Não altero o placar
É dia de jogo e eu odeio jogos, não que eu odeie meu trabalho, mas é que em dia de jogo os visitantes não cuidam muito bem das bolas, eles são agressivos. Aliás, eu consegui esse emprego porque a antiga bola não resistiu e acabou estourando no primeiro lance de jogo, e desde então eu tenho ocupado a vaga e espero que quando eu deixá-la seja por velhice, não por morte.
No entanto, ser uma bola de time não é tão ruim assim, apesar dos chutões machucarem, gosto da sensação de voar e ver todos no estádio olhando para mim é um momento de liberdade, antes de cair no chão.
Escuto passos no corredor. Está na hora. Sou carregada até o campo, porém não serei a primeira a entrar. Enquanto isso passo a observar os humanos ali em volta: crianças saltitantes na grade, torcedores vibrando a cada passe, os bandeirinhas correndo de um lado pro outro e os jogadores dividindo a posse de minha colega.
Quando eu pensei que hoje eu escaparia, os humanos mandam mais uma colega para fora do campo pela segunda vez e me lançam nas mãos do jogador. Tento me manter calma e rolando, pra lá e pra cá. Correm atrás de mim, caem por cima de mim, brigam por causa de mim e tudo o que eu queria era sumir dali.
O cansaço já estava tomando conta, rezava para que aquilo acabasse, até que… Tiro de meta, o goleiro resolveu chutar, lá vem mais um daqueles chutões. Me preparei e… Voei muito mais alto e longe do que eu já havia voado, não caí no campo continuei voando, direto para as mãos de um torcedor que não me devolveu para o gandula, ele me levou embora e ganhei um novo emprego muito melhor que o antigo, bola de recordação.
Crônica: Maria Isabela Andrade
Edição: Luana Martins