela manutenção do ambiente têm perdido sua identidade em meio à modernização da agricultura e a falta de políticas públicas voltadas ao seu povo.
Um dos problemas que assolou os moradores foram os conflitos gerados pela apropriação de territórios por parte de empresas como as Indústrias Zattar. Madeireira cujos interesses não passaram de explorar o espaço o máximo possível. Sem se preocupar em preservar o ambiente. “Ao longo dos anos acabamos nos inteirando das injustiças causadas pelas Indústrias Zattar, a desvalorização das terras; a compra de grandes lotes a preço muito baixo, e medo que era imposto aos donos das terras para que vendessem ou saíssem sem receber o devido valor. “ relata ex-moradora do distrito, Darlene da Rosa.
Além dessas frentes de conflitos, os pesquisadores Cristhine Ramos e Clayton da Silva discutem em sua pesquisa intitulada Conflitos da Dinâmica Sócio-Espacial: A (Trans)Formação dos Faxinais do Município do Pinhão-PR, de que maneira muitos faxinais foram desorganizados por conta do processo de modernização ao longo do tempo. Um exemplo disso é a construção de hidrelétricas, que por meio da ampliação capitalista, o modo de vida e a organização dos faxinalenses foi completamente abalada.
O Faxinal do Céu é um distrito do município do Pinhão – PR que fica à distância de 70 quilômetros de Guarapuava. Uma espécie de recanto às margens do Iguaçu. Muitas pessoas costumam acreditar que sua origem esteja relacionada com a chegada da Copel para a construção da Usina Hidrelétrica Bento Munhoz em Foz do Areia, perto da região.
Visto que a maior parte dos arquivos e documentos disponibilizados pela empresa na internet não mencionam o passado da região. Mas na realidade, muito antes disso já haviam faxinalenses se acomodando e construindo a vila ali.
Os faxinais, principalmente o Faxinal do Céu, são ótimos exemplos da manutenção de um patrimônio ambiental. Há diversas espécies de plantas, árvores e flores. Muitas variedades foram plantadas pelos jardineiros, mas a maior parte da área contém mata nativa.
Recentemente, a Copel e o governo Ratinho Jr. (PSD) anunciaram seu plano de vender a Vila Residencial do Faxinal do Céu. A Universidade do Professor, que se tornou o local conhecido durante os governos de Jaime Lerner e Roberto Requião, que já havia sido fechada em 2011, no início do governo Beto Richa.
O Faxinal do Céu abrangeu diferentes histórias durante a sua própria história. Após tanta exploração do espaço, a vila é vista como sem utilidade por seus detentores. Muitas das casas mais antigas estão abandonadas. Próximo do acordo para a venda da região é necessário revisar o que aconteceu até o momento atual. Isso porque o Faxinal acima de tudo representa um patrimônio cultural e histórico, de grande significância para as pessoas que por ali passaram.
Um faxinal consiste em um sistema de uso de terra independente, caracterizado pela proximidade de áreas de manejo sustentável de araucárias. São ambientes florestais onde os moradores constroem suas casas, criam animais à solta pela pastagem, fazem plantações e extraem erva-mate.
De acordo com Cristhine Fabiola de Ramos, Professora de Geografia na Secretaria Municipal da Educação de Blumenau, a história do Faxinal é marcada por dois grandes conflitos. “Um com a Copel, porque onde é o Faxinal do Céu agora, era um faxinal organizado com sistema desses como o de Prudentópolis ou região”, conta Cristhine.
Além da Copel, o distrito também teve influência de grupos tropeiros em sua estrutura. “A formação do Faxinal do Céu tem três frentes. Primeiro do tropeirismo, toda aquela questão do caminho de via mão. Eles saíam do Rio Grande do Sul, traziam as tropas passando por Palmas e pelo Pinhão. E aí se começa a formar as primeiras vilas”, conta professora Ramos.
O termo tropeirismo se refere à atividade de deslocamento feita por grupos de homens, conhecidos como tropeiros durante a época colonial no Brasil. Eles conduziam o gado, levando bens essenciais para a sobrevivência no interior, vindo do Rio Grande do Sul em direção a Minas, São Paulo e Rio de Janeiro.
A segunda via apontada pela professora Cristhine Ramos seria a questão da imigração. No passado, a chegada dos imigrantes europeus e caboclos aconteceu no mesmo momento. O caboclo, povo mestiço entre brancos e indígenas, vindo da Guerra do Contestado, e o imigrante, principalmente polonês e ucraniano, dos povos eslavos.
A avó materna de Cristhine, Josefa Camargo de Melo, relatava que a pequena igreja do Faxinal costumava ser uma escola. Haviam lá várias cartilhas em polonês para se ensinar às crianças outra língua além do português.
Houve um conflito envolvendo a madeireira Zattar, empresa reconhecida pelo seu histórico de conflitos na região, levando a apropriação do território por parte dela. Os moradores daquela época, em sua maioria analfabetos, assinaram os contratos dados pela madeireira abrindo mão de suas propriedades com medo de ameaças por jagunços.
Depois do Golpe Militar de 64, começam novas frentes de formação do território. Pelo potencial hídrico do rio do Areia, começa a instalação da Usina Hidrelétrica do Faxinal em 1970, começando pela implantação da barragem. Como a área já estava limpa, a Copel começa a instalar ali a vila operária.
Com a chegada da empresa, é exigido que os faxinalenses se retirem de lá. “Para alguns eles pagaram a indenização, para outros não”, conta a professora Cristhine. Sem ter para onde ir, eles se instalaram nos arredores da vila, onde hoje estão as comunidades rurais de Santa Emília e do Alojado Feio.
Nascido em Guarapuava, Dr. Sérgio Lopes é procurador-geral do município do Pinhão. Seu papel é cuidar de atividades de defesa ao município e seus interesses. “Provavelmente houve desapropriação com a questão do Faxinal e Zattar. Se você entra no assunto dos faxinais é uma questão muito ampla que envolve coisa demais devido ao grande número de conflitos de apropriação ilegal de terras na região”aponta Lopes.
O objetivo da prefeitura, atualmente, em relação ao Faxinal é realizar o tombamento do horto e da Escola Municipal Professor Cipriano de Paula Santos. Visto que esses se encontram no espaço de cinco alqueires da área pertencentes ao Pinhão. O resto é propriedade da Copel, que pode vender suas partes para quem quiser, contanto que mantenha cuidado das propriedades que são da prefeitura.
A empresa chegou a oferecer um valor pelos alqueires para vender o espaço completo. Mas se tratava de um valor muito baixo.
De acordo com o Dr. Sérgio, a escola é de 1° mundo e foi reformada recentemente. O objetivo agora é realizar o tombamento do Faxinal do Céu para preservar o horto, as plantas e os jardins. Isso é garantido por lei.
O tombamento é uma ação administrativa na qual por meio da iniciativa de um cidadão ou instituição, há o pedido de abertura de um processo. Após avaliação, é submetido à responsabilidade dos órgãos responsáveis a preservação do bem natural/cultural contra qualquer destruição ou descaracterização até a decisão final ser tomada. Isso pode levar um longo tempo para acontecer.
Essa ação significa preservar integralmente um bem, isso é decretado pela Lei n° 25, de 30 de novembro de 1937. Para o Dr. Sérgio, é frustrante que a Copel tenha passado anos explorando as possibilidades do Faxinal, “… E agora decide ir embora sem satisfações. Isso precisa ser revisado. Depois de explorar, manter isso é o mínimo”.
Após o fim da construção da usina hidrelétrica de Foz do Areia, os empregados (mais ou menos sete mil entre funcionários e familiares) começaram a ir embora. Suas casas passaram a ser abandonadas e as lojas fecharam, impulsionando o crescimento do desemprego na região.
Como forma de recuperação e visando o aproveitamento da estrutura , o governo passou a investir no CCFC (Centro de Capacitação do Faxinal do Céu) que ofertou cursos, oficinas e palestras focados em capacitar os profissionais na área de ensino das escolas públicas do Paraná. Assim, gerou empregos e despertou ânimo nos que ainda estavam morando lá, diminuindo o impacto da saída em massa de seus amigos, vizinhos e colegas de trabalho.
O espaço contém dois grandes auditórios cuja capacidade pode acolher até mil pessoas. Além disso, possui uma estrutura de chalés ampla que era usada para a hospedagem dos alunos, que funcionou durante o período de 1995 até 2011.
No ano de 2011, a Secretaria do Estado da Educação (SEED) realizou oficialmente a suspensão das atividades na Universidade do Professor. Durante seu funcionamento, a Universidade do Professor recebeu muitas celebridades como a atriz Nathalia Limberg e o humorista Renato Aragão, por exemplo. Além disso, com sua criação muitos comerciantes se instalaram em Faxinal do Céu para atender às necessidades daqueles que frequentavam os cursos todas as semanas.
A Universidade era o resultado do trabalho conjunto entre a Copel, por conta da área e dos imóveis de lá serem suas propriedades, e o governo do estado do Paraná. O projeto foi posto em prática durante a primeira gestão do governador Jaime-Lerner entre os anos de 1995 à 1998.
Os educadores consideraram um sucesso os seus resultados, o que garantiu a sequência na gestão de Roberto Requião. Vale ressaltar que sua ideologia era contrária à de Jaime, mas mesmo assim permaneceu com o projeto valioso de seu antecessor.
Darlene Ferreira da Rosa, agente educacional, formada em gestão pública, mudou-se para o Faxinal do Céu em 1980, aos seus 18 anos, porque sua mãe havia conseguido um emprego como cozinheira durante a construção da usina em 1972. Suas primeiras impressões do lugar foram estranhar a quantidade de mato para todos os lados. Haviam muitas pessoas. Tudo era novo e lá ela via muitas oportunidades para novas descobertas.
Ela acredita que a Copel, como detentora do espaço, não fez nada de forma construtiva para mantê-lo. “Sendo que é um espaço rico para o turismo paranaense. Sem contar que o município do Pinhão sairia ganhando de todas as formas, caso houvesse um genuíno interesse por parte dos empresários e governantes” indica a moradora. De acordo com Darlene, para eles é preferível deixar as moscas a investir ou buscar parcerias para manter o espaço. Por isso teriam deixado a vila em segundo plano, sem perspectivas de um bom futuro.
No final de 2011, com o fechamento definitivo do CCFC, Darlene assim como os outros empregados foram convidados a sair da vila já que não tinham mais porque permanecer. “Uma vez que éramos funcionários do estado e nossa função é dentro de uma escola”.
Em 2012, após 37 anos, deixou definitivamente o Faxinal depois de morar lá em função dos trabalhos que ali exercia. Ela conta que não gosta de visitar a vila pois sente um vazio em ver tudo abandonado e tomado pelo mato.
O esposo de Darlene, que recentemente voltou a trabalhar no Faxinal do Céu como segurança na vila, conta a ela que os ladrões agem na cara dura e sem medo algum. “Esse descaso e abandono é um reflexo desses desgovernos que não tem consideração pela nossa história, nossa cultura, nossos valores patrimoniais. É preferível deixar abandonado do que terceirizar, abrir ao turismo, fazer algo que seja útil, rentável e bom para população” conta Joel Jesus França.
Ao ver as fotografias tiradas das antigas casas abandonadas na vila, Darlen revelou sentir um misto de tristeza e impotência. A sensação de que podia se ter feito algo antes que a situação chegasse a esse ponto. “Mas não depende de nós. É um conjunto de poder político, gente grande pensando em dinheiro grande” revelou Ferreira Da Rosa.
Quando perguntada sobre sua opinião na venda do Faxinal, respondeu não saber muito sobre o assunto, mas que tem certeza de que é uma jogada política. Afirmou que ainda leva seu neto e seus sobrinhos de vez em quando visitar os amigos que permaneceram por lá. “Tem muitas histórias pra contar, muitos lugares que ajudei a construir, considero Faxinal meu paraíso na Terra. Será para sempre um dos melhores lugares pra visitar, pra casar, fazer piquenique” conta a moradora.
É possível observar a realidade com que o passado do Faxinal é tratado. Histórias, patrimônios e cultura colocados em segundo plano, sendo desvalorizados. Darlene da Rosa, por último, declarou que o Faxinal é muito mais que o local onde se criou, teve seus três filhos, casou, estudou e viveu grande parte da sua vida. Para ela, sempre será um lugar de ótimas memórias e recordações.
Basta acompanhar o processo para saber qual rumo tomará o Faxinal do Céu. Com grande valor turístico, o espaço ainda tem muito para ser explorado e valorizado com consciência. Se a vila e todo o patrimônio histórico e natural serão tratados bem, é de responsabilidade não só do governo como dos próprios detentores do espaço. Pois para seus moradores, desde os antigos até os atuais e aqueles que se mudaram ou já partiram. A área do Faxinal do Céu significa muito mais que uma propriedade.
Texto: Luis Emanuel Fontana Calixto
Editora: Isabela Nunes
Edição: João Vitor Marques