Reforma política é a solução?
Summary
Valdir Michels analisa os aspectos positivos e negativos de uma reforma na atual crise política
A tão discutida reforma política de 2005, mesmo se aprovada, não deveria resolver o problema de corrupção no financiamento de campanhas eleitorais, defende o contador e professor da Unicentro desde 1983, Valdir Michels, doutor na área de Ciências Sociais. Michels acompanhou o processo político de perto, estudou toda a formação política brasileira, desde o tempo do império, república velha, ciclo Vargas, fase militar, eleições diretas até a atualidade. Segundo ele, o problema do país está mais nas pessoas do que no aparato institucional.
“A política envolve a todos nós, queiramos ou não, nós somos afetados por decisões políticas. Numa sociedade democrática deve haver política e política partidária, todos temos que nos envolver, uns mais outros menos”, enfatiza
Mesmo assim, Michels defende que o sistema político do país deve ser reestruturado. Uma de suas sugestões é dificultar a criação de novos partidos políticos, coibindo a “negociata” das legendas menores e exigir a fidelidade partidária dos candidatos, além de estimular o senso crítico do eleitor. Por outro lado, ele questiona outras medidas discutidas, como o voto distrital que poderá transformar os deputados em “vereadores” de instância maior, se não forem devidamente propostas.
Ágora: O que vivemos hoje na política, com uma grave crise nacional, pode ter alguma relação com o passado de autoritarismo da ditadura militar?
Michels: Com certeza. A população brasileira ainda não se acostumou a um regime democrático. A democracia tem suas falhas e tem suas qualidades. Por exemplo, a democracia não impede que se eleja uma pessoa ruim para o governo. O que ela impede é que essas pessoas se perpetuem na ditadura, pode entrar uma pessoa ruim e se perpetuar no governo por imposição. A democracia cobra o seu preço, maus governos são passageiros, eles são “apeados” numa próxima eleição.
Ágora: Na sua opinião, qual a maior falta da constituição brasileira?
Michels: A nossa constituição é muito rica em direitos e muito pobre em obrigações. Deu-se muito direito às pessoas e os governos perderam sua capacidade de financiar os investimentos, porque ficou muito caro cumprir o que determina a constituição de 1988.
Ágora: Hoje, a reforma política seria uma solução?
Michels: Uma reforma política nos moldes que está sendo proposta agora, em cima de denúncias dos mensalões, não acredito que vá resolver, com certeza não resolverá nada.
Ágora: Que situação a reforma deveria impedir?
Michels: A criação de novos partidos. Deveria ser uma exigência de que um partido, teria que ter no mínimo uma determinada porcentagem dos votos numa eleição, senão ele é extinto na próxima. Criar novos partidos tornou-se um grande mercado. “Vende-se o apoio dos pequenos partidos, tanto na campanha eleitoral como depois durante o governo entram algumas negociações. E acabar com a mudança de partidos, exigir a fidelidade partidária. O político, pode até mudar de partido, mas teria que entregar o mandato. Na verdade, o mandato tem que ser do partido. Bastava ter quatro partidos no Brasil. São muitas ideologias, um partido um pouco mais à esquerda, outro, mais de centro, o fiel da balança, e outro mais à direita, mas o ideal seria uns três partidos, com essas tendências.
Ágora: Como deveriam ser as campanhas?
Michels: No Brasil as nossas campanhas políticas são muito caras. Só que para tornar as campanhas mais baratas, já se tentou uma série de medidas, por exemplo, ceder aos candidatos e aos partidos um espaço gratuito nos meios de comunicação, como rádio e televisão. Teoricamente isso faria com que a pessoa mesmo sem grandes recursos pudesse ocupar um espaço cedido na televisão e expor suas ideias e disputar uma eleição em igualdade de condições, com alguém que tem muitos recursos para gastar. Lamentavelmente isso na prática não ocorreu porque também os programas de televisão começaram a ser muito sofisticados e atrás de todo candidato que tem mais recursos, está um marketeiro.
Ágora: O candidato virou um produto comercial?
Michels: Sim, um produto. Vende-se ao eleitor um candidato como se fosse “sabonete ou sabão em pó”. Ele é produzido, e isso faz com que a pessoa que tenha condições de contratar um marqueteiro tenha muito mais condições de ser eleito, do que alguém que não tenha. Essa sessão de espaço gratuito nos meios de comunicação não existe em outros países, nos Estados Unidos tem que se comprar um espaço na televisão. Aqui é concedido gratuitamente e isso não resolveu. Enquanto não houver uma conscientização do eleitor em saber identificar um programa de governo que seja exequível, que tenha no mínimo de consciência e que possam os eleitores optar pelo candidato que tenha essas condições, nós vamos continuar elegendo os vendedores de ilusões. Produzidos por um marketeiro e que vendem ilusões ao eleitor, e que depois não poderão ser cumpridas em nada. Fazem promessa para conquistar o voto do eleitor, se fala o que o eleitor quer ouvir, tudo muito treinado.
Ágora: Como é que uma reforma política poderia evitar esse tipo de situação?
Michels: Bom, limitar os gastos em campanha, evitar que os partidos tenham um “caixa dois”? Nós teríamos que acabar primeiro com os “caixas dois” das empresas que financiam partidos. Por que a empresa não cede um recibo? Fazendo uma transferência de recursos para um determinado partido? Já que é legalmente permitido e contabilizado. Por que, provavelmente, parte dessa doação vem de uma “caixa dois” da própria empresa. Então ele não pode passar isso legalmente, porque tería que declarar a origem desses recursos e não tem como declarar. Com isso, se cria um “caixa dois” dentro dos partidos, é muito difícil fiscalizar e estimar o quanto ele representa.
Ágora: Como acabar com isso?
Michels: Acabar não sei. Talvez o eleitor com bom senso observasse melhor os candidatos, antes de votar. Se alguém está fazendo uma campanha muito cara, e isso é perceptível, então não se deveria votar nesse candidato.Por que ele vai ter que se cobrar depois, de algum lugar. Ele já está fazendo um investimento, não está jogando esse dinheiro a fundo perdido. Ou então esse candidato já está comprometido com grupos econômicos, já entra com o governo comprometido.
Ágora: Na reforma política fala-se no voto distrital?
Michels: O voto distrital tem pontos fortes, se tivéssemos um distrito eleitoral aqui de Guarapuava, nós iríamos eleger um deputado federal e um estadual neste distrito, ele é candidato deste distrito, vai ser votado neste distrito. Então ele vai para a Assembleia Legislativa ou ao Congresso Nacional comprometido com seu distrito eleitoral. Não é um deputado federal do Paraná, é um deputado federal de um distrito do Estado. Assim terá compromissos com seu distrito eleitoral. Tem pontos negativos a serem analisados, tornar esse deputado federal em um “vereador em Brasília”, com compromisso bem localizado com seu distrito, seria bom? Talvez um modelo misto, uma parte dos deputados eleitos como representantes do Estado e uma parte eleita pelos distritos, fosse uma saída. O voto distrital evitaria que um candidato que não conhecemos venha a fazer votos fora de sua região. É importante que tenhamos um deputado federal para trazer recursos federais para nossa região, a princípio acaba se pensando assim, nesse ponto o voto tem suas vantagens e tem essa vantagem de tornar o deputado federal num “vereador em Brasília”.
Ágora: Então, qual seria o melhor caminho a seguir?
Michels: Primeiro, melhorar o nível cultural do eleitor brasileiro. Que o eleitor tenha um senso mais crítico, tenha uma responsabilidade maior em votar, que não faça o ato de votar uma brincadeira o que diga assim: “de que adianta votar nesse ou naquele candidato se são todos iguais?”, esse tipo de generalização favorece a classe política e não traz benefício nenhum para a sociedade. Existem bons políticos, nós temos que ter esse “feeling”, esse sentimento, esse espírito crítico de detectar se essa é uma pessoa comprometida com a sociedade brasileira, com o desenvolvimento e que seja uma pessoa honesta.
Saiba mais sobre a reforma
A reforma contempla cinco aspectos importantes: financiamento público das campanhas eleitorais, voto no partido e não mais nos candidatos a deputado e vereador, fidelidade partidária, barreira menor que a prevista (a partir de 2006) para partidos com poucos votos e limitação das coligações na eleição legislativa.
O projeto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), é uma união de várias propostas desde a Constituição de 1988 e, para valer já nas próximas eleições, deveria ser sancionado pelo até então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, até 30 de setembro de 2005, um ano antes das eleições de 2006. No entanto, se tratava apenas de um projeto, que ainda seria emendado na Câmara Federal dos Deputados.
Texto: Laine Santos para o jornal Ágora, em setembro de 2005
Edição: Millena Ricardo, em outubro de 2022