O mercado de trabalho e o empreendedorismo por necessidade

O mercado de trabalho e o empreendedorismo por necessidade

O número de desempregados no Brasil vem crescendo nestes últimos anos, muitas pessoas perderam seus empregos devido ao coronavírus, muitas empresas fecharam, faliram ou tiveram que cortar gastos, isso acabou por afetar diretamente toda a economia, os empregadores e os empregados.

Muitas foram as demissões e mesmo com o auxílio emergencial, algumas famílias não conseguiram se manter, por consequência disso, várias pessoas recorreram para o emprego informal, buscando alternativas para seus negócios por conta própria, indo desde a venda de produtos e serviços de porta em porta, a formação de um hobby como meio de sustento, e o trabalho pela internet.

Mas para entendermos e falarmos sobre as taxas de desocupação e do aumento do trabalho informal na pandemia, é necessário voltar a uns anos anteriores, quando o país já vinha numa fragilização do mercado de trabalho, segundo o economista Ricardo Andrés Cifuentes Silva, a partir de 2016, o PIB começou a apresentar um comportamento altamente errático, ou seja, ele passou a crescer pouco e inclusive, a diminuir, então houve uma diminuição da produção interna e com isso o aumento do desemprego e é nesse momento que vemos a taxa de desemprego aumentando.

Com isso, veio também o movimento que é chamado de desestruturação do mercado de trabalho, onde houve as reformas trabalhistas, no sentindo de flexibilização. A principal forma que isso foi feito fora através do MEI, que já era existente, mas com ressalvas.

O Microempreendedor Individual (MEI) é uma das alternativas mais adotadas pelos profissionais que apostam no trabalho autônomo, já que permite compensar alguns dos benefícios presentes em contratos trabalhistas tradicionais. O MEI se dá através da Lei Complementar nº 128 de 19/12/2008, sendo o empresário individual que tenha auferido receita bruta no ano calendário anterior de até R$ 81,000,00, optante pelo simples nacional.

Em 2020, foi recorde o número de novos negócios no país, mais de 14 milhões de brasileiros se tornaram empreendedores em meio à pandemia da covid-19, conforme o relatório Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2020.

Atualmente o profissional autônomo tem crescido no Brasil, grande parte pela necessidade de se fazer algo em meio as crises. O profissional autônomo é caracterizado por não possuir vínculo empregatício com nenhuma empresa, exerce função de forma liberal, presta serviços para empresas ou pessoas por determinado período, dessa forma, ele possui total autonomia financeira e profissional, não assumindo o papel de um funcionário efetivo. Ainda que se considere que a prestação de serviços de profissionais autônomos seja eventual, ela pode tornar-se habitual conforme a maneira como ele exerce sua atividade.

Um dos principais desafios do trabalho autônomo é a organização financeira e saber planejar-se com uma renda variável. Além disso, é essencial analisar os valores cobrados pelos seus serviços — transporte e alimentação, por exemplo, precisam estar incluídos no preço do seu serviço.

Por conta do aumento do trabalho por conta própria, o nível de informalidade também aumentou no país. Segundo os dados da pesquisa nacional por amostra de domicílios (Pnad) realizada pelo IBGE em 2021 os setores que mais cresceram foram os da construção, alimentação, serviços domésticos, transporte, reparação de veículos automotores e motocicletas e a agricultura.

Na visão dos analistas, o aumento do trabalho por conta própria, está relacionado, em parte, aos impactos da crise, que elevaram o desemprego. Com isso, mais pessoas foram empurradas para o chamado empreendedorismo por necessidade, que pode ser enquadrado em autônomos por conta própria, MEIs.

Em Guarapuava, por exemplo, segundo dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o saldo de empregos com carteira assinada foi positivo no primeiro semestre de 2021 e negativo no final de 2021. Esses dados levam em conta apenas os trabalhadores com carteira assinada e não inclui os trabalhadores informais.

De acordo com Valesca Bolcharti e Lidiane Maria da Agência do Empreendedor de Guarapuava, o número de pessoas que procurou o MEI aumentou durante a pandemia, pois muitos acabaram perdendo o emprego e se viram obrigados a procurar outra fonte de renda. Como o MEI é a forma mais barata de se contribuir com o INSS, continuar assegurado e estar formalizado, muitos recorrem a ele, ainda existindo algumas vantagens em relação ao trabalho autônomo ou por conta própria, como por exemplo a emissão de notas se caso necessário, um MEI conseguirá emiti-las, já uma pessoa física como autônoma não conseguiria.

Segundo elas foi perceptível que muitos empreendedores se encontraram nas novas atividades exercidas, existindo muitos casos positivos.

Hoje em Guarapuava temos cerca de 10.000 MEIs e mesmo na pandemia, alguns ramos cresceram, mas o que mais foi aberto e mantido na cidade, foram conveniências, manicures e no ramo da alimentação.

O negócio conhecido como Cookie do Boleta, é hoje uma microempresa, mas foi por um bom tempo um negócio MEI, onde Thiago Cruz de Almeida, sócio proprietário, nos conta que em meio a pandemia, a venda de seus produtos vistos como não essenciais, foi uma espécie de montanha russa, pois muitos pontos de venda, os quais os cookies eram distribuídos, fecharam.

Boa parte das vendas eram em escolas e faculdades as quais no alto da pandemia, estiveram todas fechadas, com isso eles tiveram algumas dificuldades e precisaram buscar uma forma alternativa para manter o negócio.

Assim, criaram produtos que iriam diretamente ao consumidor final, como tortinhas e forminhas, que eram vendidos por aplicativos de delivery, uma forma alternativa que acabou “salvando” o seu negócio.

Também foram além de Guarapuava, começando por cidades pequenas, a oscilação nas vendas foi grande, mas hoje o Cookie se estabeleceu e está mantendo uma venda com uma boa perspectiva para o futuro.

Mesmo em cidades menores, como no caso de Dois Vizinhos, localizado no sudoeste do Paraná, o número de MEIs vem crescendo, pois segundo Valdemir Antônio de Almeida, responsável pelo MEI na regional de empregos, as pessoas procuram e muitas vezes optam por essa forma, para adquirir alguns direitos e sair da informalidade, pois como já visto é uma das formas mais baratas para se estar formalizado.

Como por exemplo o direito ao CNPJ, ser isento de taxas para a formalização, dispensa de alvará e licenças de funcionamento. Ainda podendo se aposentar por idade, caso ocorra um acidente, pode ter direito a o auxílio acidente, também o auxílio-doença do INSS, pensão por morte, acesso ao crédito.

Porém o MEI também possui obrigações, sendo algumas como o recolhimento das taxas da guia DAS, todo dia vinte de cada mês, emitir notas fiscais nas vendas a pessoa jurídicas, reter notas fiscais de compras.

Renato Dzindzy, proprietário do estabelecimento Santo Burguer, em Dois Vizinhos, abriu a hamburgueria durante a pandemia do covid-19, optou pelo MEI, pois segundo ele foi a maneira de possuir um CNPJ e algumas linhas de crédito. Para ele está sendo vantajoso possuir um MEI, pois linhas de financiamento são mais baratas e existem impostos que são dispensados. Ele cita que como seu negócio abriu em meio a pandemia, não possui um parâmetro de “antes”, mas hoje a principal dificuldade é chegar ao cliente, onde o cliente saiba que o negócio existe.

Também no decorrer da pandemia, os insumos foram aumentando de valor, consequentemente foi necessário aumentar o valor do produto final, isso acaba por fazer com que o seu negócio passe por momentos de altos e baixos. Os planos são de abrir um local físico, talvez em uma cidade maior, já que hoje somente contam com o delivery na hamburgueria.

Gesselda Marcon, é confeiteira autônoma. Durante a pandemia, viu seu trabalho diminuir, tendo menos renda que no período anterior. Continuou fazendo alguns bolos menores e conforme as vacinas foram surgindo, as comemorações voltaram a ser realizadas, e com isso a demanda voltou a crescer.

 Porém, cita que os custos para se manter no mercado de confeitaria hoje estão bem altos, as matérias-primas mais essenciais aumentaram de valor, principalmente ovos, farinha, açúcar e leite condensado. Com isso, foi necessário ajustar o valor dos bolos.

A maior dificuldade encontrada por ela tem sido manter o padrão da sua mercadoria, buscando por opções em oferta para diminuir o custo da produção e assim ficar mais em conta para o cliente.

Sendo autônoma, não possui garantias fixas, podendo não produzir em determinados períodos e ficar sem renda, mas ela diz que tenta sempre manter a paciência e fazer o seu melhor para continuar trabalhando.

O trabalho de Victória Tonet Diehl ainda é “pouco” conhecido, ela faz Hand Lettering, que em sua definição é a arte de desenhar letras de maneira criativa. Ela transformou um hobby em profissão quando começou a comercializar seus produtos através do Instagram, como ela vende on-line, mesmo com a pandemia, seu serviço se manteve de maneira favorável em meio a crise.

Uma das maiores dificuldades nesse mercado é a prospecção de clientes, visto que ela precisar realizar trabalhos, postar, fazer propaganda para conseguir clientes novos e se manter visível, como também não é considerado um serviço essencial, algumas vezes o cliente deixa para depois.

Victória cita que a pressão em fazer “dar certo” e “fazer um grande negócio” são enormes, ainda mais em um ramo não muito conhecido e difundido como é o Hand Lettering, muitas pessoas pensam ser um trabalho fácil, mas ela tenta não levar em consideração as partes negativas e melhorar sempre.

Um ramo que acabou por perder força em meio a pandemia foi o da beleza e estética, pois também se encontra no meio de trabalhos apontados como não essenciais, visto que muitas pessoas deixaram de fazer as unhas, cabelo, sobrancelhas, maquiagem, ir ao salão em geral e passaram a fazer elas mesmas em casa para “cortar gastos”.

Maria Aguero é micropigmentadora e design de sobrancelhas autônoma e relata que seus clientes acabaram por reduzir o número de vezes que iam até ela, diminuindo a frequência do seu serviço.

Ela relata que sendo autônoma e ganhando por dia, sempre ocorrem problemas de ter dias com mais ou menos clientes, também de clientes desmarcarem em cima da hora e assim perder o horário. E quando não realiza o seu serviço, consequentemente não possui um ganho, mas ela tenta se organizar financeiramente e manter uma reserva para emergências.

A venda online de produtos tem crescido, principalmente na pandemia foram vistas diversas “lojinhas” sendo abertas, de diferentes ramos. Priscila Loch de Manoel Ribas, Paraná, já possuía a vontade de vender online para ajudar nas despesas da faculdade e em setembro de dois mil e vinte, já em meio a pandemia, colocou os planos em prática. Priscila vende roupas, com um foco em camisetas. Ela vende pelo perfil da loja no aplicativo Instagram e pelo WhatsApp, ainda possui um perfil em um site da internet, o qual envia seus produtos para outras cidades.

Priscila é autônoma e diz que a loja online em si é uma linha tênue, nem sempre acaba vendendo a quantidade esperada e isso pode gerar um prejuízo ou não dar o retorno esperado, também é necessário sempre estar buscando novos clientes. Por ser sozinha, ela está sempre correndo atrás de tudo, apesar de prazeroso nem sempre o resultado é o esperado.

Um outro hobby que virou profissão em meio a pandemia fora o de Marcelo Carneiro e Aline Beraldo, eles faziam hamburgueres para os amigos e sempre eram questionados por que não vendiam os lanches. No mês de julho de dois mil e vinte, em meio a pandemia, eles resolveram fazer um curso de hamburguer artesanal, buscaram fornecedores e iniciaram uma hamburgueria em casa, a qual atendia somente na modalidade delivery.

Ainda estão atendendo somente delivery, com o nome de Carneiro BBQ, mas agora com um espaço adequado, cozinha própria e sempre buscando inovar e evoluir para conseguir manter o foco em suas metas e no seu crescimento.

Pertencendo a classe de empreendedores autônomos, eles citam a dificuldade que possuem em empreender, muitas vezes bate o desespero por não possuir um salário fixo, pois se não é produzido, não há retorno. Mas buscam estar sempre em inovação mesmo com as dificuldades.

O sucesso de pequenos negócios as vezes é visível, mas nem sempre é fácil, Mayara Fogaça de Manoel Ribas, Paraná, fazia docinhos apenas em alguns dias da semana, morava no interior e a locomoção era difícil, como os docinhos saíam bastante e estavam dando o retorno esperado, ela se mudou para a cidade e começou a se dedicar exclusivamente ao seu pequeno negócio.

Hoje, os docinhos de Mayara são sua renda fixa, ela está atendendo desde pequenas comemorações, como aniversários, até grandes eventos, como casamentos.

O sonho dela é abrir uma doceria, um local físico com mais variedades, além das dez já existentes em seu cardápio. A sua perseverança em meio as dificuldades têm sido sua aliada, além de manter o foco e tentar sempre trazer novidades para seus clientes. Por ser muito criativa e autônoma no ramo, a frase latente em sua mente é “sem trabalho não há renda”.

Apesar de o trabalho autônomo e o MEI terem seus benefícios, nem sempre é vantajoso. Ocorreram casos em que o trabalho por contra própria, que era a única fonte de renda, começou a se tornar um prejuízo, tendo que ser fechado.

Isso ocorreu com Maria José do Nascimento e João Nascir Ferreira do Nascimento, dois trabalhadores autônomos que possuem um carrinho de pipoca, no Parque do Lago, em Guarapuava, Paraná. Antes do vírus, já trabalhavam no lago e pensavam até em formalizar seu negócio, mas por conta da pandemia, suas vendas de pipoca acabaram não tendo mais renda, até gerando alguns prejuízos, assim eles tiveram que parar e ficaram sem vender por um ano e meio.

Recentemente retornaram, de forma totalmente autônoma, Maria diz que no seu caso não vale a pena possuir um MEI, pois seu negócio está instável ainda e gerando pouca renda.

O economista Ricardo Cifuentes, explica ainda que fora grande o número de pequenos negócios, MEIs, autônomos no país, devido à desestruturação da economia já existir antes do covid-19 e por conta disso acabou se agravando mais. Em sua visão esses trabalhadores possuem menos direitos do que trabalhadores com carteira assinada.

Dentro da economia ainda existe em muitos casos uma redução de renda disponível para se comprar coisas, ou seja, existe uma redução da demanda agregada que é a soma de toda a demanda da economia, assim se as pessoas estão com menos dinheiro, elas compram menos. Então o empresário vê uma produção menor de lucro e acaba desistindo de investir e contratar.

Isso fez com que dentro da pandemia, os casos de investimento e contração viessem a cair mais ainda, levando muitas pessoas ao chamado “empreendedorismo por necessidade” onde se encontram os “empreendedores” autônomos, por conta própria, informais, MEIs.

Autor(a): Bruna Carolina Guzzo e Viviane Almeida

Editor(a): Beatriz Florentino Viana e Emely Kauany Cardoso

Publicação por: João Vitor Marques

 

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