Diários do Conhecimento: Carolina Maria de Jesus
Summary
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Quando surge o questionamento sobre quais os autores mais influentes do Brasil dos séculos XIX e XX, certamente nomes como Érico Veríssimo, José de Alencar, Mário de Andrade e Jorge Amado são citados sem esforço algum de memória. Ao mesmo tempo, há outros que permanecem esquecidos pela sociedade, mesmo que sejam igualmente importantes por contribuir com a literatura brasileira. Um desses nomes é o da escritora Carolina Maria de Jesus.
O mestre em educação e professor de história Joatan Nunes Machado Junior, conta que infelizmente pouco ouviu sobre ela durante sua vida escolar, devido ao currículo eurocêntrico empregado pelas escolas, por isso hoje tenta adotar uma nova forma de trabalho, que dê visibilidade a autora.
“Na biblioteca das escolas, geralmente, não encontramos Carolina nas prateleiras (primeiro pela baixa tiragem da sua obra, segundo pelo esquecimento a que a literatura brasileira relegou a sua obra). Então eu levo o meu pequeno acervo com Quarto de Despejo, Diário de Bitita e algumas poesias retiradas da internet, empresto meus livros para os alunos com um aperto no coração e sou recompensado todas às vezes que eles chegam com lágrimas nos olhos quando discutimos os textos dela”, relata.
Carolina foi uma mulher negra, moradora da favela, mãe solteira e escritora. Ela nasceu em 14 de março de 1914, em Sacramento (MG). Sua árvore genealógica é composta por avós escravos, pai trabalhador rural e a mãe, além da profissão do pai, também era lavadeira e doméstica. Quanto ao pai, ao que se sabe, já que era casado com outra mulher. Como Carolina é fruto de um casamento ilegal, a relação paterna era difícil e a escritora costumava apanhar muito na infância. Além disso, ela tinha outros 7 irmãos.
Pela falta de recursos financeiros, a menina cursou apenas o primeiro e segundo ano do primário (equivalente ao ensino fundamental). Embora tenha ficado pouco tempo na escola, aprendeu a ler, escrever e descobriu sua paixão pela literatura.
Paixão que lhe custou caro
Carolina gostava de ler livros de diversos gêneros. Certo dia, enquanto sentava em frente a sua casa, ao folhear um exemplar espírita, um vizinho disse se tratar do livro de São Cipriano, que era usado para praticar feitiços naquela época. Ao ver a menina lendo tal obra, chamou a polícia. As autoridades de Minas Gerais concluíram que ela só poderia estar fazendo feitiçaria, afinal, era impossível que uma menina negra e pobre pudesse saber ler. Com esse pressuposto, prenderam Carolina e sua mãe por seis dias, deixando elas sem comida durante três deles.
Após toda essa situação, sua mãe sugere que seria melhor Carolina partir de Minas Gerais em busca de um lugar melhor – e talvez uma oportunidade de emprego. Já em São Paulo, passou a trabalhar de doméstica em uma casa que tinha biblioteca. Nas horas vagas e folgas, o patrão concedeu passe livre para ler os livros do lugar.
Nesse tempo, Carolina já sonhava em publicar seu próprio livro, e corria atrás de maneiras para realizá-lo. Sempre escrevia poemas e procurava as rádios da cidade, se autoproclamando poetisa, de modo a declamá-los ao público da estação. Ninguém lhe dava ouvidos, até que em 25 de janeiro de 1940, o jornalista do Folha da Manhã (SP), Willy Aurélio, publicou uma matéria intitulada: Carolina Maria, poetisa preta. A publicação continha um de seus poemas: “O colono e o fazendeiro”.
Com o passar do tempo, engravidou de um português, que pouco tempo depois a abandona. Com isso, ela é expulsa do trabalho (naquela época, as famílias não aceitavam uma mãe solteira no cargo de doméstica).
A vida na Favela
Após ser demitida, Carolina passa a morar na rua. Pouco tempo depois, o governador do Estado, Adhemar Barros, mandou recolher todos os moradores de rua, em busca de uma boa imagem para a cidade. Para isso, os despeja próximo ao rio Tietê, dando origem à favela do Canindé.
No local, Carolina construiu seu barraco, com os materiais que encontrava no lixo. Cuidou do primeiro filho, João José, e de outros dois que vieram em seguida, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima, ambos frutos de relacionamentos distintos.
A poetisa se torna catadora de materiais recicláveis, já que não há nenhum outro recurso para que ela sobrevivesse. Misturado ao seu sustento, encontra muitos cadernos com folhas em branco, preenchidas pouco a pouco pela autora. Ela retratava sua realidade diária, as dificuldades e os raros momentos de tranquilidade. Entre eles, quando alguém lhe doava algum tostão, permitindo que ela tivesse a certeza que não passaria fome naquele dia.
Em 1958, o jornalista Audálio Dantas, responsável por fazer uma matéria sobre o playground instalado na favela do Canindé para o jornal Folha da Noite, encontrou Carolina ameaçando os vizinhos de que os denunciaria em seu livro. Imediatamente, o jornalista quis saber do que se tratava esses livros. Prontamente, a escritora o levou para conhecer seus escritos. Foi paixão imediata. Nas linhas traçadas nos cadernos velhos, viu o potencial da catadora e decidiu ajudá-la a publicar suas anotações.
“Quarto de Despejo”, primeiro livro de Carolina, foi lançado em 1960.
Um livro de sucesso
O nome “Quarto de despejo” é uma metáfora referente ao lugar onde mora, que abriga pessoas despejadas em uma situação precária. Em várias passagens, a autora fala sobre o cheiro de lixo do lugar, o convívio com a sujeira, e os animais que transitam por lá e transmitem doenças para as crianças. O livro é, portanto, um diário que conta os seus dias na favela com detalhes riquíssimos. Fala sobre temas como fome, preconceito racial, pobreza, educação e política.
Foram vendidos mais de 10 mil exemplares na semana de lançamento. Além disso, a obra foi comercializada em 46 países e traduzida para 16 idiomas. Foi o primeiro texto sobre favela escrito por alguém que vivia a situação cotidianamente.
Com o dinheiro que lhe foi garantido pela venda dos livros, a princípio, Carolina conseguiu sair da favela. No entanto, logo ela foi esquecida pelo mercado e pelo público, e voltou a recolher papelão pelo resto de sua vida.
As últimas obras e o descaso com a autora
Carolina Maria de Jesus faleceu em 13 de fevereiro de 1977, com 63 anos, em decorrência de uma insuficiência respiratória causada pela asma. Mas não morreu para a literatura: os seus feitos ressurgem e outras seis obras póstumas foram publicadas: Diário de Bitita (1977) Um Brasil para Brasileiros (1982) Meu Estranho Diário (1996) Antologia Pessoal (1996) Onde Estaes Felicidade (2014) Meu Sonho é Escrever: contos inéditos e outros escritos (2018).
Em âmbito literário, o esquecimento desse tipo de obra e a falta de introdução dela nas escolas e universidades é recorrente. Não só negligencia o ensino da literatura brasileira no país, quanto oculta uma forma diversa de escrita que pode servir de inspiração para outros jovens, subordinados somente à literatura clássica.
Joatan afirma que as obras de escritores negros são desvalorizadas no país, que é composto etnicamente, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 54% da população autodeclarada preta.
“Nossa história da educação, por exemplo, não traz nenhum autor negro, nada sobre história da África, especificamente na graduação. Os manuais de história da educação são utilizados na formação de professores nas universidades, logo isso fica refletido na educação dos nossos jovens”, expõe.
Carolina é importante para a literatura por permitir que as pessoas que vivem a mesma realidade que ela se sintam representadas.
“Carolina é a realidade de muitos brasileiros. É a realidade de pessoas sem oportunidade, mas que ainda assim conseguiu deixar uma obra, que além de ser intocável é real. Ela deixa ainda mais expostas às feridas abertas que o Brasil, atualmente, insiste em manter: desigualdades, preconceitos, discriminações, pobreza, miséria…” finaliza Joatan.
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Texto: Bárbara Lopes para o Jornal Porta Voz (2021)
Edição: Bárbara Lopes (2022)