Quando a magreza destrói
Summary
Em uma sociedade onde a magreza está ligada ao sucesso e à beleza,
distúrbios alimentares tornam-se cada vez mais frequentes entre jovens.
Tudo começou aos 11 anos de idade. Marina era uma menina “fofinha” durante a infância, mas nunca chegou perto da obesidade. Logo que seus pais se separaram, os vômitos se tornaram frequentes. Era difícil demais conter o nervosismo e a tristeza que aquela situação lhe causava. Foi assim que ela desenvolveu sua bulimia nervosa, que se prolongou por mais oito anos. No começo, os vômitos refletiam o descontentamento com com a sua situação familiar, mas o tempo foi passando, a adolescência chegou, e, então, Marina encontrou naquela atitude um modo de manter-se magra.
Foi muito difícil perceber a doença, mas mais difícil ainda foi procurar ajuda. Para ela, durante muito tempo, os vômitos eram cômodos e geravam uma sensação de autocontrole e limpeza. “Vomitar servia como uma limpeza psicológica. Eu sentia como se estivesse tirando um grande peso de dentro de mim”.
A NOSSA MENTE TRABALHA CONTRA
A NOSSA SAÚDE E NÓS TEMOS QUE ENCONTRAR UM MEIO DE VIRAR A MESA, GANHAR ESSE JOGO.
MichelleA história de Marina é triste, mas não é a única. Na sociedade atual, onde modelos magérrimas são consideradas exemplos de beleza e sucesso, é cada vez mais perceptível o aparecimento de distúrbios alimentares, principalmente em meninas entre 15 e 25 anos. Além da bulimia, outro distúrbio bastante frequente entre os jovens é a anorexia.
A principal diferença entre as duas doenças é que na bulimia as pessoas costumam alimentar-se exageradamente e depois provocar vômitos para compensar o ganho de peso, já na anorexia, as jovens privam-se da ingestão de alimentos por longos períodos. Segundo o psicólogo Dhyone Schinemann, “existem fortes evidências de que esses transtornos estão associados a um tipo de funcionamento familiar de grandes exigências, perfeccionismo, cobranças e dependência”.
Geralmente, as pessoas bulímicas não têm tanta alteração de peso como as anoréxicas, pois, apesar de não haver a pretensão de engordar, gostam muito de comer e o fazem exageradamente. Depois do excesso, para aliviarem a culpa, forçam o vômito e ingerem diuréticos e laxantes. “Quando eu comia demais, ficava alguns dias sem comer para tentar compensar toda a caloria que tinha adquirido. Já cheguei a ficar quatro dias apenas tomando água”, confessa Marina.
Com o ácido clorídrico presente no estômago tem um poder altamente corrosivo, muitas vezes as pessoas que têm bulimia costumam desenvolver úlceras no estômago, úlceras de contato, gastrite, refluxo e até mesmo erosão dentária. Marina, por exemplo, teve que reconstruir seus dentes da frente três vezes.Hoje, Marina tem 21 anos, está no segundo ano da faculdade e tem um peso normal para uma moça do seu tamanho, 1,76 m, porém no auge da sua doença em 2009, ela chegou a pesar apenas 51 quilos. “Eu estava depressiva demais, não queria ajuda de psicólogos e psiquiatras e também estava viciada em cocaína, o que me fez emagrecer mais ainda. Nessa época acabei tentando me matar”.
Quando a reação estava realmente muito extrema, com o incentivo do seu pai, Marina procurou ajuda psicológica disposta a levar a sério o tratamento. Ela se diz curada da bulimia, porém quando fica nervosa demais, ainda tem algumas recaídas e acaba vomitando. “Agora eu aprendi a aceitar e ver a minha beleza interior. Tento não pensar muito na minha aparência, estou feliz assim”.
A anorexia da advogada Michelle de Mentzigen Gomes de 23 anos na época, deu seus primeiros sinais aos 15 anos, quando fazia regimes rigorosos e se privava de comer certos tipos de alimentos, porém, foi aos 17 anos que a situação realmente ficou drástica. Ela chegou a pesar 37 quilos e ficou à beira de uma internação.
“Eu não comia. Nunca fui de fazer exercícios físicos, nem nessa época, mas eu comia pouquíssimo, somente nas horas das refeições principais e tomava litros e mais litros de água, mesmo no inverno. Eu comecei a não gostar mais de fazer refeições em família, a não comer mais certos tipos de comida, parecia que tinha vergonha de me expor”. Para ela, uma das coisas mais complicadas foi admitir e aceitar que estava doente.
Apesar de os familiares e amigos falarem que algo estava muito errado, a obsessão pelo emagrecimento era a única coisa que Michelle via. “Não é uma coisa fácil de ser admitida porque nós não nos enxergamos fisicamente como realmente somos/estamos, nós só enxergamos que precisamos emagrecer. Se você me perguntar até hoje eu me olho e penso nisso, te respondo que sim. Então a gente, uma vez que admite que é anoréxica, aprende a conviver com isso”.
O grande problema é que, da anorexia, Michelle partiu à compulsão. Quando começou a recuperar peso, passou dos 37 aos 76 quilos, o que não era adequado para uma pessoa de 1,54m. “Na época, por mais que eu tenha saído da anorexia para compulsão, saí sozinha. Mas acho fundamental o acompanhamento psicológico, psiquiátrico e com todos os médicos que forem necessários para ajudar a não fazer o que eu fiz, que foi ir de oito para o oitenta. Isso também não é saudável”.
O psicólogo Schinemann explica que o tratamento psicológico varia muito de acordo com o ritmo de recuperação de cada paciente. “O objetivo é articular no projeto de vida do sujeito e na sua história particular algo que dê conta, ao mesmo tempo, de suprir suas demandas inconscientes e de evitar que haja prejuízo para a sua vida e para a vida dos demais.
A NOSSO CORPO NÃO FOI FEITO PARA FUNCIONAR TÃO PRECARIAMENTE QUANTO O CORPO DE UM ANORÉXICO.
MichelleCom a ajuda de um endocrinologista, Michelle conseguiu emagrecer e hoje mantém seu peso entre os 55 e os 60 quilos. “Desde o momento que uma pessoa anoréxica percebe que está se acabando com isso e decide melhorar, o processo não termina nunca. Pelo menos para mim é na base do ‘um dia de cada vez” Então, posso dizer que isso é algo que vou levar comigo para o resto da vida e que não desejo para ninguém”.
Apesar de terem distúrbios alimentares diferentes, Michelle e Marina tiveram alguns sintomas em comum. A amenorréia foi um deles. Quando estavam doentes, as duas moças ficaram longos períodos sem menstruar. Marina, por exemplo, menstruou apenas quatro vezes em um ano. Algumas mulheres que têm esses distúrbios alimentares por muitos anos acabam até mesmo ficando estéreis. Ambas as doenças estão fortemente ligadas a questões sexuais.
Geralmente as moças que possuem esses problemas têm traumas com o corpo e vergonha de se exporem sexualmente ou têm medo de perder o corpo de criança. Marina conta que a ideia de estar crescendo e se transformando em uma mulher a incomodava muito e ficar magra era uma forma de ter certo controle sobre a situação. Michelle ainda não se sente feliz com o corpo e com a aparência que tem, mas sabe muito bem que não deve se entregar novamente para a anorexia.
“Nosso corpo não foi feito para funcionar tão precariamente quanto o corpo de um anoréxico. Sei que é muito sofrido, penoso e desgastante não só para quem tem a doença
mas também para quem convive com o doente. A nossa mente trabalha contra a nossa saúde e nós temos que encontrar um meio de virar a mesa, ganhar esse jogo”.
A quem quiser conhecer mais sobre os dramas que as pessoas que têm esses distúrbios alimentares apresentam, indico O documentário “Thin” (Magras), da HBO, que foi lançado em 2006. O filme conta a história e os esforços para recuperação de jovens internadas em uma clínica de reabilitação para anoréxicos e bulímicos nos Estados Unidos. Apesar de os países serem diferentes, os dramas são os mesmos. O documentário mostra a questão da aceitação da doença. Enquanto algumas pacientes têm total conhecimento da situação pela qual passam, outras não aceitam o tratamento e preferem continuar com a vida doentia que levam.Por: Anita Hoffman para jornal Ágora – 2011 Edição e atualização: Anelize Pina Marques – 2022